domingo, 30 de novembro de 2008

Fim de Novembro.

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[ A coisa mais fina do mundo/ é o sentimento. ] * [ Adélia Prado ]



R: -Nossa,
Como as coisas são engraçadas, não?
Pessoas que aparecem quando a gente menos espera
E mais precisa!
Nada como a tal da amizade!
G: -Mas a vida é assim mesmo.
Bem desse jeito!
O tipo de coisa que acontece!
R: -Essa é a graça da vida!
G: -Exactus!

[ NOTA 1: ] *Palavras ditas ao som de Apparat e Radiohead.
[ NOTA 2: ] * Poema diálogo, de indizível valor pessoal.
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Por Gustavo Füsca e Raphaël Crone.

À Uma Batida Frenética.

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[ Isto nos faz sentir tão bem!/ Estarmos aonde não deveríamos,/ Em um amor que não nos pertence!/ Perigo, perigo,/ Me dê o perigo! ] * [ Mike Furey ]


Eis que eu escuto este movimento, it takes over me!
Necessário, perigoso, quase violento!
Uma droga radiofônica,
O ecstasy audiológico!
Sinto-me voltando de uma longa jornada do país do desejo da morte,
De um sono infinito, de um sono quase medicamentoso!
A sua bênção, batida aterradoramente eletrônica!
Neste momento, até mesmo o meu eu alternativo se rende a você!
Porque sinto-lhe puxar de volta à vida o meu eu dormente,
Latente, hipnotizado,
Amargurado, ressentido, triste e cabisbaixo.
Cego, surdo e mudo, abandonado.
Sinto-me o som do pássaro!
Sinto-me jovem e belo, adolescente e frenético,
Sinto-me vivo, lúcido, sóbrio e são.
Sim, definitivamente, de volta à vida.

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Por Raphaël Crone.

Crianças da Revolução.

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[ Pouco antes de nosso amor se perder, você disse:/"Sou tão constante quanto uma estrela do norte."/ E eu disse, sempre na escuridão:/ "Onde isso vai levar?/ Se você me quiser, eu estarei no bar..."/ Oh, você está em meu sangue como o vinho sagrado,/ Você parece tão doce e tão amargo!/ Oh, eu poderia beber um barril de você, querido/ E eu ainda estaria em pé,/ Oh, eu ainda estaria em pé... ] * [ Joni Mitchell ]


Você fez de mim uma das crianças da revolução.
Uma daquelas que, por tanto acreditar,
Não sabem mais em que direção seguir.
Uma daquelas que, por tanto acreditar,
Desenvolvem o excepcional talento de não acreditar, acreditando.
Você fez de mim uma das crianças da revolução,
Vorazes, impetuosas e frágeis,
Frágeis como a bruma, que se desvanece à luz do sol matutino.
Uma daquelas crianças que dormem embaladas por alguma música melancólica,
Com uma garrafa semi-vazia encima da mesinha de cabeceira,
Um cinzeiro cheio de pó em um canto da cama
E o livro de algum filósofo estúpido no regaço,
Buscando nele algum estúpido fundamento infundado.
Uma das crianças da revolução,
Das capazes de varrer o país com a guerra,
Mas incapazes de varrer seus próprios conflitos íntimos,
Sua própria embriaguez moral,
Sua própria França interior.

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Por Raphaël Crone.

Sado - Vol. 2.

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[ Tous les jours des fêtes,/ Oui c'est excentrique./ Je dis: "Vive la fête!"/ Pour etre héroïque. ] * [ Els Pynoo ]



Tre' bien. 120 dias em Sodoma com Sade.
Deve ser divertido!
Viva a festa, mon garçon!
O que pode haver de mais excitante na vida
Do que 120 dias em Sodoma com Sade?

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Por Raphaël Crone.

Uma Nova Supernova.

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[ Você pode expressar as suas verdades mais profundas,/ E mesmo que isso signifique que eu vou lhe perder,/ Eu vou ouvi-las./ Você pode cair num abismo/ No seu percurso pela felicidade/ E eu vou simpatizar com isso./ Você pode me dizer que vai deixar a cidade / Em busca da paixão de sua vida/ E eu vou ouvi-lo./ Você pode mesmo se jogar no fundo do poço/ Em uma crise de meia-idade e eu vou suportar isso./ Não há mais laços que nos liguem.../ Você não me deve nada / Por eu ter lhe dado o amor que eu lhe dei,/ Você não me deve nada/ Por eu ter me importado como eu fiz./ Sou eu quem lhe agradece por ter-me recebido,/ É meu privilégio/ E você não me deve nada em troca. ] * [ Alanis Morissette ]



Nenhuma cobrança, nenhum ressentimento.
Rugas? Para que, se eu sou tão jovem e tão belo?
Quem cresceu fui eu. Quem amou fui eu.
Quem se importou fui eu.
Eu saí maior e mais forte, mais nobre.
Aos meus braços, novos amores.
Mais nobres. Mais fortes.
Mais arrebatadores.
Como sempre, ela bem me aconselha, ma chère.
Você realmente não me deve nada em troca
E eu lhe agradeço, no final.

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Por Raphaël Crone.

Sensualidade Provisória.

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[ Não, não tente se desculpar,/ Não volte a insistir,/ As desculpas já existiam antes de você./ Não, não me olhe como antes,/ Não fale no plural,/ A retórica é sua arma mais letal./ Vou te pedir que não volte mais,/ Sinto que você ainda me causa dor aqui, por dentro/ E que na sua idade já sabia bem o que é/ Partir o coração de alguém assim... ] * [ Shakira ]



É a minha sensualidade provisória,
Meu encanto passageiro,
Que nao pôde segurar-lhe em meus braços,
Assim como acontece num happy-end de cinema.
Meu sorriso, que não foi doce o bastante,
Minha impetuosidade, que não foi comedida o suficiente,
Meu amor, não tão convincente.
Que posso eu fazer mais, se fiz o melhor de mim?
Este sou eu, nada mais e nada menos.
Eu, meu amor insuficiente
E minha sensualidade insuficiente,
Nada mais que provisória para você.

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Por Raphaël Crone.

sábado, 29 de novembro de 2008

Violência.

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[ Desde que eu me encontrei com você,/ Esta cidade pequena não conseguiu quarto/ Para meus sentimentos grandes./ Violentamente feliz por te amar,/ Violentamente feliz,/ Mas você não está aqui. ] * [ Björk ]


Tenho bebido demasiadamente nos últimos dias,
Tenho tido dificuldades para escrever.
Este poema, escrevo-o bêbado.
Ironicamente bêbado.
Furtivas taças de vinho, graciosos momentos de descontração,
Profundos motivos incógnitos.
Não consigo escrever mais por agora.
Tenho bebido demasiadamente nos últimos dias.

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Por Raphaël Crone.

Confissão Noturna.

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[ Eu me machuco facilmente,/ então seja gentil ao lidar comigo. ] * [ Natasha Bedingfield ]



Posso parecer radiante e independente.
E posso ser assim, quando quero assim ser.
Posso demonstrar total segurança e auto-controle,
Ou um descontrole devastador.
Posso ser um corpo em chamas
Ou um coração ardente e eterno.
Posso ser brilhante como o dia,
Ou escuro, como o breu da noite.
Eu posso ser o que quiser.

Mas a única coisa que você tem que saber, amor meu,
É que eu me machuco facilmente.
Que meu sorriso pode esconder meu desencanto.
Que meu silêncio pode traduzir minha tristeza
E que meu olhar vazio pode expressar a minha solidão.
Eu me machuco facilmente,
Então seja gentil com seu príncipe-menino.
Seja paciente e tolerante.
Seja bom, como ninguém mais, para mim.

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Por Raphaël Crone.

Versos Sujos.

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[ Você pode me tocar se quiser,/ Mas você não pode parar. ] * [ Shirley Manson ]


Em minha pele jovem, o desespero.
O frenesi, a necessidade, a ânsia
Por uma possessão pervertida e absoluta.
Inimaginável.
Por seus braços pervertidos e absolutos,
Em todas as formas, em todos os sentidos,
Inimaginavelmente.

___
Por Raphaël Crone

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Dangereux.

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[ Viver é muito perigoso. ] * [ Guimarães Rosa ]
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[ Minha força está na solidão. / Não tenho medo nem de chuvas tempestivas, / nem de grandes ventanias soltas, / pois eu também sou o escuro da noite. ] * [ Clarice Lispector ]



Eis que, de repente, tudo se afigura real:
A ironia da vida em me amar
E sua insistência em me abraçar
Com os braços frouxos.

___
Por Raphaël Crone.

Minha Onipotência.

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[ Eu sou um caminho de cinzas,/ Queimando debaixo de seus pés./ Você é o único que caminha sobre mim/ E eu sou o seu único caminho. ] * [ Björk ]
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[ Felicidade se acha em horinhas de descuido. ] * [ Guimarães Rosa ]


Quem é assim, você pode me dizer?
Incondicional como eu? Apaixonante e apaixonado?
Quem tem um sorriso mais belo que o meu e lábios mais macios?
Quem lhe toca com as pontas dos dedos
E lhe proporciona tamanha excitação mental?
Quem tolera os seus desgostos e as suas amarguras
E continua sendo como eu sou?
Quem lhe deixa e retorna sempre,
Respeitando as suas excentricidades e os seus desatinos?
Quem lhe ama, brutal e docemente,
Como dedicado pajem e violento criminoso?
Quem é assim?
Quem faz o seu coração triunfar?
Exército de mim, o caçador.
O deus do vinho. Do sono. Dos profundos oceanos.
Quem é como eu?
Que chora a sua partida e aguarda o seu improvável retorno,
Esperançoso e sem deixar de sorrir?
Você sente isso em mim?
Incondicionalidade? Motivação?
Exagerado zelo, cuidado dilacerante?
Pois bem, saiba,
Apenas eu sou assim por você.
No pouco e no muito, na bonança e na miséria,
Exageradamente seu.
Enveneno-me com seu amor a cada dia,
Apenas para não morrer sentindo a sua falta.
Apenas para viver, desta forma, sem respirar.

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Por Raphaël Crone.

Goldfrapp Cantaria.

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[ O uísque é o melhor amigo do homem. / É o cachorro engarrafado. ] * [ Vinícius de Morais ]



Você e sua ironia,
Eu e meu copo semi-vazio,
Uma dupla peculiar.
Quando me enrosco em seu pescoço
E respiro a sua pele acetinada,
Sinto a sua frialdade mórbida.
Nada como o meu calor alcoólico para lhe aquecer.
Fatalmente,
Uma dupla peculiar.

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Por Raphaël Crone.

Efemérides.

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[ Você tem olhos que me conduzem/ E um corpo que me mostra a morte;/ Seus lábios parecem que foram feitos pra algo mais,/ Mas eles apenas sugam minha respiração./ Eu quero a sua dor para saborear
o porquê de você estar envergonhado./ Eu sei que você não é apenas o que me diz/ E eu não sou o único momento do qual você é feito./ Você é tão súbito e doce,/ Todas as pernas, articulações, joelhos./ Cabeça fundida limpa, sua boca é paga./ Me foda até sabermos que é não é mais seguro/ E então nós passaremos por cima das evidências. ] * [ Marilyn Manson ]


Sob a chuva quente de verão,
Sentado sob uma árvore imponente,
Eu vejo os raios riscarem o céu como flechas incandescentes.
Eu olho para cima, vejo as folhas gotejantes.
Penso por um minuto,
Lanço os olhos em torno do enorme descampado à minha frente
E me deito na grama molhada, sem camisa.
Se eu tiver alguma sorte,
Quem sabe hoje.
Quem sabe.

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Por Raphaël Crone.

Uma Recordação Minha.

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[ Se deus fulmina os erros da ternura,/ Uma lágrima só lhe apaga o raio. ] * [ Manuel du Bocage ]
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[ Mas alguém me disse que você ainda me ama,/ Será isto possível? ] * [ Carla Bruni ]


Como Julianne Moore em "As Horas",
Chorei quando lhe dei as costas naquela rodoviária,
Após um abraço terno e um sussurro terno
E não olhei pra trás quando você subiu naquele ônibus velho.
Chorei durante todo o caminho pra casa,
4 da tarde, ruas cheias;
Resolvi tomar um banho longo
E mal via que o sabonete dissolvia-se por ação da água que teimava em cair do chuveiro,
Enquanto eu, convulsivamente, chorava deitado no chão do banheiro.

Chorei a sua partida, com uma dor tão vívida
Que me sentia faltar o ar, era difícil respirar.
Chorei a sua partida,
Chorei a parte de mim que ia contigo,
Mas a parte de vocêzinho que ficou comigo, então, me consolou.
Me consolaram Maria Callas e Edith Piaf,
Borges, Drexler, Camille,
Fui consolado pela torrente violenta que banhava meu coração de lembranças,
E que me fazia enxergar-lhe em toda parte;
Fui consolado por "Non, je ne regrette rien".

Apenas um menino lindo", palavras suas;
De fato você me faz sentir um menino lindo,
Como é linda a homenagem que a Carla Bruni me faz através do seu amor;
Amor, enquanto nós bebíamos e conversavámos naquele bar da praça matriz de cidade do interior,
Amor, denunciado por nossos beijos nas ruelas escuras,
Amor em francês, em espanhol,
Amor latino-americano.
Amor, enquanto eu lhe assistia dissertar na faculdade
E você me assistia lecionar, após a chuva;
Amor, em tardes quentes e companheiras;
Amor, enquanto faxinávamos a casa,
Enquanto aprendíamos a lavar roupa,
Enquanto conversávamos à toa na janela da vizinha.

Amor, enquanto você deitava no meu colo naquela pracinha
E nós chorávamos como crianças,
Apenas por causa desse tal de amor,
Que justifica todas as dores e prazeres de nossas existências;
Amor, em madrugadas longas,
Enquanto acompanhavámos um ao outro de volta pra casa,
Amor musical e poético,
Amor sentimental.
Amor, como o que a Adélia Prado tem pelo Zé e seu fusquinha,
Amor camarada e bom,
Amor amável;
"Te amo, homi", a Adélia dizia pro Zé; e eu lhe amo.
Mesmo sabendo que sem você, este lugar é como Londres,
Chove todos os dias
E que eu sou apenas metade de um corpo, sem o seu abraço.

Amor, que sabe que semana que vem a gente está junto de novo,
E que toda a choradeira foi porque eu não queria ficar nem um dia sem lhe ver;
Amor, que eu enxerguei no fundo dos seus olhos,
Amor mais amplo que palavras,
Amor romântico e revolucionário,
De mãos dadas na praça;
Amor, que me faz esquecer de mim mesmo,
Apenas pra lhe ver feliz, como você me faz feliz,
Amor acordado, amor dormindo, amor de todo quanto é jeito;
A Julieta tem mesmo razão, lhe quero com limão e sal,
Lhe quero falante ou não, lhe quero e lhe tenho
E você me tem também,
Um menino que chora na rodoviária e que lhe ama cada momento mais;
Que adotou a bermuda que você lhe deu como um uniforme,
E que alegremente espera por você,
Como Penélope esperava por Ulisses naquela praia.

[ Minha mãe cozinhava exatamente: arroz, feijão-roxinho, molho de batatinhas.
Mas cantava. ]


Sou eu quem lhe agradece, amor.
Ton garçon, qui t'aime beaucoup et toujours.
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Por Raphaël Crone.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Costumeiramente Você.

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[ Eu culpo a todas as pessoas, menos a mim mesma/ Minha agressividade passiva pode ser devastadora./ Eu sou assustada e desconfiada/ E você nunca conheceu ninguém tão fechada/ Como eu posso ser, às vezes./ Você enxerga tudo, você enxerga cada detalhe./ Você enxerga toda minha luz/ E você ama toda a minha escuridão./ Você sabe tudo que me deixa envergonhada./ Não há nada em mim que você não conheça/ E você continua aqui. ] * [ Alanis Morissette ]

Tão sábio e incrivelmente, tão jovem.
Me encontrou num momento tão triste
E se mostrou tão presente.
De tão fraco me fez tão forte.
De tão só me fez tão pleno.
Tão esperançoso. Honestamente bom.
Você tem sido mais que eu tenho sido
E ainda assim,
Tem sido, apenas e costumeiramente,
Você.

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Por Raphaël Crone.

Uma Pequena Odisséia


[ O amor eterno é o amor impossível./ Os amores possíveis começam a morrer no dia em que se concretizam. ] * [ Eça de Queiróz ]


[ Inconsistência de uma atitude poética,
Ou como quiserdes, nomeai. ]

Eu rastejo, rastros no chão.
Escalo as ruínas da antiga catedral.
Gotas de sangue escorrem das mãos.
Quando chego lá no topo,
Observo a face do vento
E te vejo desaparecer com ela, enfim.

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Por Raphaël Crone.

Um Amor Bombástico.


[ Eu quero beijar você em Paris,/ Eu quero segurar sua mão em Roma,/ Eu quero correr nua em uma tempestade,/ Fazer amor em um trem através dos campos,/ Você pôs isso em mim./ E agora? E agora?/ Quero, preciso, espero/ Por você para justificar meu amor./ Esperando, rezando/ Por você para justificar meu amor. ] * [ Madonna ]



Um amor bombástico.
Pernas, seios, mãos, lábios em efervescência.
É assim que nós funcionamos.
Bombasticamente.
Causando furor e frisson.
Uma profusão de eloquência,
Nenhum relato verbal.
É assim que eu funciono.
Bombasticamente.

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Por Raphaël Crone.

Uma Subversão Estética.


[ É hipócrita as pessoas ricas se vestirem como as pobres. ] * [ Vivienne Westwood ]


Me dê um fio do tecido da tua blusa.
Ma douleur. Me dê.
Imperiosamente eu lhe peço: agora.
Maravilhe-se,
Mendigo-chic. Fashion beggar.
Minha calça rasgada e desfiada,
Minha camiseta branca amarrotada e manchada,
Meus cabelos desalinhados,
Óculos retrôs,
Cuia de retrós. Bandós.
Chinelas rotas, pés alvos,
Podóloga e pedicure.
Ser mendigo, hoje, não é para qualquer um, chère.

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Por Raphaël Crone.

Honestamente Ok


[ A vida é como um sonho:/ é o acordar que nos mata. ] * [ Virginia Woolf ]
[ Eu só quero me sentir bem na minha própria pele,/ Eu só quero ser feliz de novo./ Eu só quero me sentir profunda no meu próprio mundo,/ Mas eu estou tão solitária,/ Que nem quero mais ser eu mesma. ] * [ Dido Armstrong ]


Eu ando pela minha casa,
Copo de café na mão,
Cigarro queimando entre os meus dedos,
Absorto e inconstante.
Eu tento me lembrar dos planos que eu fiz,
Mas a memória teima em não me obedecer.
Sinto o cheiro do incenso, que queima num canto da sala.
Feng-chui. Chinatown francesa.
Eu ando da cozinha para a sala
E da sala para o quarto.
Do quarto para o hall e do hall para a varanda.
Desassossego.
Desencontro interior. Saudades tuas.
Eu queria me lembrar de como eu era,
Mas eu era tão mais triste!
Por isso a tua lembrança morta ainda me mantem vivo.
Contraste sombrio.
A lembrança do teu abraço e do teu sorriso,
Hoje desprovida do antigo desejo de possessão.
Eu bebo o cigarro e fumo o café.
Me embriago de lucidez,
Para me perder embriagado durante a noite.
Meus dias sem mim.
A batida que ecoa e eu insisto em não ouvir.
A insustentável necessidade de desapego.
Minha insustentável vida,
E nenhum final.


____
Por Raphaël Crone.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Do Quase Se Acabando.

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[ Non, rien de rien!/ Non, je ne regrette rien!/ Ni le bien quon m'a fait,/ Ni le mal,/ Tu ça mest bien égal!/ Non, rien de rien!/ Non, je ne regrette rien!/ C'est payé, balayé, oublié,/ Je me fous du passé!/ Avec me souvenirs,/ Jâ'ai allumé le feu,/ Mes chagrins, mes plaisirs,/ Je nai plus besoins deux!/ Balayé les amours,/ Avec leurs trémolos!/ Balayé pour toujours,/Et repars à zéro! ] * [ Edith Piaf ]


Eu já não lamento mais, igualmente.
Não lamento o tremor dos meus pés na frialdade da noite,
Nem a dissolução de minhas alcovas.
Não lamento minha infância solitária
E nem as decepções que sofri durante a vida.
Não me importo, absolutamente,
Não me importo com as lágrimas que derramei
E nem com as que hei de derramar,
Quando necessário for.
Não lamento o olvido e o desprezo,
Sina dos homens.
Não lamento a notoriedade.
Não lamento o não teres me amado,
E mais, não lamento o me odiares agora.
Não lamento a falta de compreensão e nem a sabedoria obscena.
Não faz-me falta o silêncio e nem a histeria.
O álcool me é indiferente,
A canção, que se me cale,
O sofrimento, que aperte ou desapareça.
Tudo me dá igual,
Como viver comigo ou sem mim dá no mesmo a ti.
Não mais lamento a árvore que tombou para ser o assoalho que piso,
E nem o coelho que abatido foi para me servir de guisado.
Não lamento as chagas do indigente,
Nem o coração ferido da donzela.
Nada, absolutamente nada.
Não lamento o medo da morte,
Como há muito deixei de lamentar o medo da solidão.
É inútil, é uma luta baldada,
Uma luta que se trava sozinho é uma luta vã.
E contar com os esforços alheios torna a minha luta infundada, também.
Tudo passou, a juventude, o brilho, as eternas esperanças
E eu já não lamento mais.
Nem as lembranças dos campos e regatos pueris,
Nem os excessos de homem jovem,
Nem a frieza de homem feito,
Nem as fraquezas de homem que não chegou a ser velho.
Absolutamente nada.
Nem as memórias, nem o esquecimento.
O embotamento e o desespero.
O pensamento que me começa a não obedecer.
Edith já disse uma vez:

[ Mulheres, amem. Donzelas, amem.
Crianças, amem. ]


No mais, que me resta dizer, então?
Que nada me importa agora, talvez.
Que os esforços foram feitos, as cartas lançadas,
As messes colhidas
E no mais, tudo me é igual,
Absolutamente.
E nada me resta lamentar, afinal.

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Por Raphaël Crone

V&R

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[ Liberdade é pouco. / O que eu desejo ainda não tem nome. ] * [ Clarice Lispector ]


 



Eu adoro a forma como você se preocupa com o seu cabelo,
E mais ainda, eu adoro bagunçá-lo.
Adoro as músicas que você canta (principalmente as em francês).
Adoro passear com você nestas tardes quentes de Cáceres,
Tomar banho de rio, andar de bicicleta.
Adoro ir à banca de revistas e cantar com você.
Adoro as historias que você me conta
E a forma como me faz sorrir quando faz cara de bravo.
Adoro quando vamos ao cinema, você dá graça aos filmes.
Gosto até da sua mudança de humor.
É verdade!
Senhor Katz, me concede esta dança?

[ FOTO: ] *Rafah & Vick - Novembro/ 2008.

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Por Victória Kemper.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Minha Urgência.

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[ Me conte mentiras, bata na minha cara, / Mas improvise, faça alguma coisa diferente,/ Algo que vá me fazer odiar seu nome pra sempre. ] * [ Shakira ]


Cada palavra que minha boca profere é uma necessidade.
Uma urgente necessidade de atenção, de movimento e de um chão para pisar.

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Por Raphaël Crone.

Chanson Triste.

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[ Corra, meu querido, corra, / Meu querido, corra!/ Corra do barulho da rua e da arma carregada./ Tarde demais para achar soluções no pôr-do-sol./ Assim. corra, meu querido, / Corra, meu querido, corra... ] * [ Shirley Manson ]



Existem pessoas que acreditam no que podem acreditar. Viver correndo se torna realmente um bom negócio, então.

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Por Raphaël Crone.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Citação: Os Velhos Caminhos.

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[ Na noite escura de Ano Novo,/ Na costa oeste de Clare,/Eu ouvi a sua voz cantando./ Seus olhos dançaram a canção,/ Suas mãos tocaram a melodia,/ Era como uma visão perante mim./ Nós sentimos a música interior e a canção nos conduziu./ Roubamos para nós a margens do oceano,/ Respiramos o aroma da água salgada,/ Sentimos o vento em nossos cabelos/ E com tristeza você hesitou:/ De repente, eu soube que você precisava partir,/ O meu mundo não foi o seu,/ Seus olhos me disseram, então./Eu posso sentir esta cena ainda agora,/ Nas encruzilhadas do tempo/ E eu me pergunto porquê... ] * [ Loreena McKennitt ]
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Por Raphaël Crone.

Uma Questão de Ordem Natural

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[ O tu vem antes do eu. ] * [ Friederich Nietzsche ]


Mesmo que eu me refugiasse na mais longínqua colina de Góndor, ou no mais profundo dos abismos de Rohan e mesmo que eu fosse o único restante e você nada fosse mais,
O teu tu ainda viria antes do meu eu.

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Por Raphaël Crone.

Percepção de Minuto.


[ Tem dias que a gente se sente/ Como quem partiu ou morreu,/ A gente estancou de repente/ Ou foi o mundo então que cresceu. ] * [ Chico Buarque de Holanda ]
[ O mundo é bão, Sebastião. ] * [ Nando Reis ]



A cada dia, menores.
O mundo maior, mais gordo, mais ávido.
E nós, a cada dia menores.
Miedo.

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Por Raphaël Crone.

Obscenidades.


[ Uma jovem e um copo de vinho curam todas as necessidades. ] * [ Johann Goethe ]


Eu lhe peço um beijo.
Um beijo em minha fronte.
Seu respeito.
Um respeitável beijo obsceno.

___
Por Raphaël Crone.

Anna Sans Coeur.


[ Somos feitos de carne,/ mas temos de viver como se fôssemos de ferro. ] * [ Siegmund Freud ]
[ Eu quero que você venha e leve,/ Leve outro pedacinho do meu coração agora!/ Venha, venha e parta,/ Parta mais um pedaço do meu coração!/ Você sabe que você pode,/ Se isso o faz sentir tão bem! ] * [ Janis Joplin ]



Não há motivo para impacientar-se, Anna.
A tarde ainda não acabou e a noite ainda não veio.
Timidamente, o crepúsculo ainda se insinua no céu cinzento.
Não há motivo para se morrer de decepção.
A carne é forte, o sangue é ferro,
Os ligamentos são fios de aço
E o coração, se não é pedra,
Simplesmente ao se quebrar
Nunca fica tão pequeno
Que não possa continuar batendo além.

___
Por Raphaël Crone.

Nos Prados de João.


[ Deus nos dá pessoas e coisas, para aprendermos a alegria./ Depois, retoma coisas e pessoas para ver se já somos capazes da alegria sozinhos./ Essa é a alegria que ele quer. ] * [ Guimarães Rosa ]
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[ Porque tudo que invento já foi dito nos dois livros que eu li:/ as escrituras de Deus, as escrituras de João./ Tudo é Bíblias./ Tudo é Grande Sertão. ] * [ Adélia Prado ]



Seu João, seu João,
Me ensina a ser mais sábio do que eu sou?
Eu, menino sem malícia, menino de palha...
Dona Adélia, reparte a sua bagagem comigo?
Me mostra por onde seguir?
O sertão é grande,
As veredas muitas
E meus pés pequenos.
Mas eu quero prosseguir.
Noite adentro, eu quero prosseguir.

___
Por Raphaël Crone.

Café Amargo.


[ Se é questão de confessar/ Não sei preparar café/ E não entendo de futebol./ E para ser mais franca/ Ninguém pensa em você como eu faço,/ Ainda que pra você dê no mesmo./ A verdade é que também/ Choro uma vez por mês,/ Principalmente quando faz frio./ Comigo nada é fácil/ Você já deve saber,/ Me conhece bem./ E sem você tudo é muito chato. ] * [ Shakira ]


Recordações felizes são as mais dolorosas.
Cada pequeno detalhe imprime-se na mente com uma vivacidade cruel.
E ao mesmo tempo, sabemos que nada mais será feliz como foi naqueles dias.

___
Por Raphaël Crone.

An Èlise.

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[ Alguien que me diga, que me diga lo que quiero escuchar;/ Alguien que me cuide y que me hable/, que me lleve adonde va;/ Alguien que me quiera y que me lleve a buscar. ] * [Julieta Venegas ]




É você, irmã,
A alegria da minha juventude.
Seu destempero, semelhante ao meu,
Sua profundidade quando sofre e sua leveza quando sorri.
Seu egocentrismo e mau-humor,
Tão eu!
É você, irmã,
A tempestade que acorda fora de hora,
A languidez e a indolência das tardes,
As fotografias e brincadeiras de infância.
A companheira de minha inocência,
É você, irmã.
A única venturosa que compreende os mais recônditos meandros de minha escuridão.
Que me dá sustento descompromissado,
A que jamais falhará.
É você, irmã, canção dos meus dias,
Sangue do meu sangue,
Coração meu.

[ FOTO: ] *Rafah & Ane - Julho/ 2008.

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Por Raphaël Crone.

Uma Tentativa de Compreensão.


[ Tudo em ti era uma ausência que se demorava:/ Uma despedida pronta a cumprir-se. ] * [ Cecília Meirelles ]

[ De repente do riso fez-se o pranto,/ Silencioso e branco como a bruma/ E das bocas unidas fez-se a espuma,/ E das mãos espalmadas fez-se o espanto./ De repente da calma fez-se o vento,/ Que dos olhos desfez a última chama/ E da paixão fez-se o pressentimento/ E do momento imóvel fez-se o drama./ De repente, não mais que de repente,/ Fez-se de triste o que se fez amante/ E de sozinho o que se fez contente./ Fez-se do amigo próximo o distante,/ Fez-se da vida uma aventura errante,/ De repente, não mais que de repente. ] * [ Vinícius de Morais ]

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Era notório: a frialdade do inverno pode ser sentida mesmo quando não se pronuncia palavra para anunciá-la.

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Por Raphaël Crone.

Bhuta.


[ O que a memória ama, fica eterno./ Te amo com a memória,/ imperecível. ] * [ Adélia Prado ]

[ Não quero faca, nem queijo./ Quero a fome. ] * [ Adélia Prado ]



Rasga-me. Com teus dentes jovens, rasga a pele de meu peito.
Vampiriza-me, animália. Bhuta da Índia.
Lambe as grossas gotas de sangue que vertem de minha pele alva e lisa.
Geme, deixa-me ouvir o teu gemido,
Cheio de insaciedade e excitação.
Mata a fome que antes te devorava,
Mata-a em meu peito.
Lambe meu sangue doce e casto.
Impoluto.
O que foi sangue torna-se imortal,
Quando não mais dele necessita para viver.
Corrompe-me, para que eu seja incorruptível.
Sela tua face em minha memória,
Deixa-me vê-lo, a fim de que jamais esqueça.
Sede a minha faca e a minha fome,
Externalizados.
Sede o meu anjo de salvação.
Sede o purgatório e o limbo,
Meu ingresso ao céu.
Sede a minha overdose noradrenérgica
E a minha fascinação.
Sede minha consolação nesta noite.

_____
Por Raphaël Crone.

Fio das Horas.


[ É preciso encarar a vida de frente,/ Sempre encarar a vida de frente e vê-la como ela é./ Por fim, entendê-la e amá-la como ela é./ E depois deixá-la seguir.../ Sempre haverão os anos entre nós,/ Sempre os anos, sempre o amor,/ Sempre a razão, sempre o tempo,/ Sempre as horas. ] * [ Virginia Woolf ]



Olho para o relógio assim como um idoso o faz.
Minutos para a meia-noite. Para o ocaso.
Sou jovem e belo e não sei se chegarei a ser velho.
Não é importante para mim.
O amargo arrastar das horas
Me faz entender que sozinho aqui
Nada pode ser feliz
E nenhuma consolação pode existir para mim.
Quem sabe, um riacho em Sussex.

_____
Por Raphaël Crone.

Ventre Afora.


[ A maior felicidade é quando a pessoa sabe porque é que é infeliz. ] * [ Fiodor Dostoiévsky ]

[ Lágrimas não são argumentos. ] * [ Machado de Assis ]



Ninguém nunca nos garantiu contentamento pleno.
Não consta no contrato de vida,
Que aliás, nenhum de nós assinou deliberadamente.
Argumentamos conforme podemos.
Justificamo-nos fisiológicamente.
Sofrivelmente, lutamos debalde uma luta vã.
E nos resta apenas perguntar, afinal:
Alguém nos amará quando formos velhos demais para continuar essa carreira?

_____
Por Raphaël Crone.

O Menino Verde.

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[ Eu gostaria de ser Maria, mas La Callas exige que eu me comporte com sua dignidade. ] * [ Maria Callas ]


Eu sou meus cabelos castanhos,
De tom claro e brilho intenso.
Sou o agrado que eles causam à mão que os afaga.
Eu sou o sorriso feito de coração,
Com alvos dentes alinhados.
Eu sou o menino sem camisa que corre pela rua,
Despreocupadamente, do alto dos seus 23 anos.
Eu sou a pele alva, às vezes um pouco queimada pelo Sol.
Sou a humildade e o desamparo.
E sou a majestade. Sou a força que o oprime,
O coração que nega-lhe afeto.
O corpo que nega-lhe prazer.
Sou o não que ecoa em seus ouvidos
E o sim que lhe beija ardentemente.
Tenho nome, mas ele não importa.
Tenho fome, mas ela não me devora mais.
Tenho medo, mas ele é pequeno ao meu lado.
Tenho amor, mas ele está esquecido em algum canto de mim.
Resgate-me. Simplifique-me.
Adestre-me.
Mostre-me que ainda há algo em que acreditar,
Enquanto a manhã do quinto dia não nasce.
Faça a minha escuridão valer a pena.
Seja bom para mim.

_____
Por Raphaël Crone.

Dignidade Espezinhada.

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[ Como é frágil o coração humano -/ espelhado poço de pensamentos!/ Tão profundo e trêmulo instrumento de vidro,/ que canta ou chora! ] * [Sylvia Plath ]



Por você eu me despi de meu temor. Por você eu chorei no chão do banheiro. Por você eu fui apenas um menino grande.

_____
Por Raphaël Crone

Ponto de Fuga.

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[ Nem todos os que vagam estão perdidos. ] * [ J.R.R. Tolkien ]


Quero ir para onde não haja rostos que me conheçam.
Onde não haja vozes que me exaltem ou diminuam.
Onde não haja resquício de aprovação ou conveniência.
Quero ganhar a estrada de Santiago,
Minha eterna necessidade de auto-conhecimento.
Quero sonhar um sonho místico, além de Creta,
Além de Ítaca, além das asas de Hypnos.
Quero ser amigo do rei e das belas donzelas,
Quero dividir meu leito com os valentes e as amazonas de Hipólita.
Quero corromper os impuros e sarar os doentes.
Quero estar em êxtase religioso nos templos da Índia,
Banhar-me devotamente no Ganges
E orar, ajoelhado, diante da primeira estrela da noite
Pela cura de Afrodite.
Quero deixar tudo para trás,
Levantar as mãos e rir de um riso doloroso,
Que limpa as entranhas e expulsa o mal.
Quero exorcizar a necessidade de complemento,
Inerente aos homens. Quero o self.
O enough. O bastante.
Quero viajar na calada noite, capa e capuz,
Indistinto peregrino,
Quero chegar ao fundo do mar
E não temer a absoluta escuridão que lá impera.
Quero ser o imperador e o súdito.
Aragorn e Arwen. Quero ser a rainha dos Elfos.
Quero velejar pelas Terras Imortais.
Quero esquecer a dor de ser um homem,
Quero esquecer a solitude e a solicitude.
Quero voltar ao ventre de minha mãe,
Aninhar-me em seu regaço
E derramar minha última lágrima
Quando a última aurora raiar no céu.

_____
Por Raphaël Crone.

Belo e Triste.

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[ Oh, Sra. Dalloway, Sempre dando festas para encobrir o silêncio. ] * [ Virginia Woolf ]



Quero ver em seu rosto a aprovação
Que me faça esquecer as conveniências.
Que me faça não dizer palavra.
Apenas não me importar, por fim, então.

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Por Raphaël Crone.

Para Que Serve o Amor.

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[ Olhos que fazem baixar os meus,/ Um riso que se perde em sua boca,/ Aí está o retrato sem retoque
do Homem a quem eu pertenço./ Quando ele me toma em seus braços,/ Ele me fala baixinho./ Eu vejo a vida cor-de-rosa. ] * [ Edith Piaf ]


A quoi ça sert l'amour?
A Edith costumava perguntar isso, em dueto,
Incessantemente.
Para que serve o amor?
Me perguntaram um dia, também.
Sinceramente, até hoje não sei bem responder.
Só sei que ele me faz sorrir, ainda que não haja motivo.
Ele me faz cantar melodias tolas,
Como se elas fossem a mais magistral ópera de Wagner.
Ele me faz acordar e dormir pensando, alegremente,
Nas alegrias e delícias de uma vida incompreendida até então.
Ele retira o ranço do meu semblante e me adoça o rosto.
Me faz ser indulgente e paciente com os erros,
Me torna suportável e, quem diria, até engraçado.
Para isso serve o amor, eu penso.
E também serve para mostrar a frágil humanidade que me habita,
Para me fazer afogar em lágrimas quando o vejo partir,
Para me sentar em um banco de praça em tarde nublada,
Lendo Virginia e Silvia, desejando a felicidade delas,
Ainda que elas tenham sido mais infelizes que eu.
Para ser banhado pela chuva que cai, como uma estátua lúgubre.
Para me mostrar os bares e tavernas,
O fundo dos copos de brandy.
A minha cama vazia,
Minha lembrança alvoroçada.
Uma dor pungente e aguda. Dilacerante.
E ainda assim, com o arrastar dos dias,
Este mesmo amor ingrato
Mostra a mim mais uma vez e sempre,
Que por mais que eu me recuse a acreditar,
A vida pode ser, sim, ainda cor-de-rosa.
Ma vie en rose.
E eu baixo meus olhos aos seus, então.
E recomeço tudo de novo.
Até que não haja fôlego de esperança em mim.
Até que tudo termine e eu descanse no regaço de um amor maior.
Para isso, eu penso, deve servir o amor.
E não posso negar,
É uma boa justificativa.

_____
Por Raphaël Crone.

domingo, 23 de novembro de 2008

De Olhos Fechados.


[ É necessário ter o caos cá dentro para gerar uma estrela. ] * [ Friederich Nietzsche ]



Eu sou um universo em formação e deformação.
Sou uma praia distante,
Uma melodia confusa,
Mais ou menos uma Rapsódia de Liszt.
Eu sou paradoxal e confuso.
Costumo assustar.
Eu sou o caos e o Éden.
E sou apenas um menino.

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Por Raphaël Crone.

Um Voto Desfeito.


[ Tell me her name,/ I want to know/ The way she looks/ And where you go./ I need to see her face,/ I need to understand/ Why you and I came to an end./ Tell me again,/ I want to hear/ Who broke my faith in all these years./ Who lays with you at night/ When I'm here all alone,/ Remembering when I was your own. ] * [ Lara Fabian ]



Eu soprei em seus lábios o vento de meus pulmões.
Brincadeiras tolas.
Eu soprei em seus lábios o fôlego de minha vida.
Eu soprei minha juventude e vigor.
Eu soprei meu amor por você.

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Por Raphaël Crone.

Prière.

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[ A verdade tem muitas faces e assemelha-se à velha estrada que conduz a Avalon:/ o lugar para onde o caminho nos levará depende da nossa própria vontade e de nossos pensamentos,/ e, talvez, no fim, chegaremos ou à sagrada ilha da eternidade,/ ou aos padres, com seus sinos, sua morte, seu Satã e Inferno e danação.../ Mas talvez eu seja injusta com eles./ Até mesmo a Senhora do Lago, que odiava a batina do padre tanto quanto teria odiado a serpente venenosa,/ e com boas razões, censurou-me certa vez por falar mal do deus deles./ “Todos os deuses são um deus”, disse ela,/ então como já dissera muitas vezes antes,/ e como eu repeti para as minhas noviças inúmeras vezes,/ e como toda sacerdotisa, depois de mim, há de dizer novamente,/ “e todas as deusas são uma deusa, e há apenas um iniciador./ E cada homem a sua verdade, e Deus com ela”./ Mas esta é a minha verdade;/ eu, que sou Morgana, conto-vos estas coisas,/ Morgana que em tempos mais recentes foi chamada Morgana, a Fada. ] * [ Marion Zimmer Bradley ]
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Ensinai-me, Mãe, a olhar para o tempo além de meus olhos.
A olhar para as florestas de Lórien e para a imensidão que se perde além do meu dia.
Ajudai-me a contemplar os mundos paralelos
E a ouvir as canções dos elfos e duendes.
A encontrar consolo na beira de um regato e a respeitar a santidade da grama que piso,
A imponência e sabedoria das árvores anciãs
E a efervescência de magia na chuva que cai.
Ajudai-me a encontrar esperança em vosso regaço, Mãe,
Que planta, que cuida e que sega.
Tripla Bridget, sacerdotisa e cuidadora,
Ensinai-me a ter retidão de pensamento e mansidão.
A enxergar a luz em cada criatura
E a ser um convosco em minha longa caminhada além desta terra
Na qual peregrino por agora.
Mas não para sempre.

Que assim seja.

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Por Raphaël Crone.

Entre os Atos.


[ Eu perdi amigos, alguns para a morte, Outros pela incapacidade de atravessar a rua. ] * [ Virginia Woolf ]



Não me deixes perder de ti, meu amigo,
Por não ter força nas pernas para ir ver-te.
Se preciso for, carrega-me até eu ser forte.
Se preciso for, venha tu me visitar em minha clausura.
Se preciso for, resgata-me da frialdade, assim como o bardo Kevin fez com a velha Morgana em Tintagel,
Se preciso for, apenas telefona-me e me mostra que ainda sou importante e sirvo para ti nesta vida.

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Por Raphaël Crone.

Ela é Meu Homem.


[ Você é desinibido na cama?/ Mais de três vezes por semana?/ Aberto a experimentar coisas novas?/ Você é atlético?/ Você está num trabalho que ajuda seu irmão?/ Não é viciado? ] * [ Alanis Morissette ]



Incrivelmente, ela me joga na fossa.
I thought we'd be simple together,
but I was sadly mistaken.
E ela me puxa para fora dela:
Is she perverted like me?
Would she go down on you in a theater?
Sim, ela me faz sentir como um príncipe, o seu príncipe familiar
E me faz querer morrer com as verdades que me fala:
Soon I'll grow up and I won't even flinch at your name.
Ela cura dor-de-cotovelo e ensina ter vergonha na cara.
Ela poderia ser pop e chique.
Mas a verdade é que ela é bem alternativa.
Alternativa o suficiente para mim.

_____
Por Raphaël Crone.

Uma Mulher Suja.


[ Quem luta com monstros deve velar para que, ao fazê-lo,/ não se transforme também em monstro./ E se tu olhares durante muito tempo para um abismo,/ o abismo também olha para dentro de ti. ] * [ Friederich Nietzsche ]



Vendi meus dentes, como a Fantine de Victor Hugo, por uma causa nobre.
Perdi os meus cabelos para a fome e para a necessidade.
Perdi a dignidade mendigando minha ração e perdi a vergonha quando senti a fome apertar.
Sou renegada, sou excluída.
Minha teto é o firmamento e minha canção pede uma moeda para soar,
Um pedaço de fazenda pobre para a vestimenta
Ou um pão duro para o estômago.
Ninguém me traz flores ou elogios,
Eu sou invisível. Eu lhe trago incômodo e pesar,
Às vezes, alguma pena;
Em minha vertigem, em minha insônia, eu apenas aguardo.
Quando você me conhecer, eu estarei aguardando.
E quando você me esquecer, aguardando ainda eu estarei.
Depois de você e depois dos outros.
Aguardarei.
Esta é a sina dos desafortunados.
Até que a vida me libere e eu possa apenas descansar.
Antes que isso aconteça,
Aguardando estarei.

_____
Por Raphaël Crone.

Fièvre.


[ You give me fever when you kiss me,/ Fever when you hold me tight./ Fever in the morning,/ Fever all through the night. ] * [ Elvis Presley ]



Eu quero sentir a sua mão em minha pele,
Pornograficamente.
Quero sentir o som de sua voz morrendo,
Até tornar-se um sussurro obsceno,
Me fazendo pensar no existencialismo mais medíocre.
Quero ser sufocado pela onda libidinosa na qual só você sabe me envolver.
Como Elvis ardia,
Eu quero arder.
Ma fièvre.

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Por Raphaël Crone.

Pedido Recôndito.


[ Lembro-me das noites que o assisti dormir,/ Seu corpo agarrado por algum sonho distante./ Bem, eu estava tão assustada e tão apaixonada aquela época/ E tão perdida em tudo de você que eu havia visto.../ E eu não vou te esquecer,/ Também não vou nunca deixá-lo partir./ Oh, eu não vou te esquecer... ] * [ Sarah McLachlan ]



Não me esqueça. Pense em mim de vez em quando.
Lembre-se que um dia eu fui a razão do seu sorriso mais bonito.

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Por Raphaël Crone.

Limão e Sal.


[ Aprendi com a primavera a me deixar cortar. E a voltar sempre inteira. ] * [ Cecília Meirelles ]

[ É pensando nos homens que eu perdôo aos tigres e às garras que dilaceram. ] * [ Florbela Espanca ]

[ Eu só quero que você saiba que eu estou pensando em você, que eu te adoro cada vez mais e que eu te quero sempre em paz. ] * [ Marisa Monte ]



Às vezes ainda choro ouvindo as nossas canções.
A vida, com o passar dos anos, passa a ser tão feita de memórias
quanto de realidade.
Princípio de senilidade.
"Não me dizes nada romântico quando chega o entardecer",
a Julieta costumava cantar para nós.
E eu julgava que lhe querer com limão e sal seria suficiente.

Hoje, eu já não me importo mais,
Ainda que sinta um pontinha de tristeza quando paro para lembrar do que fomos juntos.
Ainda lhe quero com limão e sal,
Mas quero seu sorriso amigo e seu abraço sincero
Mais que nossos corpos juntos.
Aprendi a amar-lhe de forma imortal,
A amar-lhe amigavelmente.
A dar-lhe o limão e o sal.

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Por Raphaël Crone.

Um Encontro Interior.

[ Escrevo sobre isolamento e ternura, a perturbadora ambivalência nossa, frivolidade e covardia, às vezes a graça e o riso. ] * [ Lya Luft ]



E nesta ambivalência eu perdi a mim mesmo.
Eu perdi. Eu sei.

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Por Raphaël Crone.

São Paulo Pianoforte.


[ Quando eu morrer quero ficar,/ Não contem aos meus inimigos,/ Sepultado em minha cidade,/ Saudade./ Meus pés enterrem na Rua Aurora,/ No Paissandu deixem meu sexo,/ Na Lopes Chaves a cabeça/ Esqueçam./ As mãos atirem por aí,/ Que desvivam como viveram./ As tripas atirem pro diabo,/ Que o espírito será de Deus,/ Adeus. ] * [ Mário de Andrade ]

[ E se eu apenas pudesse,/ Eu teria feito um trato com Deus;/ Eu o pegaria para trocar os nossos lugares./ Continue correndo estrada afora./ Continue correndo colina acima./ Continue correndo pelo prédio. ] * [ Placebo ]



Minha melancolia personalizada em seus edifícios,
Em suas ruas abarrotadas e vazias.
Gosto de ruas. Gosto de falar delas e tocar suas fachadas.
Gosto de abraçar seus postes imponentes e decrépitos.
Gosto das suas ruas, especialmente à noite.
Gosto de sua vulgaridade e de sua eminente pompa.
Gosto de sua efervescência.
Efervescendo-me.

Meu sorriso tímido sentado no Ibirapuera.
Observações.
Minhas mãos finas tocando a grama verde,
Contemplando o lago. Hologramas.
Meus pés mal-cuidados subindo a colina.
Gosto da melodia da cidade. Da necessidade de vida.
Demonstrar vida, ainda que ela esteja degolada em alguns de seus becos boêmios.
Boêmia Augusta. Financeira Paulista.
Os seus Jardins imponentes, Europa, América.
África, apresente-se a mim.

Gosto dos seus bares e das suas orgias.
Gosto de sentir minha alma virgem sendo maculada pela sua corrupção.
Gosto de suas estradas desertas e dos seus rios inexistentes.
Gosto da profusão de vozes que me gritam
E de como elas são invisíveis aos meus olhos.
Gosto de observar os contrastes que se espalham por cada esquina.
Sua opulência e sua miséria,
Gosto por que você é como eu, Paulo Santo.
A bênção?

Gosto de seu luxo e luxúria. Daslu, Iguatemi, Morumbi.
Nomes indígenas para brancos.
Gosto de sua vida noturna. Impagável.
Gosto do deslumbramento que você causa aos forasteiros,
De sua vulnerabilidade. Bem como eu.
Eu continuo subindo a colina.

Gosto de suas favelas, onde convivem o crime e o castigo de Dostoiévsky,
Onde convive a honestidade velada.
De suas letras e liras. Liras paulistanas, Mário.
Tarsila, pinte um retrato meu? Anita?
Oh, não. Não dê ouvidos ao Lobato, Anita.
Vamos, pinte um retrato meu:
Eu, meu cigarro e a modernidade inaugurada.
Serei seu modelo. Nudez premeditada.

Gosto de subir as suas colinas, Paulo Santo.
Suas ladeiras. Dirigir rápido por suas vênulas e arteríolas.
Me sentir vivo com o pulso de sua aorta excepcional.
Gosto de você. De sua-minha excentricidade.
De seu-meu desencanto encantador.
De sua esperança e de seu poder de desiludir.
De sua mobilidade imóvel.
Gosto de você porque me vejo em você.
E do alto de sua mudez altiva, Paulo Santo,
Eu me ajoelho e beijo seus pés,
Por que sei que você também abre os seus braços por mim.

_____
Por Raphaël Crone.

Uma Questão de Medicina.


[ Eu estava confuso pelas forças existentes,/ Esquecendo nomes e rostos./ As pessoas passavam por mim pelas ruas como se pudessem me apagar./ Querido, você se esqueceu de tomar os seus remédios? ] * [ Placebo ]



Eu passo pelas ruas prestando atenção,
Mas nada me é reconhecível.
Pessoas estranhas, a mesma estranha padaria onde eu tomo meu café todas as manhãs,
A mesma estranha garçonete com cara de gato.
A noite foi longa.
O sexo e as consequências. Não reconheço a fachada do meu edifício
E nem me lembro bem quais das chaves abre meu apartamento.
Tudo gira e confunde-se na face daquela mendiga velha e gorda,
Sentada no banco da praça próxima.
Paris? Montparnasse?
Aqui mesmo. Oh, droga, eu me esqueci de tomar...
As consequências.
Tudo é frio e estranho. Distante.
A luz do sol que chega difusa até mim, lutando para vencer as grossas nuvens no céu.
As folhas que caíram depois da última chuva.
Meu celular que vibra no bolso de minha calça.
Onde ele está?
Droga, eu me esqueci novamente...

_____
Por Raphaël Crone.

sábado, 22 de novembro de 2008

Uma Questão de Tempo.

[ Ama-me, é tempo ainda. ] * [ Hilda Hilst ]



A eternidade não pode ser vista como algo que vai chegar,
Na verdade ela já nos acompanha há muito tempo.
Cada dia que passa é um dia a menos que temos para desfrutá-la.
É um dia a menos de conversas corriqueiras com amigos,
Um dia a menos de beijos e abraços apaixonados,
Um dia a menos de dores e abandonos.
Um dia a menos para se fazer o que já deveria ter sido feito antes.
Por isso, ama. Ainda é tempo.

_____
Por Raphaël Crone.

Sonatina.


[ Entre./ Você teve dificuldade em dormir,/ Pois a lua pesada estava me mantendo acordada./ E tudo o que sei é que estou feliz em vê-lo outra vez. ] * [ Norah Jones ]



Eu lhe trarei rosas.
Em meu piano dedilharei a mais doce sonata ao luar.
Claire de Lune.
Eu perguntarei como foi o seu dia,
Por quantas maçadas e alegria você passou.
Perguntarei o que comemoraremos a cada noite.
Eu lhe trarei meu melhor sorriso.
Meu mais alvo afeto
E minha mais doce canção.

____
Por Raphaël Crone.

Não Acredite No Amor.


[ Meu amor se foi./ Eu sei que será meu último beijo./ Sem a música dele,/ A melodia dos lábios dele passou./ Eu canto sozinha,/ Enquanto vejo o oceano./ Meu amor se foi,/ Nenhum navio da terra o trará para casa novamente. ] * [ Dido Armstrong ]



Quando eu a tomar em meus braços, não acredite no amor.
Nem mesmo quando eu lhe olhar no fundo dos olhos ou ler a sua alma.
Não acredite no amor, eu lhe imploro,
Mesmo quando eu lhe prometer que ele será eterno,
Não acredite no amor.
Não acredite quando eu disser que jamais lhe desprezarei,
Não acredite quando eu disser que meu coração é seu.
Não se engane pensando que eu serei o mesmo de hoje todos os dias.
Na semana que vem você será tanto para mim quanto foi mês passado, antes de lhe conhecer.
Não acredite no amor, querida.
Não acredite em nossos passeios românticos ao luar e nem no arrebatamente que me toma.
Não acredite no meu belo sorriso e no meu rosto inocente.
Não acredite em mim.
Não acredite quando eu tocar seus seios com meus lábios úmidos.
Não permita-se pensar:
"Oh, céus, esta deve ser a felicidade",
Por que não é.
Não acredite em mim, não acredite no meu amor.
Não pense que minhas mãos lhe segurarão para sempre e não planeje ter filhos comigo.
Não serei o seu consolo na velhice e nem a mão que deverá ser amparada em seu funeral.
Não serei ninguém mais para você
Além das minhas palavras falsas, proferidas em leitos falsos e por boca mentirosa.
Por isso, querida, pela verdade que resta em mim
Eu apenas lhe peço:
Não, não acredite no amor.

_____
Por Raphaël Crone.

Misericórdia.


[ Nós nos degladiamos/ No jardim da beleza,/ Cavando sepulturas em vez de plantar./ Piedade pelos crucificados./ Uma justiça amarga,/ Implorando eternamente por amor./ Não somos nada/ E somos tudo./ Não sou nada/ E ainda sou todo mundo./ Não somos nada/ E ainda somos./ O conhecimento ilumina a estrada da vida./ Eu conheço você. ] * [ Alanis Morissette ]



Piedade pelos crucificados. Misericórdia.
Mercy.
Favor. Graça. Mercê.
Tende piedade de nós.
No alto de vossa glória, tende piedade de nós.
A cidade está em chamas.
Misericórdia. Vede!
A Lua é cega e as estrelas mudas.
Eu, cego, surdo e mudo.
Compaixão. Clemência de nós, pobres almas errantes.
Misericórdia pelo abatido e pelo faminto.
Pelo desprezado, pelo moribundo.
Pelo louco e pelo são.
Misericórdia por vós, néscios sóbrios.
Em meu pleito, é tudo o que eu peço.
Misericórdia pelos corações.
Queimai-os de uma vez, dai-lhes morte rápida.
Misericórdia pelo oprimido.
Estancai-lhe o sangue ou abri-lhe com os dedos o restante da ferida.
Não mais meio-termo.
Eu conheço a dor. Ela é cruel.
Misericórdia, eu peço.
Apagai a luz, o arrebol chegou.

_____
Por Raphaël Crone.

Inconstância.

Se todo animal inspira ternura,
o que houve, então, com os homens?
___________
(Guimarães Rosa)


"Definitivamente eu não o compreendo, Raphaël.

Eu compreendi o seu pai e a sua tia,
Mas a você, eu nunca consegui compreender."
Palavras da minha avó.
Nem eu me compreendo, sendo sincero.
Alguém aí arrisca um palpite?
Compreensão pode ser para os simples. E quem não é simples?
Pode ser complexo, e complexidade rima com humanidade.
Um processo de compreender outrem pode ser muito dispendioso.
Pode ser eterno
E a eternidade não nos é garantida.

Eu gostaria de me compreender um pouco mais, de qualquer forma.
Saber porque estou tão bem e logo depois tão mal.
Porque amo e odeio com intensidades tão desmesuradas.
Porque vivo em tamanha dubiedade moral.
E ao mesmo tempo, desisto de prescrutar tais questões profanas.
Gosto-me assim, complicado, egocêntrico, neurótico e imperfeito.
Perfeição é para os fracos.
E onde está a minha força?
Eis o que eu me pergunto, em seguida, então.

_____
Por Raphaël Crone.

Último Beijo.

Danny está sozinho, porque Mary está na Índia agora.
Ela disse que ligaria, mas já se passaram 3 semanas.
Ela deixou todas as suas coisas arrumadas, seus livros e as cartas dele
E como se o Sol se pusesse para o Danny, ele nasce para ela.

Danny não está comendo, ele está bebendo e dormindo muito.
Eu o vi numa festa na última noite, ele está definitivamente magro.
Ele disse que está feliz, parecia realmente bonito,
Mas eu acho que como se o Sol nascesse para Mary, ele se pôs para ele.

Danny veio me ver na última noite e eu cozinhei para ele.
Nós falamos sobre você, Mary, e como nós a amamos ainda.
Ele me disse que empacotou as suas coisas, seus livros e as cartas dele para você
E como se o Sol se pusesse para você, ele nasceu para ele.

E nós dançamos e nós bebemos
E eu vi algumas coisas que provavelmente você nunca teve a oportunidade de ver.
Não se preocupe, Mary,
Eu estou tomando conta do Danny
E ele está tomando conta de mim.
____________
(Dido Armstrong)


O fim de um amor não precisa ser trágico.
Ele apenas deve acontecer.
Sem excentricidades. Sem reviravoltas.
De preferência, sem palavras.
Quanto mais mudo, melhor.
Cada um deve resolver-se consigo próprio.
Quanto mais se tenta explicar, mais egoísmo se torna explícito.
Mais decepcionante se torna o processo
E mais ilusões são desfeitas,
Inclusive as mais ternas e intocadas.
O desamor, assim como o amor não precisa ser justificado.
Apenas entendido.
É o bastante.

_____
Por Raphaël Crone.

Dormindo Com Fantasmas.

Está bem.
Seque seus olhos,
Alma gêmea, seque seus olhos.
Alma gêmea, seque seus olhos,
Porque almas gêmeas nunca morrem.
______________
(Placebo)


À mon garçon Raphaël, que m'a fait sourir.
______________
(M. de Sousa)


Passando pela rua 26, eu julguei vê-lo por um momento.
Tirei o papel do bolso do casaco:
"À mon garçon Raphaël, que m'a fait sourir."
Não era você. Olhei para baixo um instante.
Isso me fez sorrir do mesmo jeito.

_____
Por Raphaël Crone.

A Graça em Ser Um Garotinho do Século 21.

O que você faz quando sabe
que alguma coisa é ruim pra você,
E ainda assim não consegue deixá-la de lado?

Eu era inocente,
Seu amor era como doce.
Artificialmente suave,
Eu fui iludida com a embalagem.

Estive presa em sua teia
E aprendi como sangrar,
Eu fui presa em sua cama
E devorada completamente.
_____________
(Christina Aguilera)


Eu sou uma garota má, bêbada às 6,
Beijando os lábios de qualquer estranho por aí;
Já fumei muitos cigarros hoje,
Não sou feliz quando ajo dessa maneira.
_____________
(Madonna)


Eu lhe quero pelos motivos mais egoístas.
Apenas para dizer aos outros que você é minha.
Apenas para tocar seu corpo nu e me perder em meio às suas curvas, Anna.
Quero mergulhar em sua alva tez e depois mandar-lhe embora,
Como uma prostituta suja.
Quero, por que você sabe que eu não sou legal.
Eu sei, você sabe, tudo bem.

Eu quero segurar o seu pescoço e apertá-lo, até você ficar meio roxa,
Cianótica.
Sei que, instintivamente, vou sentir as suas unhas cravando-se em minhas costas.
Ooh lala, nem Goldfrapp faria melhor.
Eu quero tê-la em meu momento de maior desespero,
Na hora mais escura da noite.
Quando os soluços tornam-se mais incontroláveis.

Essa é a maior graça da minha vida,
A razão pela qual existo.
A maior graça em ser um garotinho do século 21.
Seu brinquedo e seu algoz.
Vejo você chegar, tímida e inocente,
Você se deita por sobre meu abdôme, abraça-me e sussurra obscenidades em meus ouvidos.
Eu aliso os seus longos cabelos loiros e beijo-lhe.
Você me martiriza, (oh, céus!)
Sadomasoquismo é para iniciantes, Anna, ma chère!
Faça-me sangrar um pouco mais.
Abuse de mim, eu já disse que gosto disso,
Você sabe que pode.

E então, quando tudo acabar, dê uma olhadinha para o meu rosto.
Quantos anos você acha que eu tenho?
19, 20? 23.
Tanta devassidão em dois corpos tão jovens!
Eu lhe amo, Anna, mas tenho que pedir:
Por favor, morra.
Daniel Johns já havia pedido por isso.
Ouça, em algum lugar Badarczewska ecoa,
Algum piano melancólico soluça a "Prière de Une Vierge" noite afora.
Vamos mergulhar juntos, nús, em alguma praia rochosa.
Vamos brincar de Samara e Anna Morgan.
Vamos recomeçar. Você e eu.
Você sabe, seria divertido.

Te encontro na Durkheim's, às 9.

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Por Raphaël Crone.

Futilidades.

Você parece tão cansado e infeliz!
Bote abaixo o governo,
Eles não, eles não falam por nós.
Eu vou levar uma vida tranqüila,
Um aperto de mão de monóxido de carbono.

Sem alarmes e sem surpresas,
Sem alarmes e sem surpresas,
Sem alarmes e sem surpresas.
Silencioso silêncio.
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(Radiohead)


Não há razão para se alarmar.
Absolutamente.
Quanta tolice cometemos em nome de coisas banais, céus!
Amor, guerra, orgulho e preconceito,
Tudo é tão efêmero, tão injustificável!
Por que morrer, se a vida continua?
Por que lutar, se ninguém mais luta por nós?
Por que comer, se tudo é pó e pó se tornará?
Por que se desesperar?

Vejo o seu rosto, agora, Daniel. Surpreso?
Por que tão surpreso?
Não me reconhece, pois? Não sou eu o mesmo de antes?
Não desisti de lutar, oh, não!
Não seja ingênuo!
Apenas luto com menos impetuosidade,
Apenas caminho mais devagar...
Para não perder um dos braços nessa luta insana
E para gastar menos os pés,
Para poder correr um dia ainda,
Quando houver algum sentido para isso, enfim.

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Por Raphaël Crone.

Um Momento de Elegância.

Se a cólera que espuma, a dor que mora
N’alma, e destrói cada ilusão que nasce,
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;

Se se pudesse o espírito que chora
Ver através da máscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!

Quanta gente que ri, talvez, consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo,
Como invisível chaga cancerosa!

Quanta gente que ri, talvez existe,
Cuja a ventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa!
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(Raimundo Corrêa)


Lève toi c'est décidé,
Laisse-moi te remplacer,
Je vais prendre ta douleur.

Doucement sans faire de bruit,
Comme on réveille la pluie,
Je vais prendre ta douleur.
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(Camille Dalmais)

Toque-me, mais profundamente,
Alcance a razão do meu afeto, mais, mais!
Você pode fazer isso, eu sei.
Alcance a razão do meu afeto,
Vá até onde ninguém mais foi antes,
Desbrave-me, maravilhe-se!
Maravilhe-se com as minhas delícias ocultas
E com minhas tristezas não-confidenciadas.
Toque o que há de mais esplendoroso em mim,
Arranque, sim, arranque outro pedacinho de mim, meu amor!
Leve-o, leve-o!
Não há de me fazer tanta falta, eu penso.
Tome a minha dor, saboreie a minha carne,
É vermelha e úmida, assim como a carne do gado.
Verte sangue,
Força da vida, você há de conseguir alguma vantagem bebendo o meu sangue.
Minha beleza? Minha inteligência? Meus versos?
Ou apenas a minha dor.
Ma douleur.
Venha, tome a minha dor, também.
É tão mais elegante. Engula-a com champagne.
É tão mais elegante!

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Por Raphaël Crone.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Não Enviado.

Prezado Terrance, eu te amo muito.
Você não tem sido nada além de um coração aberto,
emocionalmente útil, encorajador e educativo.
E esteve lá de maneira total para mim.
Eu continuava te atraindo e te afastando pra longe.
Eu me lembro como foi lindo adormecer no seu sofá.
E chorar na sua frente pela primeira vez.
Você foi a melhor plataforma da qual pulei para além de mim mesma.
O que havia de errado comigo?
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(Alanis Morissette)


Ouvi o seu sussurro aquela noite,
dizendo que me amava.
Ouvi a sua voz e a sua emoção.
A sua preocupação, zelo, cuidado e paixão.
Ouvi a sua verdade.
Ouvi, mais tarde, o seu basta e o seu adeus, incredulamente.
Ouvi minhas lágrimas rolarem.
Seu paraíso, não para mim.
Agora ouço a mim novamente. Mais uma vez.
E meu eu lhe agradece por salvar o melhor de nós.
Por salvar o amor amigo,
Por continuar a salvar-me de mim mesmo,
de todas as formas e em mais novas posições.
Por me permitir ser eu de novo,
Por amar-me de novo.
Por deixar-me ir e ainda assim, por manter-me mais que nunca preso em seu mais apertado abraço.

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Por Raphaël Crone.

Les Heures.

On me dit que nos vies ne valent pas grand chose,
Elles passent en un instant comme fanent les roses.
On me dit que le temps qui glisse est un salaud,
Que de nos chagrins il s'en fait des manteaux.

Pourtant quelqu'un m'a dit
Que tu m'aimais encore,
C'est quelqu'un qui m'a dit que tu m'aimais encore.
Serais ce possible alors ?
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(Carla Bruni)


E quando eu fecho os meus olhos eu não consigo mais lhe ver.
Será possível, então?

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Por Raphaël Crone.

Le Fey.

Em vida, chamaram-me de muitas coisas:
irmã, amante, sacerdotisa, maga, rainha...
Na verdade, cheguei agora a ser maga,
e poderá vir um tempo em que tais coisas devam ser conhecidas.
Verdadeiramente, porém, creio que os cristãos dirão a última palavra.
O mundo das fadas afasta-se cada vez mais daquele em que Cristo predomina.
Nada tenho contra o Cristo, apenas contra seus sacerdotes,
que chamam a Grande Deusa de demônio e negam seu poder no mundo.
Alegam, que no máximo, esse seu poder foi o de Satã.
Ou vestem-na com o manto azul da Senhora de Nazaré -
que realmente foi poderosa, ao seu modo -,
que dizem, foi sempre virgem.

Mas o que pode uma virgem saber das mágoas e labutas da humanidade?
E agora que o mundo está mudado, e Artur - meu irmão, meu amante,
rei que foi rei e que será - está morto
(o povo diz que ele dorme) na Ilha Sagrada de Avalon,
e preciso contar as coisas antes que os sacerdotes do
Cristo Branco espalhem por toda parte seus santos e suas lendas.
Pois, como disse, o próprio mundo mudou.
Houve um tempo em que um viajante,
se tivesse disposição e conhecesse apenas uns poucos segredos,
poderia levar sua barca para fora, penetrar no mar do Verão
e chegar não a Glastonbury dos monges, mas a ilha sagrada de Avalon;
isso porque, em tal época, os portões entre os mundos vagavam com as brumas,
e estavam abertos, um após o outro, ao capricho e ao desejo do viajante.
Esse é o grande segredo, conhecido de todos os homens cultos de nossa época:
pelo pensamento criamos o mundo que nos cerca, novo a cada dia.
E agora os padres, acreditando que isso interfere no poder do seu deus,
que criou o mundo de uma vez por todas, para ser imutável,
fecharam os portões (que nunca foram portões, exceto na mente dos homens),
e os caminhos só levam á ilha dos padres,
que eles protegeram com o som dos sinos de suas igrejas,
afastando todos os pensamentos de um outro mundo que vivia nas trevas.
Na verdade, dizem eles se aquele mundo algum dia existiu,
era propriedade de Satã, e a porta do inferno, senão o próprio inferno.
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(Marion Zimmer Bradley)



Mas o que pode uma virgem saber das mágoas e labutas da humanidade?
Poderia ela conhecer a dor do parto e o frêmito do gozo?
A fome de um filho e o desespero de amantes se distanciando?
Poderia ela saber do amor que enternece o coração dos homens, assim como o vinho no inverno?
Poderia ela conhecer o medo e a tristeza da morte e a dor da separação?

Não como nós.
O que poderia uma virgem saber das mágoas e labutas da humanidade?

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Por Raphaël Crone.