segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Uma Verborragia Egocêntrica

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Você me enxerga como o garotinho popular, à mostra,
Que distribui todos os dias um brilhante sorriso pelas avenidas
E que durante as noites maliciosas lhe envolve com braços lascivos,
Sussurros irônicos e um perfume provocante.
O seu garotinho de perfume doce.
Aquele um, numeral temperamental,
Que descontente por não ser dois,
Parte-se em dois sendo um-mesmo;
Densidades machadianas. O machado de Thor.

O mesmo um, que durante a festa, bêbado,
Tira a camiseta manchada e ri profusamente,
O que inspira desejo e preocupação, necessidade de controle rigoroso.
O um, doce e ingênuo, quase terno
E logo, o um agressivo e impaciente, o prenúncio da tempestade,
Tão vermelho quanto o tinto que tinge sua camisa branca. O um acidental!
O de lábios de mel silvestre, que queimam enquanto alimentam,
O de olhos de ressaca, o Capitú, Capitolino, o um-mesmo. Umbrage.
O cigano oblíquo e dissimulado, como à outra definira o Machado.

O que crava profundamente as unhas nas suas costas
E que quebra o silêncio pavoroso da noite com um gemido.
O que lhe mostra as portas do paraíso e do inferno
E lhe faz acreditar que nenhum dos dois lugares é tão belo assim.
O resquício de embriaguez, a chama violeta.
O purificador. O monstro que mora atrás da porta do porão.
O seu motivo para recear.
O anjo da intemperança, a negação da saciedade.
O um que você enxerga e o muito mais, que seus olhos não podem captar. O que é além-Estige.

O invólucro e o conteúdo, concomitantes.
O jovem e o belo. O magro. O alvo. O desejo de Orfeu.
O despenteado amor.
O melancólico, que termina a festa,
Que não sente a obrigação de ser simpático, o parassimpático.
A inervação vagal, cotidiana. Acetilcolina.
A sua descarga de epinefrina. A septicemia, o choque, o coma.
Uma taça de tinto ainda, um brinde a você. Ao rendez-vous.
Voilá, c'est moi. A porta aberta durante a noite.
O desejo recôndito de vê-lo adentrar.

O que jamais será propriedade, o desfiladeiro medonho: Helm's.
O medo da morte e o terço da vida. A prece. La priére.
O não-mais-virgem. O dissoluto, o desfrutado.
O que sangra, que morde, que ri e que cospe fora. Insanidades.
O seu-apenas. O intocável. O inoportuno visitante de sua alcova.
O arrebol, o silêncio da manhã fria,
Early mornin'.
O britânico, o francês e o andaluz. Saleroso, saleroso.
O que parte e não olha para trás, o regresso não-concretizado,
A soma, a divisão e a multiplicação dos pesares.

O menino jovem, magro, alvo e intransigente.
Le toi de moi. O fim das promessas de eternidade.
Não agradeça. Sem indulgências. Sem lamentos.
O que ameaça partir, o que parte. Tudo o que lhe acompanha. Ido.
O que parte, o que vai e o que nunca volta,
No happy-ending. A desilusão do final feliz. O não-um.
O que tinha esperança de ser e que nunca será.
O derradeiro minuto. Meu sorriso para você.
Minha vida em meu sorriso. Par vous.
Minha-sua vida, deliberadamente entregue. Propriedade sim, agora sim, deliberadamente propriedade.

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Por Raphaël Crone.

sábado, 27 de dezembro de 2008

Uma Revolta Provisória.

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[ Ne me quitte pas,/ Il faut oublier, tout peut s'oublier,/ Qui s'enfuit déjà./ Oublier le temps des malentendus,/ Et le temps perdu a savoir comment/ Oublier ces heures./ Qui tuaient parfois,/ A coups de pourquoi le coeur du bonheure. ] * [ Jacques Brel ]


[ Não me deixe, não vá embora! ]


Palavras tristes, as mais tristes que um humano fora da sã consciência pode dizer a outro.
Palavras humilhantes, palavras desnecessárias,
Palavras desprovidas de efeito e eficácia.
Fracas, moribundas, agonizantes. Neurastênicas.
O que é finito, finito é.
Que morra e agonize o menor tempo possível,
Não há salvação. Deixe morrer.
E por fim, que se sepulte o cadáver, que se queimem os ossos
E que se chore apenas uma única vez, carpindo aquilo que nenhuma palavra pode de volta trazer.

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Por Raphaël Crone.

Namorinho de Portão.

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Ele olhou o meu rosto absorto,
Enquanto passava pelo portão da minha casa.
Eu apenas fumava compassadamente um cigarro escuro
E contemplava compassadamente a escuridão da rua.
Um encontro de olhares compassados. O descompasso interior.
Uma memória a ser perseguida. Uma hipótese.
Eu entro para dentro de casa e bato a porta por detrás.
Ele se vai.
Uma hipótese, eu disse. Não um fato.
Hipoteticamente não-realizável.

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Por Raphaël Crone.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Poema Por Saudade.

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A dor de ter lhe tido nos braços,
De ter beijado os seus lábios,
De ter tocado sua pele alva e quente,
De ter experimentado o suor dos seus lábios
E de não mais ter-lhe perto.
Saudoso. Saudoso.
Inconformadamente saudoso.

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Por Raphaël Crone.

Lembranças Médias.

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[ - Ela parece distante... / talvez seja porque está pensando em alguém.
- Em alguém do quadro?
-Não, um garoto com quem cruzou em algum lugar, / e sentiu que eram parecidos.
-Em outros termos, prefere imaginar uma relação / com alguém ausente que criar laços com os que estão presentes.
-Ao contrário, / talvez tente arrumar a bagunça da vida dos outros.
- E ela? E a bagunça na vida dela?/ Quem vai pôr ordem? ] * [ Guillaume Laurant & Jean-Pierre Jeunet ]


Imaginações médias, de uma terra distante,
Sensações estranhas, revivências.
Fantasmas em agonia.
O velho caldeirão cozinhando na cozinha mal-coberta.
O cheiro bom do guisado pobre.
A vassoura atrás da porta para espantar visitas indesejadas,
Especialmente os cobradores de soldos.
Os campos por cultivar, verdejantes e eloquentes.
A velha esmoler corcunda e decrépita,
Que perambulava pelos vilarejos vizinhos.
Os vilões, aldeões, camponeses
E suas labutas. As fogueiras.
As mulheres incineradas. A desordem.
Lembranças vagas.
A modernidade. A mesma vassoura atrás da porta.
O caldeirão furado. Outro tempo, outra desordem,
Quem sabe as mesmas, mas com vestidos diferentes.
Sentimentalismos exacerbados e mal-resolvidos,
Que dizem não ao apelo dos velhos encantamentos
E das velhas alcoviteiras.
Uma outra França, além-mar. O mesmo garotinho francês.
Outras inquietudes. Uma nova necessidade,
A mesma velha perturbação interior.
Os casebres queimados pelos cavaleiros,
O dobrar dos sinos, tão cristãos!
Um coração que se dobra, contas a pagar,
A alcova vazia durante a noite fria.
Lembranças médias,
A mesma solicitude de outrora e que amanhã ainda será...

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Por Raphaël Crone.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Consciência.

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A necessidade de ser agradável me incomoda.
Não sou agradável. Não sou simples. Não sou fácil.
Vovó dizia que sou complicado e trabalhoso.
Sou o espiral e o labirinto,
Ou um simples garoto pretensioso e estúpido.
Às vezes, gostaria de ser de outra forma
(Eis que esta é uma confissão íntima, leitor).

E agora que você, leitor, conhece uma confissão íntima minha,
Encarregue-se você mesmo de me julgar pretensioso ou complicado,
A seu critério, peso e medida.

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Por Raphaël Crone.

O Não Mais.

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Naquele minuto derradeiro, extraí de seus olhos uma última palavra.
Buscava uma última esperança,
Mas esta definitivamente não me assomou às vistas.
Extraí aquela final palavra muda, não pronunciada,
Porém eloquente e imperiosa por si só.
Extraí o finito, o acabado, o morto.
O fim da paixão e as efemérides do que foi sentimento.
Entendi o não mais tocar e o não mais aproximar-me.
Afigurou-se-me real o fim da intimidade e a não mais posse de você.
Noticiou-se ao meu mundo, aos quatro cantos,
A distância recatada que deveríamos doravante alimentar.
Não mais pertencimento. Não mais reciprocidade,
Se é que esta realmente existiu um dia.
Não mais proximidade, nem promessa de esperança
E nem motivo para acreditar no dia após a noite.
O fim de um mundo. A entrega de minha coroa.
O último acorde da canção, dissonante e tosco.
A volta à realidade, o fim do mergulho,
A superfície. De volta ao básico, nú e pobre,
O encontrar em mim a substância para continuar, a tentativa.
E a decepção, por encontrar-me tão realmente nú e pobre.
Por não julgar-me substancialmente rijo.
Por não poder contentar-me. Pelo descontentamento.
Pelo final, pela derradeira núpcia,
Pelo eu-sozinho, depois de pleno,
Pelo amanhã que não nasceria e que, realmente, não nasceu.

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Por Raphaël Crone.

Palavras de Marco.

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Ele se importou comigo.

[ Se a lan house estiver aberta à noite,
Eu entro pra falar com você.
Pra você não passar o Natal sozinho. ]

Tudo bem, amor, eu lhe agradeço,
E mesmo que eu não saiba como lhe mostrar isso,
Você me é imprescindível.
Você é a corda que faz vibrar o meu coração.

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Por Raphaël Crone.

Uma Minha Necessidade.

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A dor que você me causou não morre.
Ela adormece, languidamente, embalada pelas distrações cotidianas.
Quando a noite cai, qual leoa, ela acorda
E me noticia sua ilustre presença indesejada.
Ela não morre, deveras eterna. Maldita.
Por vezes, entre o sono, ela me oprime o peito,
Me faz temer estar acordado.
Modos de noticiar sua presença.

Quando eu me lembro dos beijos doces e olhares afáveis,
Da forma infantil como falavas comigo no nosso infinito silêncio,
Quando recordo nossa cumplicidade e eterna ternura,
Ela ameaça despedaçar-me, impiedosa.
Torna-se tão pungente que penso ser insuportável
E neste momento eu desejo jamais ter deixado de ser criança.
Eu lamento a perda da inocência,
Lamento a inexprimível vontade recôndita de lhe ser novamente
E adormeço em meio a uma triste balada baldada de amor.

___
Por Raphaël Crone.

Concerto de Raphaël.

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{ Ou ainda [ Quando Vovó Me Sentava ao Piano ] . }


Dedilho naquele velho piano uma canção triste.
Um tom agudo e um tom grave. Ma jeunesse.
A estranha juventude que é exalada de sons caducos,
Momento impressivo.
Não me importo em nomear compositores,
Importo-me em retirar daquele velho caduco pedaço de madeira oca uma canção triste.
Uma valsa lacrimejante. Uma taça de champagne.
Uma apogiatura singela, um acorde sonoro.
Um som que imite um lamento, um soluço,
Um som que seja úmido como minha lágrima,
Que seja rijo como minha tristeza
E que seja inconsistente como meu coração.

___
Por Raphaël Crone.

Por Explicação.

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{ Ou ainda [ Um Francesinho que Sofre ] . }



Esta melancolia que me acompanha.
Esta estranheza, esta profundidade.
Esta inquietude, esta solicitude,
Solidão. Soledad, mamá.
Salut vous.
Este desejo incontido, que me extravasa pelos olhos,
Esta dor cruciante que lhe afasta de mim e faz-lhe detestar-me,
Esta incompreensão. Lânguido perjurio.
Esta insistência em estar triste, mesmo quando não há motivos.
Esta necessidade de me afastar.
Recolher-me em mim mesmo, como em um útero improvisado.
Não encontro proteção em meus braços.
Não há promessa de eternidade em meu regaço,
Não há promessa de conforto e nem de consolo.
Não há feridas em minhas mãos, não sou salvador.
Esta estranha mania de estar sozinho,
Mesmo quando não me acho suficientemente companheiro.
Esta devassidão que lhe emporcalha a lembrança.
Esta necessidade imperiosa de voltar à superfície em busca de ar,
Deixando por um minuto o mundo submerso onde existo.
A necessidade de lhe enganar com o meu sorriso,
De lhe acalmar com meu o toque dos meus dedos,
De lhe impressionar com minha sabedoria insípida e inútil
E de lhe empurrar fora, como um prato onde sobeja o vazio.
Esta inquietude, esta solicitude.
Esta estranha mania, este garoto estranho.
Um francesinho, que sofre mais que os outros,
Nem que seja por submissa vontade estranha.
Estranho desejo irresistível.

___
Por Raphaël Crone.

Le fabuleux destin du Raphaël Poulain.

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Eu lhe beijo como a Amélie o faria,
Tão igual eu sou a ela.
Decobri isso hoje, embora suspeitasse-o há 23 anos.
Jeunet pintou-me bem num cinema alternativo.
Beijo-lhe enquanto a porta é cerrada por detrás de nós.
Beijo-lhe com meus olhos castos e medrosos.
Beijo-lhe o canto dos lábios e a nuca sussurrante.
Beijo-lhe em cada um dos olhos, suavemente.
Beijo-lhe a testa, em sinal de respeito e submissão,
Enquanto as lágrimas começam a me rolar face afora.
E por fim, beija-me os lábios,
Num prenúncio de eternidade medida,
Num prenúncio de felicidade espantada,
Num prenúncio de vida que ainda existe aqui, cá dentro.

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Por Raphaël Crone.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Ella, Mamá.

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[ Bem, eu amo o modo com que nos comunicamos,/ Seus olhos focalizam em minha hilariante forma labial./ Ouçamos o que você pensa agora de mim, / Mas baby, não olhe,/ O céu está caindo. ] * [ Tori Amos ]



Me lembro quando eu era pequenininho,
Ella segurava a minha mão quando andávamos na rua
E eu costumava me sentar no colo della,
Tão leve!
De repente, percebi que ella começou a encolher,
A ficar menor e menor...
Não entendia o porquê disso, não,
Só achava engraçado.
Hoje sei que quem cresceu fui eu,
Mamãe é baixinha mesmo, e eu grandão.
Ainda me sento no colo della,
Devagarinho, não colocando muito peso em suas pernas cansadas,
E nós ainda rimos, nos lembrando do que passado é.
Ella me ouve, ella cuida de mim,
E eu ouço e cuido della.
Ella só não me entende muito bem, me disse certa vez,
E eu acho que entendo um pouco menos della do que eu gostaria.
Mas aí justamente está a graça do nosso amor:
Ella decide me amar assim mesmo,
Integral e incondicionalmente,
E eu decido amar ella também.

___
Por Raphaël Crone.

Voto Quebrado.

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[ Eu nunca amei ninguém completamente,/ Sempre mantive um dos pés no chão./ E por proteger de verdade meu coração,/ Eu me perdi nesses sons. Eu ouço em minha mente/ Todas essas vozes,/ Eu ouço em minha mente todas essas palavras,/ Eu ouço em minha mente toda essa música./ E isso parte meu coração,/ E isso parte meu coração. ] * [ Regina Spektor ]



Não penso hoje que seja realmente importante eu continuar a pensar em você,
Embora eu, teimoso, ainda teime em fazê-lo no escuro da noite.
Não penso que eu não mais possa viver sem o seu abraço,
Ainda que me seja custoso pensar assim.
Forçoso me é prosseguir, forçoso me é,
E isto parte o meu coração.

Por isto, dei a outro os nossos versos,
Aqueles com os quais você tão apaixonadamente me presenteou.
Prostutuí os nossos momentos mais singelos,
Nosso piano mais terno,
Nossa canção mais secreta.
Dei-a a outro que a merecesse, de certa forma.

Me cansei de tudo suportar, de tudo esperar,
De continuar esmigalhando o meu peito.
Não que isso não mais parta o meu coração,
Mas como você e eu bem sabemos,
Males necessários existem,
Para mim e para você.

[ Porque deixo esta forma ínfima de matéria humana
E me faço lembranças,
Para encontra-me contigo nas ruas labirínticas
de um tal lugar
. ]
Palavras tuas para mim. Por minhas mãos, de outro agora.
Sinto muito, isto ainda parte o meu coração,
Durante a hora mais escura da noite, acredite, isto ainda parte o meu coração.

___
Por Raphaël Crone.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Canção de Elvis.

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[ Eu apenas acordei de um sonho confuso./ Você nunca iria acreditar naquelas coisas que eu tinha visto./ Eu olhei no espelho e vi o seu rosto./ Você olhou exatamente para mim,/ você estava a milhas de distância.../ Você sempre me ama mais,/ Milhas de distância./ Eu ouvi isso na sua voz,/ Estamos a milhas de distância./ Você não tem medo de me dizer,/ Eu acho que estamos no nosso melhor,/ Estamos a milhas de distância./ Tão longe... ] * [ Madonna ]


Eu lhe reencontrei naquela noite vazia,
No meio de um milhão de pessoas,
No meio da batida eletrônica que inundava o ar,
No meio de uma jornada milenar.
Sábado à noite, dois anos sem nos ver.
Tão lindo, ainda!
Um abraço terno, palavras doces,
Milhas de distância rompidas por um beijo.

Enquanto dançávamos, eu sentia o turbilhão de sons
E tudo era apenas nós dois em meio a um silêncio bento.
Enquanto eu tirava a minha camisa
E você tocava o meu corpo alvo,
Eu podia sentir o êxtase religioso, vertiginoso,
Algo como estar voltando à vida.
Estávamos tão longe, tão longe!
E em um minuto tão próximos novamente.

Um momento sexual, frenético, compulsivo.
O enlace de meu corpo junto ao seu,
O movimento de meus lábios e minha língua junto à sua,
O toque de nossas mãos.
Eu fui você!
Um apaixonante reencontro casual,
Uma providência, uma providência.
Você me fez esquecer de mim por uma vida.
Milhas de distância.

Por fim, a manhã trouxe-nos de volta.
Eu me despedi apressadamente enquanto corria para tomar a condução.
Você seguiu, descendo a avenida, sem olhar para trás,
Depois de eu ter beijado outra pessoa no fim da festa.
Mas não mais tão longe.
Tão mais perto de mim! Uma luz tão pura!
O êxtase. O deus. O sentimento.
Amei-lhe naquela noite. Um amor lindo!
Nenhuma milha poderá apagar.

Nunca tão longe. No far away.

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Por Raphaël Crone.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Enfado.

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[ Solução melhor é não enlouquecer / mais do que já enlouquecemos,/ não tanto por virtude, mas por cálculo. / Controlar essa loucura razoável:/ se formos razoavelmente loucos, não precisaremos desses sanatórios, / porque é sabido que os saudáveis não entendem muito de loucura./ O jeito é se virar em casa mesmo, / sem testemunhas estranhas./ Sem despesas. ] * [ Lygia Fagundes Teles ]



Hoje recebi a minha carteira de inscrição profissional.
Mais uma série de números para a minha coleção.
RG, CPF, RA, PIS-PASEP.
Eu, numerário.
Temerário numerário ambulante.

___
Por Raphaël Crone.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Desencanto.

[ Não tenho tempo pra mais nada./ Ser feliz me consome muito. ] * [ Clarice Lispector ]


Desculpe-me, leitor.
Não há muitas palavras neste dia.
Apenas outro poema triste.
Apenas outra flor artificial no meu jardim japonês.
Apenas outro dia artificialmente doce para mim.

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Por Raphaël Crone.

Recaída.


[ Ela mora com um homem quebrado/ Um homem de poliestireno rachado, que só se desmorona e se queima./ Ele costumava fazer cirurgias para garotas nos anos 80,/ Mas a gravidade sempre vence./ Isto o desgasta, isto o desgasta... ] * [ Radiohead ]


Por mais que eu seja categórico em dizer aos meus amigos que lhe esqueci e não lhe amo mais, é impossível não me entristecer quando deito minha cabeça no travesseiro.
Já se passou um bom tempo, mas quando o Thom Yorke canta Fake Plastic Trees para mim, é impossível não recair em você.
Que posso eu fazer?

_____
Por Raphaël Crone.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Darwin-Trance.

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[ Adaptação para as plantas deveser fácil,/ elas não têm memória./ Mas para os humanos é quase imoral,/ é como simplesmente fugir. ] * [Charlie Kaufman ]
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[ Este é o meu problema:/ tenho amores despreocupados./ E aquilo era tudo o que eu queria:/ me preocupar apaixonadamente com alguma coisa./ Eu estou começando a entender/ que quando você se dedica apaixonadamente a apenas uma coisa, / a vida parece tornar-se mais controlável. ] * [Charlie Kaufman ]
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[ A vida estava cheia de coisas/ que se pareciam com aquela
fantástica orquídea-fantasma:/ difíceis de se imaginar, fáceis de se apaixonar,/ mas fantásticas demais,/ fulgazes demais e / inalcançáveis. ] * [Charlie Kaufman ]


Uma gota que cai no meio do gigantesco oceano frio.
Um peixe que nada desesperadamente,
Apenas para protelar a cena de ver-se engolido por outro peixe maior.
O filhote de mamífero que vê-se trucidado sob os dentes do leão.
Répteis que arrastam-se pelo submundo terrestre, longe dos excessos climáticos.
Outra gota que cai no meio do gigantesco oceano frio.
Mais uma. E mais outra. E outra e outra.
Os pássaros pretos da noite e os ratos do sótão.
O monstro do porão sujo.
Imaginações de Darwin. Ou minhas, por que não?
Cenas vampirescas, licantrópicas, folk-lore.
Cenas fisiológicas e anatômicas.
Adaptação. Evolução. O Darwin hipnótico.
Minha janela, que recebe a chuva vinda do oceano.
Meu sótão, infestado por ratos barulhentos.
Meu monstro e meu porão sujo.
Meu eu, metamorphosis. Darwin-trance.
Minha transformação. Minha viagem pela Terra-Média.
Meu desejo evoluído:
Calor e comida e procriação e amparo e paixão e? (...)
Outro desejo não-descoberto.
Apenas a vontade de me apaixonar perdidamente por algo neste mundo.
De me entregar perdidamente a algo neste mundo.
De não mentir à vida depois que a adaptação chegar
E quando ela se for, não negar a metamorfose que ela operou em mim.
Mero ciclo ininterrupto,
Ópio, ecstasy, além da imaginação.
Mera borboleta errante, de vida efêmera.
Mero eu, metamórfico, hipnótico, experimental.

[ Hey, I'd like to put you in a trance... ]

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Por Raphaël Crone.