domingo, 31 de maio de 2009

De Quando Eu Lhe Odeio.

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[ Você está longe demais para eu trazê-lo para perto/ E alto demais para olhar para baixo,/ Apenas insistindo em sua dose diária./ Eu sei que você nunca precisou de ninguém,/ Exceto dos papéis para enrolar a sua erva,/ Como você pode dar o que você não tem?/ Você continua sonhando com o topo/ Mas desiste antes que derrame uma gota de suor,/ Alimenta seu cérebro vazio/ Com sua maconha hidropônica./ Comece jogando com você mesmo,/ Você se diverte mais dentro de sua concha,/ Prazer em conhecê-lo, mas eu tenho outras coisas para fazer./ Eu vou embora de novo, porque eu tenho esperado em vão,/ Você segue tão apaixonado por você mesmo!/ Se eu digo que meu coração está dolorido,/ Isso soa como uma metáfora barata,/ Então eu não repetirei mais isso./ Eu preferiria tomar minha sopa com um garfo,/ Ou dirigir um táxi em Nova Iorque,/ Porque falar com você é trabalhoso demais./ Então qual é o ponto de desperdiçar todas minhas palavras,/ Se é exatamente igual ou até pior/ Que ler poemas para um cavalo?/ Você continua sonhando com o topo,/ Mas desiste antes que derrame uma gota de suor,/ Alimenta seu cérebro vazio/ Com sua maconha hidropônica./ Eu aposto que você encontrará alguém como você,/ Porque há um pé para cada sapato./ Eu lhe desejo sorte, mas eu tenho outras coisas para fazer./ E eu vou embora de novo, porque eu tenho esperado em vão,/ Você segue tão apaixonado por você mesmo!/ Se eu digo que meu coração está ferido,/ Isso acaba parecendo uma metáfora barata,/ Então eu não repetirei mais isso nunca mais. ] * [ Shakira ]


Eu torno-me em dentes cerrados, mandíbula contraída,
Masseteres e temporais mastigantes, desejoso de mastigá-lo neste minuto.
Eu me canso, enfado: falar com você é tão inútil quanto me calar.
Eu vou, eu volto, eu me viro do avesso,
Ímpetos quase assassinos de esganá-lo quando me dá as costas,
Quando se cala enquanto eu lhe grito.
Ímpetos brutais de tomá-lo entre minhas mãos e amassá-lo como se amassa um papel.
Eu desejo seguir, mas você me puxa pra baixo,
Palavras inocentemente cheias de malícia que acendem as chamas que me consomem silenciosamente.
Não há esperança de salvação e nem sombra de misericórdia: há animalidade.
Há instintos recolhidos e expostos, um vai-e-vem de sensações e considerações ora piedosas, ora monstruosas,
Uma vontade de fazê-lo sofrer quando me faz sofrer,
Um egoísmo pulsante, que se movimenta em espasmos violentamente premeditados,
Epilepsia de sentimentos, convulsão de tudo o que é humano e animal em mim.
Você me leva ao extremo, me faz ora amar, ora odiar religiosamente,
Me faz mandar os santos ao quinto dos infernos.
As horas presenciam as louças quebradas, os rompantes de loucura,
Efervescência de um espírito em ebulição.
As horas contemplam. E as horas passam.
O que não passa?
Eu volto a mim, me acalmo. Resigno-me, resolvo-me. Resolvo-lhe.
Sigo com você. Amor? Quem sabe.
Resigno-me. E sigo com você. É só.

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Por Raphaël Crone.

sábado, 30 de maio de 2009

Velha Consideração de Jovem.

---[ Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa. ] * [ Guimarães Rosa ]

[ Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento. ] * [ Clarice Lispector ]

[ A maior riqueza do homem é a sua incompletude. Nesse ponto sou abastado. Palavras que me aceitam como sou - eu não aceito. Não agüento ser apenas um sujeito que abre portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que compra pão às 6 horas da tarde, que vai lá fora, que aponta lápis, que vê a uva etc. etc. Perdoai. Mas eu preciso ser Outros. Eu penso renovar o homem usando borboletas. ] * [ Manoel de Barros ]


Julgo um erro tentar cruzar a vida num barco de entendimentos.
As filosofias não são feitas de matéria e a vida é simples filosofia.
Perdemos muito de nós tentando compreender.
Perdemo-nos em meio às brumas do mar que navegamos
E o tempo passa a passar nessa hora, inexoravelmente, como Senhor de nós.
Julgo um erro tentar entender toda a vida.
Há momentos que não foram feitos para serem entendidos
E a maioria dos entendimentos não abarcam um pingo de tudo o que gostaríamos de saber.

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Por Raphaël Crone.

Brevidade Sobre a Morte e a Vida.

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[ Não ficar melancólico, mas guardar na lembrança as melhores coisas da vida. E não abrir mão de ser feliz. A busca pela felicidade já justifica a existência. ] * [ Dorival Caymmi ]


Nunca pensei muito em morrer.
Não sou do tipo que vive pensando na Morte ou que a deseja como Redentora de uma vida fraca.
Gosto da Vida: gosto da sua ironia que soa como um tapa na cara:
Agudos e sensações dolorosas.
Gosto da Vida: gosto dela talvez porque não imagino que vá viver muitos anos.
Apenas uma impressão.
Não penso que chegue a ser velho um dia e isso na maior parte do tempo não me aborrece.
Mas não me detenho pensando na Morte.
Minha única vontade quanto a isso é a de morrer vendo o Mar.
Como Dori quis um dia, por uma vida toda, eu também quero.
Queria morrer vendo o Mar: em seus braços, com o sal de seu abraço me embalando.
Um desejo romântico, leitor.
Desejo de poeta jovem que sou.

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Por Raphaël Crone.

Introduzindo-Me: Segredos.

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[ Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro. ] * [ Clarice Lispector ]

[ Minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem de grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite. ] * [ Clarice Lispector ]

[ Quanto mais me despedaço, mais fico inteira e serena. ] * [ Cecília Meirelles ]


Contradigo-me: profundamente e repetidamente contradigo-me.
Ambulantemente e espalhafatosamente.
Em certos momentos, isso me traz certo orgulho bobo:
Faz-me sentir vivo, rebelde. Quase que revolucionário dentro do meu mundo.
Mas na maior parte do tempo isso me frustra,
Me faz duvidar e perder tempo que não tenho a perder.
Gostaria de escrever, mas pouco escrevo
E gostaria de desenhar, mas nunca pego papel e grafite.
Gostaria de cantar e encenar e pintar,
Mas nunca tomo grande atitude para expandir a minha Arte,
Que é essencialmente bela e potencialmente devastadora.
[ ... ]
Gostaria de revolucionar o mundo, nem que fosse o meu próprio,
Com coisas que eu bem sei fazer,
Mas não o faço; guardo a minha Arte quase toda pra mim
Como se o mundo exterior não precisasse dela
(E de fato, muitas vezes me questiono se ele realmente precisa).
Contradigo-me: faço o que não gosto e o que gosto, pouco faço.
Gostaria de fazer mais, mas os monstros que moram dentro de mim exteriorizam-se quando resolvo abrir-me,
Tenho medo do que mora em meu armário. Dos gigantes que assolam as planícies do meu self.
A minha Arte transporta-os para os olhos alheios.
Poderia-se especular que talvez um dos motivos pelos quais pouco uso minha Arte-Musa seja justamente este:
O medo de que ela exponha mais do que eu gostaria de expôr,
Mas garanto-lhe, leitor, metalinguísticamente: Não é.
Na realidade, sinto um mórbido prazer em despir-me de meus acertos e falhas perante as palavras e imagens de minhas obras,
Sinto prazer em mostrar que sou feito de deliciosa e inescrupulosa humanidade,
Sem intenções de perfeição ou santidade, sem buscar o Paraíso.
Talvez o real motivo nem eu conheça: indolência ou egoísmo, sabe-se lá.
Quem sabe o que se esconde aqui dentro, o que me motiva?
Nem mesmo eu bem sei, leitor.
E no fim, quem sabe não seja melhor que assim mesmo o meu eu-incomum continue?
Justamente assim: despudoradamente oculto e entre sombras se revelando.

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Por Raphaël Crone.

Última Noite.

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[ Turn the lights out,/ This shit is way too fucking bright./ Wanna poke my eyes out/ If you wanna mess with my eyesight./ Just let me get my head right,/ Where the hell am I?/ Who are you?/ What'd we do last night?/ Hey, who are you?/ What'd we do last night?/ Can't remember what I did last night,/ Maybe I shouldn't have given in but I just couldn't ./ I didn't but I think I might've,/ Everything, everything is still a blur.../ Can't remember what I did last night,/ Everything, everything is still a blur.../ Can't remember what I did last night,/ Everything, everything is still a blur... ] * [ Britney Spears ]


Acordei rolando entre lençóis cheirando a rosas e sexo,
Tomado por um torpor libidinoso, uma noite de aromas ilícitos.
Libertinagens.
Não consigo me concentrar, tudo parece diferente,
Como se a minha mente pedisse uma xícara de café forte para poder despertar enfim.
O que se passa comigo?
O que acontece?
De um canto do quarto mal iluminado pelas janelas de cortinas semicerradas
Emana o som de uma canção que eu não entendo bem,
Um som metálico de guitarras japonesas, gemidos ininteligíveis.
Ininteligível recordação que me vem e que me deixa.
Observo meu corpo nu entre os lençóis da cama
E igualmente noticio um vulto nu parado à porta do quarto, observando-me com um esgar de sorriso rasgando os lábios.
Pas de malice, pas de malice...
Uma sensação de cansaço me toma e mesmo percebendo que muito de mim está exposto aos olhos do estranho, não me dou ao trabalho de me cobrir.
Uma quebra de decoro.
A luz mal filtrada que ultrapassa os cortinados toca a minha pele salientando a sua brancura e a sua firmeza,
Por um minuto observo os traços em meu abdome, com a língua sinto meus lábios intumescidos,
Passando a mão por meu pescoço, sinto um frêmito que enrijece meus mamilos...
E o vulto a me observar. Interrogações interiores.
Não me recordo de muita coisa, tudo ainda é um borrão,
Tudo é confuso: o leito onde me deito e a sombra com quem me deitei outrora.
Sento-me na cama e meu corpo se insinua, tomo a sombra que se aproxima sorrindo e devagar por uma das mãos,
Faço-a sentar à minha frente e esta me toca: eu me arrepio.
Deitamos: as horas prosseguem.
Eu ainda não entendo, tudo ainda é um borrão em minha cabeça...
O que acontece?
Mas já não me importa tanto mais.

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Por Raphaël Crone.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

O Piano.

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[ Je ne rêve plus,/ Je ne fume plus,/ Je n'ai même plus d'histoire./ Je suis sale sans toi,/ Je suis laide sans toi,/ Comme une orpheline dans un dortoir./ Je n'ai plus envie de vivre ma vie,/ Ma vie cesse quand tu pars,/ Je n'ai plus de vie et même mon lit,/ Se transforme en quai de gare,/ Quand tu t'en vas./ Je suis malade,/ Complètement malade,/ Comme quand ma mère sortait le soir,/ Et qu'elle me laissait seul avec mon désespoir,/ Je suis malade,/ Parfaitement malade,/ T'arrives on ne sait jamais quand,/ Tu repars on ne sait jamais où,/ Et ça va faire bientôt deux ans,/ Que tu t'en fous. ] * [ Serge Lama ]


Observava o mundo lá fora pela janela do meu apartamento,
Fim de tarde.
As sombras da noite passavam a envolver tudo o que encontravam, o animado e o inanimado,
Como um manto de donzela que ocultava as insinuantes formas do dia que usado foi,
E que findava-se indolente.
Nenhuma luz se achava em nenhum recinto cá dentro,
A não ser três velas mortiças que queimavam em um candeeiro sobre a cauda do piano mudo no canto da sala.
Uma luz baça, uma melancolia vívida. Coisas do crepúsculo.
Ouvia a água deslizar pelas torneiras, enchendo a banheira há alguns metros dali.
Sentia um cheiro doce de algum perfume que eu não usava,
Quem sabe o que vinha das rosas do jardim de inverno.
Quem sabe, o cheiro da noite fria que, trotando, aproximava-se do mundo cá embaixo.
[ ... ]
Observei-me por um minuto na vidraça da janela:
Jovem alto e magro, cabelos longos despenteados, um rosto onde se lia outrora um misto de luxúria e juventude exuberante
E onde agora se lia apenas uma distância substancialmente material. Corpórea.
Uma saudade noturna, que Frédérich Chopin outrora tentou transformar em canção.
Observei minha pele alva e meus músculos firmes,
Toquei-me e senti frio. Um movimento decidido contraiu meu abdôme
E um calafrio transpassou minha espinha rija.



[ Je suis malade, complètement malade,
Comme quand ma mère sortait le soir

Et qu'elle me laissait seul avec mon désespoir. ]



Embore goze de perfeita saúde do corpo, estou doente cá dentro.
Je suis malade, complètement malade.
Este vazio aberto pela distância entre você e eu é como uma perfuração de adaga,
Um cimitarra persa que abre minhas entranhas românticas: agonie, agonie.



[ Eu estou doente, completamente doente,
Como quando a minha mãe saía à noite

E me deixava sozinho com o meu desespero . ]



O contraste de minhas calças escuras com o baço de meu corpo
E os fios desalinhados de cabelo caindo sobre meus olhos,
Criavam como que um belo fantasma de Álvares de Azevedo:
Noites na taverna, Macário.
Deixei os cortinados e vidraças,
Sentei-me ao piano mudo. Falemos, pois.
O som triste da canção alçou vôo dos meus dedos,
Encheu a sala, ultrapassou os véus das cortinas,
Adentrou os cômodos silentes,
Misturou-se à agua tépida que rolava das torneiras no banheiro regelado.
Quis tornar-me em canção, tentando alcançá-lo onde estivesse:
Fiz-me harpejo, apogiatura, fiz-me movimento de dedos coordenadamente desesperado.
Escalas ascendentes, descendentes. Diatônicas.
Ora abafado pelos pedais, ora prolongado. Estiquei-me e reduzi-me.
Piano, pianissimo. Forte, molto forte.
Mon rendez-vous, chéri.
Procurei tornar-me Rapsódia de Liszt, Movimento triunfante de Brahms,
Fuga de Bach.
Tornei-me Minueto e dos tristes. Faltou-me força para continuar.
A luz mortiça mal iluminava meus olhos e por um instante meus dedos calaram-se.
Negaram-se a prosseguir, inútil que era.
Continuei sentado na banqueta dura, desconsolado como criança de castigo.
O pensamento no nada e o desejo, que sabia muito bem por onde andava.
Andrajos de mim. Trapos exuberantemente sentimentais.
Levantei-me. Tirei as calças, joguei-as por sobre a poltrona e dirigi-me ao banheiro.
Entrei na água morna e mergulhei em mim mesmo.
Adentrei mais fundo em meu mundo submerso, o mundo de Raphaël.
Permaneci assim por horas e quando o frio da noite tornou a água incômoda,
Levantei-me. Penteei os cabelos molhados, acendi um cigarro malcheiroso.
Lancei mais uma olhada ao meu redor. Tive fome.
Pensei comigo uma brevidade. Hora de comer. Enxuguei a única lágrima frouxa que pendeu de meus olhos frouxos
E saí, batendo a porta. Minha Hégira.
Lancei-me para a noite escura e fria, mais escura que meu apartamento,
Não sei se mais fria que o mundo onde me escondi.
Interiores vampirescos. Funestos.
E pensar que apenas um toque seu me faria voar daqui.

[ ... ]

[ Nota: Os trechos destacados pertencem à canção Je Suis Malade, de Serge Lama. ]

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Por Raphaël Crone.

sábado, 23 de maio de 2009

C'Est Manque.

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[ Chanson juste pour toi,/ Chanson un peu triste, je crois,/ Trois temps de mots froissées,/ Quelques notes et tous mes regrets,/ Tous mes regrets de nous deux,/ Sont au bout de mes doigts,/ Comme do, ré, mi, fa, sol, la, si, do./ C'est une chanson d'amour fané,/ Comme celle que tu fredonnais,/ Trois fois rien de nos vies,/ Trois fois rien comme cette mélodie,/ Ce qu'il reste de nous deux,/ Est au creux de ma voix,/ Comme do, ré, mi, fa, sol, la, si, do./ C'est une chanson en souvenir/ Pour ne pas s'oublier sans rien dire/ S'oublier sans rien dire. ] * [ Carla Bruni ]


Sinto saudade dos meus pais, sempre tão carinhosos comigo.
Sempre me apoiando, me suportando, me impulsionando.
Tive que deixá-los e vir pra longe,
Seguir a minha vida, seguir o meu amor.
Não me arrependo, pois tenho-os cá comigo,
Na grande e densa profundidade que habita meu peito,
Mas, inevitavelmente, sinto uma saudade imensa deles.
Na maior parte do tempo, ela é inebriada pelas ocupações cotidianas
E dissimulada sob o peso das horas ativas.
Porém momentos há em que ela põe a cabeça pra fora desta imensidão cá dentro
E noticia sua presença - Eis-la! Olá, companheira!
Aconteceu hoje. Um telefonema, conversação sentimentalmente prática,
Preocupações com minha alimentação e minhas finanças,
Necessidade de saber se estou bem cá distante de lá onde nasci.
Depois que o telefone se calou, eu chorei:
Emotivamente abalado, chorei como chora criança.
Apenas um cachorrinho testemunhou minhas lágrimas e tentou me consolar,
Lambendo meu pescoço.
Levantei-me, fumei um cigarro melancólico e fui cuidar da vida.
Inegavelmente, eles são o meu tesouro.
Eles são a melhor parte do que hoje habita esta escuridão cá dentro.

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Por Raphaël Crone.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Mon Âme.

-- [ Tu es ma came,/ Mon toxique, ma volupté suprême./ Mon rendez-vous chéri et mon abîme,/ Tu fleuris au plus doux de mon âme./ Tu es ma came,/ Tu es mon genre de délice, de programme./ Je t'aspire, je t'expire et je me pâme,/ Je t'attends comme on attend la manne./ Tu es ma came,/ J'aime tes yeux, tes cheveux, ton arôme./ Viens donc là que j'te goûte que j'te hume,/ Tu es mon bel amour, mon anagramme./ Tu es ma came,/ Plus mortelle que l'héroïne afghane,/ Plus dangereux que la blanche colombienne,/ Tu es ma solution, mon doux problème./ Tu es ma came,/ A toi tous mes soupirs, mes poèmes,/ Pour toi toutes mes prières sous la lune,/ A toi ma disgrâce et ma fortune./ Tu es ma came,/ Quand tu pars c'est l'enfer et ses flammes,/ Toute ma vie, toute ma peau te réclamenton,/ Dirait que tu coules dans mes veines./ Tu es ma came,/ Je me sens renaître sous ton charme,/ Je te veux jusqu'à en vendre l'âme,/ À tes pieds je dépose mes armes./ Tu es ma came, tu es ma came. ] * [ Carla Bruni ]


Eu sussurro à francesa em seus ouvidos,
Enquanto um violão lamurioso geme perdido no espaço:

[ Você é meu vicio, você é meu vicio.
O meu produto tóxico, a minha volúpia suprema.
O meu encontro preferido e meu abismo.


Você até faz a minha alma mais doce.
]

Você até faz a minha alma mais doce.

Eu mordisco a sua orelha e sinto que o eu-você nos arrepiamos.
Eu toco o seu peito e encontro um mamilo:
Você, o meu vicio.
À francesa, eu "francesamente" prossigo meu lamento:

[ Você é meu vicio. É o meu tipo de delicia, de programa.
Eu te aspiro, eu te expiro e desmaio.
Eu te espero como se espera o maná.
Você é meu vicio,
Gosto dos teus olhos, dos teus cabelos, do teu aroma.


Venha, então eu te enrolo e eu te fumo.
Você é o meu belo amor, o meu anagrama.
Você é meu vicio,
Mais mortal que a heroína afegã,
Mais perigoso que a cocaína colombiana.
Você é a minha solução, o meu doce problema.
]
Eu me debruço sobre as suas costas nuas.
Eu aliso a sua pele como tecido, eu lambo a sua nuca como um gato,
Eu junto a nudez de minha pele à da sua,
Eu saboreio o silêncio e o sorriso malicioso que o seu rosto esboça,
Eu finjo aquietar-me, apenas para recomeçar,
Insistente:

[ Você é meu vicio,
A você todos os meus suspiros, os meus poemas.
Para você, todas as minhas orações e a lua.
A você a minha desgraça e a minha fortuna.
Você é meu vicio,
Quando vai embora, é como o inferno e as suas chamas,


Toda minha vida, toda minha pele te reclama,

Diria-se que você escorre nas minhas veias.
]
Eu me viro e lhe encontro, frente a mim,
Lábio a lábio, sua alva tez frente a minha alva tez,
Cesso as poesias, porque existe um momento,
Onde a vida começa,
Em que toda a poesia é vã, e silenciosa.
Eu lhe encontro dentro de mim e eu me encontro dentro de você.
Um vicio que me sustenta, que me sacia,
Que mata a minha fome e que inebria os meus sentidos.
Oh, mon dieu.
À francesa, ao final, eu recomeço.
Eu lhe canto com voz rouca e o violão recomeça também, ao longe,
Ainda perdido no tempo e no espaço,
Mas canta e eu o acompanho,
E você, infantilmente deitado em meus braços,
Em meio a lençóis desfeitos, me acompanha
E ouve (e sorri):

[ Você é meu vicio,
Eu te quero que até vendo a alma.


Aos teus pés eu jogo as minhas armas.

Você é meu vicio, você é meu vicio.
]

[ Nota: Os excertos destacados pertencem à canção Tu Es Ma Came, de Carla Bruni, encontrada no álbum Comme Si De Rien N'Etait. ]
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Por Raphaël Crone.

terça-feira, 19 de maio de 2009

O Jovem Adam.

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[ Carro superaquecido,/ Pule para fora do meu banco,/ Para o lado da rodovia, querido./ Nossa estrada é longa,/ Sua influência é forte,/ Por favor, nunca desista.../ Eu sei que não te conheço,/ Mas te quero muito./ Todo mundo tem um segredo guardado,/ Mas será que é possível mantê-lo?/ Não, eles não conseguem!/ Dirigindo rápido agora,/ Não pense que eu sei ir devagar./ Onde você está agora?/ Eu o sinto por perto,/ Aí está você!/ Esfrie esses motores,/ Acalme esses jatos./ Eu te pergunto o quanto quente isso pode ficar/ E como você fará para secar essas gotas de suor.../ Lentamente você diz: "Eu ainda não cheguei lá". ] * [ Maroon 5 ]


Um segredo. Ella sopra em meus ouvidos uma corrente de outono, fria da noite:

[ Veja, poeta: uns pés de homem sob uma mesa, roçando umas pernas de mulher, mulher dum tal bruto marinheiro. ]


[ Pressuposto - Início da história: ]
A mulher - Ella - alta, cara limpa, magra e branca como a cera.
Uma miragem de Álvares de Azevedo, ultra-romântica.
Um minuto: como ultra-romântica, se ela come e mastiga a mágoa de não conhecer romantismo,
Posto que tal mimo foi-lhe negado?

[ Registro do poeta: Interrompo-me por um instante. A noite cai enquanto escrevo isto. Ouço um violão ao longe. E vejo fumaças de um bodoque. Ao longe. ]

Ela cospe fora na cara de seu marido velho, barbudo e fedorento o protótipo de amor bruto que ele soube lhe dispensar. Amores perros de Iñarritu.
Também são amores, apesar de diferentes em forma.
Não dizem que os brutos também amam?
[ O fio da história: ]

Eis que então um outro chega, jovem que é, e roça sua perna desnuda nas dela, desnudas, sob o nariz do marido, ocultas por uma mesa de pau ordinário, breakfast time.
Ordinárias tábuas que erguem a alcova adúltera, onde ela busca redenção
E, acredite-me, romantismo. Dinner time.
Uma vida esperando por um beijo furtivo entre as prateleiras da cozinha.
Um shake-hands dissimulado, que transforma-se em penetrações de sexual moralidade,
De cândida imoralidade e de amoral possibilidade de julgamento desapaixonado,
Sim, assim que a noite cai.
O marido é bruto, mas é velho, cansado. Ele precisa dormir cedo.
Laços desfeitos, buscas pela felicidade, insatisfações. Cantos piegas e dolorosos,
Segredo que outrem guarda a sete chaves e que o poeta, temerário, ousa desvendar:

-Eu mal lhe conheço,
Mas eu lhe desejo tanto!

O diáfano rosto da mulher do marinheiro. Austeridades.
Um desejo controlado de desvendar o que se esconde por detrás de um véu proibido, púrpura como o sangue que escorre-lhe, por vezes, por dentre as pernas.
Os anos da juventude que não morrem por inteiro.
As lágrimas não tem cor, por isso não deixam marcas no mundo.
O seu jovem Adam, objeto e instrumento de descoberta, libertação e pecado.
Penalidade e ameaça. O preço do que é pecado, ainda que pecado seja apenas uma palavra suja e inexpressiva.
[ Contextualizo-me, leitor: ]
Um segredo afinal. O que a mulher do marujo guarda, o que o jovem Adam guarda,
O que sabe deus quem mais lá anda guardando também.
Meandros recônditos, soturnos. Silvos de serpente e maldições os protegem.
Segredos. O peso que encerra a língua na boca,
A tranca que aprisiona a palavra.
Calabouços onde a alma se tranca por própria vontade.

[ ? ]




[ Nota: Texto livremente inspirado no filme Young Adam, de David Mackenzie, com Tilda Swinton e Ewan McGregor e na canção Secret, da banda americana Maroon Five, encontrada no álbum Songs About Jane. ]
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Por Raphaël Crone.

Com Meus Dentes.

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[ Decifra-me, ou te devoro. ] * [ Ésquilo ]


O piano de Philip Glass costuma cantar pra mim,
Assim como fotos velhas e quadros ainda mais costumam contar-me histórias.
Eu sou feito de arcaismos e modernidades,
Eu me enlaço em minha saudade,
Eu sou necessariamente feito de insatisfações.
Quando o lago de minha alma goza de placidez,
Eu arranjo logo uma pedra para torná-lo revolto,
Nem que seja para simplesmente contemplar um pouco do seu movimento,
Nem que seja para provocá-lo, quando o "exo-vento" nao o faz.
Eu preciso de barulho, de engrenagens, de palavras ferozes,
Eu preciso de saciedade, ainda que esta nunca me sacie,
Eu preciso de misericórdia, mas nunca de compaixão.
Eu sou a juventude, mesmo que ultrapassada.
Eu sou um parceiro eterno, porém trabalhoso.
Eu sou o que uma palavra minha jamais explicou.
Quem sabe, eu seja a Esfinge que devorava viajantes incautos.


[ Decifra-me, ou te devoro. ]
___
Por Raphaël Crone.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Enfado .

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Tem uma hora em que você se cansa de insistir.
Se o redondo deveria ser quadrado e não deixa de ser redondo,
A força certamente não há de ser útil para enquadrá-lo.
Palavras repetidas tornam-se mortalmente enfadonhas,
Profundamente dolorosas, como lacerações de espadachim.
O tempo, que é senhor das coisas do homem e de deus,
(Que não mata o Verbo e que aprimora o verbo)
Encarrega-se de aclarar os erros
E coroar com a razão os justos.
A paciência nunca deixa de ser virtude sábia, pois.

___
Por Raphaël Crone.