segunda-feira, 29 de junho de 2009

Insustentabilidade

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De vez em quando eu tento me aparar,
Percebo que vou cair e ponho uma mão por baixo de mim,
Tento amortecer o tombo.
Quase nunca consigo. Caio e me esborracho.
Um aprendizado incoerentemente diáfano.
Uma bruma que me ensina a ser homem.

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Por Raphaël Crone.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

O Desejo.

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[ Lamba as minhas pernas, eu estou em chamas./ Lamba os meus lábios, eu sou o desejo./ Eu amarrarei suas pernas,/ Manterei você contra meu peito./ Não, você não está livre de mim,/ Sim, você não está livre de mim./ Eu farei você lamber minhas angústias,/ Eu vou torcer sua cabeça, diga:/ Você sabe que não está livre de mim. ] * [ PJ Harvey ]



Não quero um amor a quem eu possa espoliar,
Que faça todas as minhas vontades e que se curve ante meus vereditos.
Que me obedeça e nunca me conteste,
Que não pense ou sinta.
Não quero.
Quero um amor inteligente, que tenha desejos,
Que possa me desejar por vontade própria, que me veja como sou,
Falho e sublime. Perfeitamente incapaz de ser sozinho.
Quero um amor que me complete porque quer me completar
E não porque eu assim o quero.
Quero um amor que tenha paciência quando eu estou em crise
Quem, apesar de me magoar por vezes, eu sinta prazer em perdoar
E que mantenha sempre em vista que nenhuma tempestade furtiva significa o fim ou o desencanto,
Apenas o contratempo, que existe mesmo onde existe o maior amor do mundo.
Quero um amor humano, longe das divindades etéreas,
Um amor que me faça voar, mas que seja tão palpável que eu possa apertá-lo com a força das minhas mãos,
Um amor pleno e natural. Sentimental e prático.
Que me corrija e que me impulsione,
A quem eu possa moldar e aprender com.
Justamente por tanto querer um amor assim, eu acabei encontrando.
Felicidade de quem muito algo desejou e hoje tem.
A ciência de que eu não posso livrar-me de mim,
E que ele, da mesma forma, não pode e não quer me deixar aqui,
Independente de quão bom ou quão ruim eu seja.

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Por Raphaël Crone.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Passagens da Manhã.

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[ Oh, Mrs. Dalloway, always giving parties, to cover the silence... ] * [ Virginia Woolf ]


Eu me levanto pela manhã seguro por uma mão caduca,
Mão de inexplicável Melancolia.
O austro sopra, o Sol lá de cima, timidamente, vigia o mundo entre nuvens,
O barulho do trânsito na rua lá fora prossegue...
Meridionais.
Embora nenhum motivo aparente exista, "melancolizo-me".
Pouco me importa a comida na dispensa, o pagamento depositado em minha conta no banco,
A minha aparência jovem e bonita...
Tudo se torna indiferente frente à minha indiferença.
Tudo me é insuportavelmente enfadonho quando ele não está aqui por perto.
[ ... ]
Penso por um instante o que a Clarissa de Cunningham outrora pensou antes de mim,
Pela cabeça do outro e que Virginia pensara antes ainda,
Em meio à sua sana loucura, pelos devaneios da Sra. Dalloway*:

Minha vida é trivial. Eu sou TÃO trivial [ ... ]

E acredito:

Quando estou sem ele por perto, todo o resto parece, sim, meio... trivial...

Afogo-me nos sons do piano de Philip Glass e nos lamentos do acordeão de Yann Tiersen:
Pura e pura melancolia. Melancolia de Amélie.
Mas não me culpo. Apenas faço o que sou impelido a fazer.
Levanto-me, ainda amparado pela mão caduca, vou ao banheiro
E frente ao espelho, a dona da mão me mostra meu rosto.
Manda-me seguir o dia, bem ou mal. Segui-lo.
E eu sigo. Ninguém saberia. Ninguém saberia o que vai aqui dentro se eu não contasse hoje aqui.
Ninguém adivinharia, tão bem dissimulo.
Dons inatos. Aprendidos.
Passagens da manhã.


[ * Referências às obras The Hours, de Michael Cunningham - 2000 - e Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf - 1925. ]

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Por Raphaël Crone.