sábado, 3 de agosto de 2013

Sonho



Sua presença me despedaça e me arrebata, me torce e eu me distorço em profusão de graves e agudos: uma canção de sobrenatural regozijo. Violentamente feliz me atiro ao vórtice do encantamento de sua graça e me liquefaço em saliva e lágrimas: fisiologia e anatomia, nosso amor que ressoa no silêncio, qual derradeiro som de gaita que se apaga no breu da noite e da noite se alimenta, de sonho e embriaguez.

Pérolas



Eu lhe conto olvidos, você me canta encantos, debruço-me sobre as pérolas do seu colar e no profundo oceano dos seus olhos me derramo para não mais me ajuntar...

Aqueles eram os Dias



Hoje me derreto em lembranças dos nossos dias que se foram,
Aqueles eram os dias, meu amigo, onde o sabiá cantava sobre nosso telhado pela manhã.
Os dias da minha juventude, dias dançantes, onde eu valsava com sua sombra
E ela comigo valsava, mãos em minhas espáduas, passos resolutos.

Naquele tempo de fotografias em preto e branco, hoje desbotadas,
Eu ouvia a vida cantar segredos em meus ouvidos quando acordava ao seu lado de madrugada.
Aqueles meus velhos vestidos rodados, aqueles velhos coupés que não andam mais,
Aquela velha simplicidade que ostentava toda a minha glória por tê-lo.

Sons de gaita e acordeon no velho rádio chiando, ovos e café, a frigideira que te alimentava
Naqueles dias de ronda, onde cheia de solicitudes eu lhe cercava, segura de sua inteira e completa satisfação.
Aquela minha segurança, outrora inabalável, é finita, meu amigo,
É ida e morta, como que aqueles velhos dias se foram: saíram pela minha porta e se fecharam após sua bagagem.

Ah... aqueles, sim, eram meus dias, meu amigo...

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Trilogia da Noite, Parte 1



Johann Stein tinha problemas: 28 anos, alto, cabelos escuros arrepiados com gel,
Bermudão e tênis de cano alto. Pulseiras e capuz.
No ipod uma batida lânguida, fones de ouvido deixavam o mundo do lado de fora.
"Antes que a fama me mate", dizia a música em repeat.
Johann caminhava pela grande cidade sem nome no breu da noite,
Oculto pelas asas da  graúna de José de Alencar.
Desviava das gotas de água que caíam se esgueirando pelas marquises assombradas dos edifícios adormecidos,
Ora aparecendo sob uma luz pálida de lâmpada de rua, ora virando sombra e bruma, qual fantasma se dissolvendo.

Passo após passo, mãos nos bolsos, pisando poças, avenida sem nome e sem fim adiante, passo após passo.
Vaporosos sussurros erguiam-se da escuridão da  noite: "antes que a fama lhe mate".
Um letreiro de neon feriu seus olhos à distância, em sete cores banhava aquele pedaço de noite voluptuosamente, sem decoro: "Rainbow". O fim do arco-íris. "É aqui", pensou.
A chuva agora desabava e foi assim, ensopado, capuz à cabeça, cabelos desfeitos que ele percorreu os últimos metros.
Foi assim que ele alcançou o final do arco-íris, no encalço de seu pote de ouro. Amanda Lane.
A porta era de vidro, mas nada se via lá dentro; era  visto, com certeza.
Um suspiro, um arrepio. Empurrou e entrou para a luz que banhou cada centímetro do seu ser...

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Sombria Chama do Desejo



Meus olhos semicerrados contemplam a escuridão dos teus olhos,
Envoltos pela baça luminosidade de velas silentes.
Cabelos desalinhados, sussurros de alcova, alguma voz exprimindo francesismos no velho rádio ao pé da cama.
Meus braços frouxamente enlaçados em seus abraços,
Minhas mãos mal tocando suas costas,
Meus lábios tremendo, como que tiritando de um frio imaginário.

Lençóis, ora alinhados, desfeitos, como desfeitos vagam meus pensamentos,
Um oceano de vaporosas sombras perpassam minha mente,
Brumas que cercam meu consciente: id, ego, superego,
Que fenecem como flores no inverno diante da escuridão de teus olhos.
Olhando, como que hipnotizado, abraços rotos, andrajos de uma história que se desfaz,
Pedaços de mim que se despem diante do toque morno dos teus lábios.

Abduzido para dentro da tua alma elétrica; aquecido, enlevado, mesmerizado: mesmo contra vontade, lançando fora gotas de juízo, escudos e máscaras,
Desprotegido diante de tua graça, como que entregue, servindo a quem vence, o vencedor. Vã tentativa de me desprender de teus braços, uma entrega por vontade,
Desmesurado salto para uma imensidão escura, desconhecida, volátil,
Pensamentos que me arrebatam e se vão. E com os olhos baixos, então, eu contemplo a sombria chama do desejo...

sábado, 6 de julho de 2013

Você, Minha Flor



Pensar em você é repetir-me, sem jamais, porém, entediar-me,
É tornar-me adrenalina: taquicardias, taquipneias, sudoreses, taquiarritmias,
É tornar-me excessivo, acelerado, apaixonadamente veloz em me alegrar.
Fluxos sanguíneos disputando o rush até minha cabeça, neurônios brilhando feito luminosos de neon,
Pupilas que se dilatam, narinas que se abrem ao aroma doce de sua pele quente.
Torno-me fisiologia exacerbada perante sua graça, que graciosamente me inebria,
Que me dá fome dos seus abraços, fome que dói e que me consome,
Fome que você sacia e, assim, me recompõe ao meu estado original.

Penso em você quando encontro fios do seu cabelo caídos pelos cantos da casa,
Quando estou perto e estou longe: mesmo quando estou trancado dentro de mim mesmo.
Essa paixão me corrói e me preenche, dá e toma, mata e revive,
Torna-me um ciclo, um karma, pelo qual encontro a ponta do novelo de Ariadne,
Pela qual encontro a saída do labirinto das horas,
Pela qual me desfaço e faço, pela qual sinto meu coração se iluminar feito uma tocha,
Incandescente desejo que sublima minha humanidade vã.
Você, minha flor mais linda, você: a forma mais sublime pela qual torno-me humano, afinal.

Beijo



Eu lhe beijo com lábios, mãos e olhos
E cada beijo que lhe dou me torna parte inseparável de você.
Entranho-me em suas vísceras,
Visceralmente me torno salivas e feromônios: obnubilações de consciência,
O entorpecimento dos sentidos desfeitos à sombra deste crepúsculo.
Torno-me seus lábios macios, seu nariz aquilino,
Arremesso-me, qual pesada pedra arroja-se fundo, no castanho dos seus olhos,
A brancura da sua pele me banha, qual ebúrnea chama,
Qual profusa luminosidade que me incendeia e consome.
Assim é nosso amor, resumido em um beijo:
A música que os passarinhos cantam quando lhe toco, o deslumbramento febril da noite jovem,
Jovialidades que a manhã não pode conhecer...

sábado, 27 de abril de 2013

Vinheta Quebrante



Quando eu ouço sua voz cantando na área de serviços,
Enquanto lava roupas,
Sinto minha alma amolecer, mulher.
Sinto ela dançar.
Ela dança e rodopia, embalada pelo pensamento das suas cadeiras,
Das suas voluptuosas curvas por baixo desse vestido caseiro
E dos seus dentes de pérolas, que nem Bizet conseguiu musicar melhor.

Minh'alma dança uma vinheta quebrante, cheia de calores e ardores,
Onde cada nota tem cheiro, e cheiro da sua pele,
Cheiro dos seus cabelos loiros presos em um coque frouxo,
Cheiro de paixão que você, mulher, enfiou aqui dentro do meu peito
E que eu nunca mais, depois disso, fui capaz dali tirar.

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Por Raphaël Crone

Vinhos e Colchas de Retalhos



Hoje eu acordei em meio a retalhos.
Uma grande colcha de retalhos dentro da minha cabeça confusa
Como que me sufocava, enquanto eu voltava à superfície.
Nela, pensamentos cosiam-se a pensamentos desconexos,
Atados, indolentemente, pela agulha afiada da memória.

Em algum lugar do quarto havia um rádio ligado
E ali os Scorpions tocavam, em repeat, "Still Loving You".
Olhei para o lado da cama e não te vi.

Cobri minha mente novamente com a colcha informe de memórias
E mais uma vez dormi.
Um mergulho no vinho da inconsciência,
Meu santo remédio contra a falta de você...

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Por Raphaël Crone

Estação das Bruxas



Madrugadas sombrias, onde as sombras tomam vida,
Onde elas se movem e dançam pelas paredes do quarto.
Fantasmagorias que confundem os olhos e entorpecem os sentidos,
Terrores noturnos.
Flashes de neon em meio ao breu da asa da graúna,
Olhos vermelhos na escuridão atrás da porta:
A estação das bruxas que chega quando o sino bate três após a meia-noite...

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Por Raphaël Crone

Antes do Amanhecer



A luxúria se move nas sombras.
Ela nasce do mais recôndito espaço que existe entre suas sinapses,
Furtivamente esgueira-se por entre as rugas de sua testa
E o único vislumbre que ela dá de sua chegada é o brilho momentâneo em seus olhos semicerrados.
Então, ela chega e me consome, me devora:
Pele, músculos, braços e interiores,
Dimensões de abrasador desejo vermelho onde me arrojo.
Depois ela se vai, silenciosa como veio, marcada apenas por um rouco arquejo,
Nebulosa como a fumaça do meu cigarro que permanece após o alvorecer,
Que surge e nos abraça em incandescente fúria...

Passagens que uma manhã não testemunhou.


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Por Raphaël Crone

Uma Dicotomia



E eu me contraponho em luz e sombras,
Pois minha escuridão me inunda como o sol invertido à meia-noite.
Dentre as louras madeixas que me pendem 
Tintas escuras me tingem e tonalizam: profundidades abissais,
Existencialismos mesurados, olhos que espreitam
E pés que se apressam em correr sob a capa da noite...

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Por Raphaël Crone

domingo, 21 de abril de 2013

Doce Queixa



Preciso ser intelectualmente desafiado,
Preciso ser estimulado a criar, a escrever, a destruir.
Preciso de Shiva, que ele me derrube, para que depois eu me reconstrua dos pedaços,
Preciso do sopro que queima e incendeia,
Para dos meus versos renascer como pensamento etéreo e mãos de físico ardor...

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Por Raphaël Crone

O Fio das Horas



Vivo naquele par de horas,
Onde eu me deito na cama
E minh'alma se deita dentro de mim e se aninha.

Onde divago sobre sentimentalidades e existencialidades,

Onde caio e me levanto, planando, sem peso;
Onde o poeta fala e o homem, respeitoso, apenas escuta.

Vivo naquele momento tênue,

Entre o êxtase e a melancolia,
Teimando em noticiar o que ninguém mais percebe.

Vivo naquele instante finito do qual são feitas as estrelas:

Embora sendo efêmero, deixa rastros de luz cá dentro,
Luz que, com o toque dos meus lábios, faço tua alma se iluminar...
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Por Raphaël Crone


sábado, 20 de abril de 2013

Amanhã



Nesta noite, depois de anos, num encontro fortuito, revi sua imagem.
Dobrando uma esquina zombeteira desta existência,
Deparei-me com seus olhos outra vez:
Um assombro, um estanque, um silêncio,
Que nada mais é que um tigre que cochila, atento, e o som que precede o rugido.

Em algum bar próximo, o trip hop de Cat Power ecoava abafado.
Teus olhos nada me diziam, os meus diziam tantas coisas,
Meu coração de metal derretido pelo calor da tua presença infeliz.

Toda a poesia, todo o doloroso desenlace que tivemos, ali, perante nós outra vez,
Todas as risadas, as nódoas de vinho na toalha rendada,
Todas as lágrimas exacerbadas, todo o turbilhão de sentimentos que consomem,
Toda a reverberação dos meus sentidos, que pulsaram feito toque de caixa.

Num minuto inesperado, deparei-me com o seu fantasma:
Desci ao inferno e retornei: um abismo que suplanta ego, id e superego.

Lembranças repassadas em cadência rápida,
Pequenos solavancos, pequenos terremotos em minha cabeça obnubilada por você:
Você deitado em meu colo naquele banco de praça, a insuspeita emoção que nos preenchia,
Célere em partir como foi célere em chegar. Uma peça do destino.

E pensar que quando pensava em você, eu era capaz de ouvir as cores dos passarinhos...
Manoel de Barros bem dissera, num dia ensolarado.

Um sorriso tímido e me fui. Deixei você atrás e não olhei novamente.
O trip hop melancólico de Cat Power ainda ecoando pelo beco escuro,
Os olhos marejados e a cabeça embriagada pela lembrança de vocêzinho:
Mas já não era pra ser e não seria: uma fortuita percepção e entendimento.

Carrego hoje ainda você na memória, imperecível.
Todo a francesa boemia que há em minha composição lhe reclama.
Carrego você como o fantasma, de mãos dadas com o meu, num sempiterno amanhã
E ao amanhã, esse deus de mistérios, lhe entrego uma outra vez ainda mais...

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Por Raphaël Crone

terça-feira, 9 de abril de 2013

Narciso



Ele se debruça sobre si mesmo: pele, cabelos, dentes e fascínios,
A contemplação arrebatada de sua própria figura o consome.
Ele é Narciso: vivifica a glória sublime da vaidade,
Espalha ao seu redor o aroma doce de sua voz cálida,
Hipnotiza os olhos de quem lhe olha, desejosos.
Os fios dos seus cabelos dourados são perigosos como as serpentes da Medusa,
Corações e vontades transformadas em pedra, pusilânimes;
Ele se debruça sobre o lago e suspira: um desejo descompassado o consome.
Ele se debruça sobre seu reflexo e se admira: êxtase,
E num minuto, nele submerge e pra sempre ali dorme...

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Por Raphaël Crone

sábado, 6 de abril de 2013

Pérfida



És pérfida, mulher, como Goneril o fora para com seu pai,
O tolo Rei Lear dos contos do Shakespeare sombrio.
Teus olhos são cheios de malícia; sugas, qual vampira, dos meus lábios a decência,
Dos meus olhos a coragem e do meu peito a virtude.
Bebo do teu vinho e fico preso, cativo dos teus apertos,
Sem forças para reagir e sem desejos para de ti me apartar.

És traiçoeira, mulher, como Jezebel o fora para com Elias,
Teus olhos esfumaçados e negros, ardilosos como o gato à espera da hora de pular.
A coroa que puseste sobre minha cabeça é muito pesada agora,
Mas dela, bem como de ti, não consigo me libertar.
Gostaria de fugir de ti, como fugira o profeta errante,
Mas nem fogo dos céus poderiam consumir o que em mim plantaste ali.

És perigosa, mulher, como Maria Monforte o fora a Pedro da Maia,
Teu colo arfante,  que carrega a beleza ebúrnea das louras
Delicia-me e mantem-me atado à corrente em tuas mãos.
Põe-me e dispõe-me como queres, e eu não resisto,
Pelo contrário, solicito de ti um momento de consternação:
Meu ramalhete de delícias por um cacho dos teus cabelos e um toque de tua mão.

És ardilosa, mulher, como para com Ló foram suas filhas no deserto.
De mim, queres prole abundante, como a areia da praia,
Onde cada grão é uma volúpia, brilho de chama e reflexo de gema rara e original.
Eu, como o velho na caverna, não resisto a ti, hebreia,
Aos teus dentes de pérolas e ao teu toque de lótus,
Tens-me, de boa vontade, entregue aonde me queres, liberto de mim, cativo do teu mal.

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Por Raphaël Crone

Espera



Hoje andei pela cidade procurando por você.
Rondei pelas vielas e becos, embaixo das marquises sonolentas,
Levantei os olhos até o alto dos edifícios,
Abaixei os olhos para o chão e suspirei.

Procurei você quando a noite caía indolente,
Procurei quando os luminosos de neon começaram a alardear seus produtos e cores,
Quando o vento tornou-se sussurrante
E quando uma sombra apressada cruzava a rua sem me ver.

Procurei você o dia todo em meu telefone,
Em meu messenger, em mil sabores,
Porém você ainda não me apareceu, a não ser por uma breve mensagem de manhã,
Depois da qual eu mantive vigília, esperançoso e vazio.

Espero por você como Romeu esperava Julieta,
Na sacada, escondido e fagueiro,
Com poesia nos lábios e olhos atentos,
Para o meu beijo nos seus lábios, nesta noite ainda, depositar.

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Por Raphaël Crone

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Subterrâneos



Minhas palavras para você florescem dos subterrâneos da minha existência:
Trazem aroma requintado, mesmo vindo de cá dentro, do meu Hades emocional, onde repousa Eurídice prisioneira.
Minhas palavras para você são brandas e ensolaradas, assim como Perséfone o era quando ainda era simplesmente Coré, antes de engolir um simples caroço de romã.
Carregam, como significado, minhas vísceras, minhas sinapses,
Meus neurônios entorpecidos pela fumaça da sua presença.
Você é erva hidropônica para o meu juízo e quando se aproxima eu me intoxico nesse delicioso êxtase de sensações.
Quando você me encontra com as mãos estendidas, em atitude de doação, perceba que tudo o que eu lanço aos seus pés vem daqui de dentro, do lugar mais recôndito que a minha consciência tem capacidade de compreender.
O que eu te dou é aquilo que guardo na retina, atrás dos olhos, entre os pulmões e entre as pernas, que tremem assim quando te vejo.
Tudo o que insuflo em você quando nossos lábios se tocam é emoção e vida;
É alimento do meu espírito que contigo divido, qual pão e vinho,
Azeite e candeia, peixe e água,
Qual prenda minha, singela prova irrefutável de todo o meu bem-querer...

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Por Raphaël Crone

"Para o Zé", de Adélia Prado



Eu te amo, homem, hoje como toda vida quis e não sabia;
eu que já amava de extremoso amor o peixe, a mala velha, o papel de seda e os riscos de bordado, onde tem o desenho cômico de um peixe — os lábios carnudos como os de uma negra.
Divago, quando o que quero é só dizer te amo. 
Teço as curvas, as mistas e as quebradas, industriosa como abelha, alegrinha como florinha amarela, desejando as finuras, violoncelo, violino, menestrel e fazendo o que sei, o ouvido no teu peito pra escutar o que bate. 
Eu te amo, homem, amo o teu coração, o que é, a carne de que é feito, amo sua matéria, fauna e flora, seu poder de perecer, as aparas de tuas unhas perdidas nas casas que habitamos, os fios de tua barba. 
Esmero. Pego tua mão, me afasto, viajo pra ter saudade, me calo, falo em latim pra requintar meu gosto:
“Dize-me, ó amado da minha alma, onde apascentas o teu gado, onde repousas ao meio-dia, para que eu não ande vagueando atrás dos rebanhos de teus companheiros”.
Aprendo. Te aprendo, homem. O que a memória ama fica eterno. Te amo com a memória, imperecível.
Te alinho junto das coisas que falam uma coisa só: Deus é amor. Você me espicaça como o desenho do peixe da guarnição de cozinha, você me guarnece, tira de mim o ar desnudo, me faz bonita de olhar-me, me dá uma tarefa, me emprega, me dá um filho, comida, enche minhas mãos.
Eu te amo, homem, exatamente como amo o que acontece quando escuto oboé. Meu coração vai desdobrando os panos, se alargando aquecido, dando a volta ao mundo, estalando os dedos pra pessoa e bicho.
Amo até a barata, quando descubro que assim te amo, o que não queria dizer amo também, o piolho. Assim, te amo do modo mais natural, vero-romântico, homem meu, particular homem universal.
Tudo que não é mulher está em ti, maravilha.
Como grande senhora vou te amar, os alvos linhos, a luz na cabeceira, o abajur de prata; como criada ama, vou te amar, o delicioso amor: com água tépida, toalha seca e sabonete cheiroso, me abaixo e lavo teus pés, o dorso e a planta deles eu beijo.

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Poema de Adélia Prado
Citado por Raphaël Crone

Lenha



Quando penso em você sinto meu coração se aquecer.
Por toda uma vida eu fui lenha fria, jogada no meio do mato, esquecida,
E, então num minuto, do nada, você me apanhou e de mim fez fogo restaurador.
Eu estava encharcado pelas chuvas do verão, rejeitado por aí
E você, ainda assim, me tomou em suas mãos e de mim fez calor e abrigo.
Em minhas chamas você aquece o seu corpo e eu lhe envolvo,
Faço pesadas gotas caírem de sua pele, pinto seu rosto de fuligem e carvão,
Marco você como aquele que acende o meu ego adormecido com o toque de suas mãos,
Com o sussurro de sua voz e com o veludo do seu olhar
E eu lhe aqueço com o calor dos meus braços, com a constância dos meus abraços
E o ardor do meu coração, sempre em chamas por você.

___
Por Raphaël Crone

Vaidade



Você é a minha vaidade, a fogueira onde, deliberadamente, me atiro e me consumo.
É por você que penteio os meus cabelos desalinhados pela manhã,
É por você que escolho a minha roupa mais bonita
E é por você que engraxo os meus sapatos.
Você é o meu luxo, o coração a quem tento impressionar com palavras e sorrisos,
Com elogios verdadeiros e momentos de abobalhada contemplação.
É você, meu bem, por quem meus olhos tímidos brilham,
Por você eles se destacam meio à multidão de olhares apagados e rasos.
Por você eu me perfumo e cruzo a cidade debaixo de chuva,
Chegando até você inodoro como água e tiritando de frio como se gelo estivesse dentro dos bolsos da minha calça.
Você é o meu encanto, o meu encantamento silencioso, que me traz um vislumbre de alegria quando aparece, de repente.
É a chama que me aquece no frio da madrugada e o reflexo do que há de melhor em mim, quando me olho no espelho:
Você é a doçura do meu sorriso, o arquejar do meu peito e a batida que foi pulada por meu coração maroto, que mesmo com minha falta de ritmo se envaidece por lhe pertencer, feliz.

___
Por Raphaël Crone

A Bacante



Quando você deita a brancura de sua pele sobre a minha, você não é mais mulher: é bacante.
Seus cabelos desgrenhados revoltam-se ao desejo do vento,
Suas garras vermelhas se afundam em minha carne suplicante,
Seus lábios intumescidos consomem o ar que meus pulmões, com muito custo, tentam reter.
O azul dos seus olhos me afogam onde não encontro praias ao redor
E o castanho dos meus lhe soterram, lhe enterram bem lá dentro de minha alma de poeta desnudo.
Quando minha língua toca a sua, sinto o saibro de sangue:
Ferro, hemoglobina, rubra torrente de vertigem, que se esvai das minhas veias rotas
E se misturam à sua saliva doce, mel que me embriaga como a cana que se destila.
Ouço os lençóis se esgarçarem sob nossa volúpia,
O arrebatamento das mãos, braços e abraços se esparramando como nanquim em papel alvo:
Marcas indeléveis que a memória não mistifica.
Rompemos a alvorada entre arquejos desfeitos, oníricas passagens que a manhã não carrega,
Momentos de lassidão que a libertinagem não traduz perfeitamente,
Lascívia inscrita em versos sobre nossa pele que profusamente se desfaz em gotas,
Porque quando você se deita sobre mim não é mais mulher: é bacante e eu sou seu Baco, embriagado com o vinho da sua paixão.

___
Por Raphaël Crone


Bailero



Dançamos juntos a velha dança dos anos:
Minha mão em sua cintura, seus braços enlaçando o meu pescoço.
Sinto o aroma que se desprende dos seus cabelos longos, luminosos como a aurora cortando a noite moribunda.
Vejo sua cabecinha recostada em meu peito, seus olhos em meu paletó lúgubre,
Seu vestido rodado volita ao sabor do vento, rodopios contidos e suspiros sufocados.
Meu cigarro queima vagarosamente no canto da minha boca e o fumo cinzento que se levanta baila também ao nosso redor.
Observo a nossa célere juventude cruzar as décadas
E num futuro não-tão distante você ainda recostada junto a mim, em um amparo solidário,
Quando minhas pernas vacilarem e quando minhas mãos tremerem inábeis.
Penso no bailado dos anos, no "bailero" inexorável que nos conduz sempre adiante,
Sem chance de voltar ou refazer o que foi feito com displicência.
Penso no bailar dos anos e sorrio: não envelheço enquanto espero pelo seu amor
E os meus anos se regalam recostados aos seus, pacata valsa do nosso entardecer.

___
Por Raphaël Crone

Jayne Mansfield



Os pedais daquele velho carro vermelho rugem sob os meus pés convulsos:
As árvores passam por mim e eu passo por elas em disparada,
Singrando as alamedas que levam à sua casa como se fossem oceanos de misteriosa amplidão.
O câmbio, obediente e preciso, lamenta timidamente sob minha mão:
Primeira, segunda, terceira... Jamais marcha ré.
O vento que entra pelas janelas serpenteia por meus cabelos,
Espalha papéis jogados no banco traseiro, assobia lascivamente teu nome para mim.
A pista molhada pela chuva me impulsiona em movimento de apoio:
Por um momento sinto até mesmo a direção resvalar, aquaplanagens.
Nada, porém, me faz perder o foco de alcançar você nesta noite.
Horas a fio nesta autoestrada, cada segundo que se passa um segundo mais próximo de chegar.
Me dirijo a você afoito, sem medo do tráfego e nem da escuridão:
Faróis atentos, olhos vidrados.
Me sinto como Jayne Mansfield, mas com um final feliz:
Um final nos seus braços, nos derradeiros minutos da madrugada que morre, deitado entre as estrelas dos seus olhos azuis...

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Por Raphaël Crone

Um Dever Amaríssimo



[ Eu amava Capitu! Capitu amava-me! Esse primeiro palpitar da seiva, essa revelação da consciência a si própria, nunca mais me esqueceu, nem achei que fosse comparável qualquer outra sensação da mesma espécie. Naturalmente por ser minha. Naturalmente, também, por ser a primeira... ] * [ Machado de Assis ]



Aquela carta que me mandaste ainda encontra-se sobre a escrivaninha:
O selo de um lugar que eu nunca conheci, o perfume com que banhaste as laudas ainda intocado.
Vejo os teus olhos no escuro daquela missiva e no envelope amarrotado posso delinear as linhas que sulcam teu rosto depois dos anos que se foram.
Não me dei ao trabalho de lê-la toda: vulgaridades;
Não me dei ao trabalho de respondê-la: "que vá ao diabo!";
Não me dei ao trabalho de desprezá-la: meu covarde apego à lembrança de tua aparição.
Como Bentinho procurou um dia, desesperadamente, os "olhos de cigana oblíqua e dissimulada" de Capitu.
Eu me recordei dos teus olhos de ressaca: baixos, de pálpebras indolentes,
Num verde de profundidade sem alcance e de cílios como molduras reverentes.
Doeu-me lembrar daqueles teus olhos - um momento brevíssimo.
Na brevidade do momento, ódio sorrateiro perfurou-me - uma reação naturalíssima.
Em meus ouvidos soaram fantasmagoricamente as notas de teu violino - um frustração dulcíssima
E a minha mão, que se apoiava na cadeira segurando meu corpo curvado, mostrou-me que ainda hoje cabia a mim amar-te à distância - um dever amaríssimo,
Tal qual dissera José Dias.
A urgência de pagar minhas contas vencidas: títulos de devoção desmesurada a ti, aos teus encantos sem raízes e aos teus olhos de enigmática fascinação.

___
Por Raphaël Crone

Paixão



Eu quero que você me adore, que me deseje com frêmitos de colérica necessidade;
Quero que precise de mim assim como precisa do ar em seus pulmões. Que me devore, com sangue e entranhas, que me entranhe.
Quero que se lembre de mim quando deita sua cabeça no travesseiro e que compreenda que sem mim você é mera fazenda incompleta, não vestido.
Eu quero que você me enrole, me fume, me inale, me injete:
Quero penetrar por seus alvéolos, quero adentrar suas artérias,
Rumo certeiro ao seu coração: átrios, ventrículos, hematoses e sentimentalidades fisiológicas.
Eu quero ser a sua poesia, quero ser a sua direção quando dirige
E quero ser os impropérios que você cospe nos momentos de irritação. Quero, mesmo, ser sua exasperação.
Quero ser o retrato impressionista do seu fim de tarde, as flores no jardim opacas e silenciosas.
E quero ser a calmaria de seu amanhecer de domingo.
Quero que você deseje o meu regaço para ali repousar a sua cabeça, quero que precise dos meus braços para completar os seus abraços.
Eu quero ser a sua tristeza de verão, quando o mundo flutua, cálido e entorpecido, pelos meandros soturnos das existências passionais.
Quero ser a sua prece, o seu hino nacional, o seu rosário,
Quero que você enxergue o seu paraíso em meus olhos e sinta o meu perfume no ar, aonde você for.
Quero que o vento lhe leve o meu beijo em forma de pensamento
E quero assim ser beijado por você enquanto fôlego houver em meu peito, que é teu.

___
Por Raphaël Crone

Laços de Sangue



Dizem que os laços de sangue jamais se rompem verdadeiramente;
Eles se esgarçam, fibras se rompem, tornam-se sujos e encardidos com o tempo, às vezes,
Mas o cerne jamais se arrebenta.
Hoje eu percebi que, de fato, laços de sangue resistem aos anos.
Resistem às intempéries, ao acinte, resistem à falta de diálogo e à compreensão equivocada.
Por muitos anos nós nos encontramos e nos desencontramos,
Aqui, acolá, palavras de desaprovação,
Impressões transformadas em palavras e palavras ditas sem sutilezas graciosas.
Nesta manhã ensolarada, eu, aos 30, você, aos 50, travamos uma espécie de armistício sentimental.
Não houveram desculpas e nem pretensão delas,
Mas tudo foi como quando eu tinha 5 anos e você me segurava no colo,
Como quando me levava para o trabalho para brincar com aquela máquina de escrever velha
E quando passeava comigo na garupa da bicicleta.
As veias rotas por onde derramamos nosso sangue por tanto tempo começaram a se fechar,
Nossas gotas de sangue se transformando em rios de torrentes profundas,
Onde poderemos, eu oro, afogar nossas diferenças, enfim...

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Por Raphaël Crone

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Gelo



Você é como uma pedra de gelo em minhas mãos:
Não consigo retê-la por muito tempo, não porque congela,
Mas porque me queima.
Minha pele se contrai ao seu toque e meus olhos esquadrinham a sua composição de mistérios;
Procuram ultrapassar a sua opacidade, fazê-la, ao menos, translúcida.
Procuro dar-lhe o calor dos meus lábios, mas você se desfaz matreira
E no momento em que eu a aproximo do sol que guardo em meu peito, você se derrete toda sobre mim,
Inundando-me todo, voltando a ser átomos dispersos e torrente finita de emoções.

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Por Raphaël Crone

terça-feira, 2 de abril de 2013

A Roda do Ano




Naquela escura noite de outono, eis que a Mãe desce ao submundo para resgatar o seu Consorte,
O Deus Cornífero, tomado pelos braços da morte repousa inerte.
Nas terras do Hades, a Mãe retoma o poder sobre a morte e uma criança passa a viver em seu ventre,
A esperança da Terra, o desejado pelas nações.
Sons de harpas e vozes ecoam pela noite, fogueiras são acesas,
A esperança de todo um povo descansa nas mãos da Mantenedora.
"Aqui está o meu coração, eu o entrego a você,
Leve-me contigo através desta terra..."
O véu que separa o mundo dos vivos e dos mortos se torna tênue, frágil,
Lanternas são levantadas em meio às florestas de carvalhos e danças celebram o sacrifício do Deus Pai:
O Samhain anuncia o inverno que se aproxima, onde a noite fria guardará os corações dos homens em seu regaço...

Eis que no auge no inverno, em pleno solstício, o Deus renasce como um bebê,
Indefeso, esperado, desejado, acarinhado pelos braços de sua Mãe Imortal.
"Estes são os meus sonhos, tão simples, tão poucos,
Sonhos que carregamos nas palmas das nossas mãos..."
Na noite mais escura, em Yule, o Pai vem ao mundo para renovar as esperanças dos homens;
A neve e o vento agreste lhe dão boas-vindas, o branco impera e a escuridão se prolonga.
Árvores nuas, rios congelados, a vida em estado de hibernação, aguardando um novo recomeço.

O Deus-criança começa a crescer, espargindo sua graça pelo mundo:
A terra começa a recuperar-se do inverno que se despediu.
O sol começa a surgir tímido e o vinho e as flores celebram o despertar dos campos:
Uma nova primavera se aproxima.
Em Imbolc as vozes começam a se erguer rejubilantes,
O aroma dos jasmins inunda o ar e os tambores são despertados pelos homens com esperança renovada.
Brigit, lembra ao mundo que sua tríplice face carrega a sabedoria da vida:
Nos braços da Donzela, o mundo é acariciado, no ventre da Mãe o mundo é partejado e fertilizado
E nas mãos da Anciã, o mudo e tudo o que nele há, repousarão afinal.

A primavera espalha pelos campos flores de cores mil, aromas doces de saudades que se dissipam.
No primeiro dia de sua chegada, em pleno equinócio, eis que a terra desperta,
Preparando-se para dar frutos em centenas e milhares para os que dela esperam sustento.
A fertilidade da vida é celebrada, ovos pintados e coelhos acompanham a gentil Eoster
Em sua caminhada santa, abençoando aqueles que buscam renovação e abundância.
Ostara nos ensina a trabalhar pelo muito, mesmo com o pouco em mãos,
Pois aquele que no pouco é fiel, no muito será assentado em glória.

Eis que a roda continua girando e os primeiros raios do sol forte inundam os olhos dos homens:
Nas noites cálidas que prenunciam o verão, as fogueiras de Beltane são acesas nos campos.
O mais alegre dos Festivais derrama pelo chão os fluídos que fecundam o solo,
Fazendo-o glorioso e frutífero, qual ventre da Mãe aberto à vida, de onde ele nasce e que a ele consome.
A energia e a luz de Bellenos se avolumam, o Deus cresce em graça, força e sabedoria
E enche a Terra com a sua glória sempiterna.
O pão para os homens, que lhes sustenta a carne e o vinho, que lhes alegra o espírito é concedido,
Gritos de felicidade cortam o ar das noites sem fim.

Eis que o Pai alcança o auge de sua glória, o Deus agora é radioso novamente,
O sol está a pino, no meio do céu e tudo é inundado de dourado e vermelho.
O verão se anuncia e chega com todo o seu esplendor, onde os corações dos homens contemplam satisfeitos as obras de suas mãos.
A abundância e a exuberância são os encantamentos regentes no solstício e o Deus agora, pai dos grãos e da fartura, espalha pelo solo sua generosidade.
O encontro de amor do Pai e da Mãe em Beltane começa a render frutos e a graça e a paz alcançam os homens que desejam a justiça.

Llughnasad se apresenta, anunciando o outono que se está a caminho,
Abençoadas sejam as foices que ceifarão os campos e colherão as messes da terra!
O amor da Mãe e a benção sem-par do Pai fecundaram o mundo e a Primeira Colheita é celebrada com cantos e júbilos.
Das primícias, os Deuses recebem o melhor punhado
Em agradecimento pela generosidade, em sinal de desprendimento e gratidão.
Os campos já estão marrons, prontos e chamam aqueles dispostos a deles retirar os preciosos frutos de mais um ano: os céus alimentando os homens por mais uma vez.

A preciosa cornucópia está agora cheia: o chifre repleto de fartura e cânticos de louvor;
O descanso da labuta é chegado e a celebração é farta e ruidosa.
Capas ululam contra o vento em Mabon, homens que vem e vão floresta adentro e afora,
Os mantimentos estocados para o novo inverno que está a caminho.
O Deus começa novamente a definhar, a roda está quase completando seu ciclo
E em breve ele deve novamente ao submundo retornar.
A Deusa pranteia seu esposo e as lágrimas de sua tristeza molham a terra uma vez mais.
Novamente ela descerá ao hades, para que por amor ao mundo, uma criança seja gerada
Na noite fria de Yule, trazendo esperança aos homens de bem e fartura aos homens de boa-vontade
Até a consumação dos séculos enfim...

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Por Raphaël Crone

Blecaute no Paraíso



Me sentia seguro, inalcançável;
Minhas pernas ágeis corriam e corriam, dia e noite.
Sentia meus pulmões se inflarem e desinflarem freneticamente,
Gotas pesadas de suor me escorrerem pelo pescoço,
A camiseta molhada pelo meu ego que me ensopava a pele.

Via a estrada adiante como irrisório pedaço de mundo,
Meu Éden iluminado pela energia que de mim se desprendia.
Tudo o que estava além das montanhas seria conquistado pela minha glória
E nada ou ninguém me convenceria a deixar para trás minha ousadia.

E então, numa curva, você apareceu: um susto!
Despretensiosamente você sugou de mim o desejo de me afastar
E eu diminuí a marcha, de taquicardia a uma bradicardia descompassada:
Meu coração arrítmico em suas mãos.

Você me parou e eu ainda não consigo fugir hoje,
Um blecaute no meu paraíso, a luz que irradia de você agora é a minha estrela,
Sol radiante, que me faz mero refletor da sua graça,
Graça sua, que hoje me faz viajar em sua luz fantástica...

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Por Raphaël Crone

Siempre Me Quedará...






"Como dizer que me parte em mil os cantinhos dos meus ossos?
Que caíram os projetos da minha vida agora que tudo era perfeito?
E algo mais que isso, me sugou o cérebro e me diminuiu o peso
Deste meu corpinho, que se transformou em rio...

Me custa abrir os olhos e o faço pouco a pouco
A menos que você esteja por perto.
Eu guardo a sua lembrança como o melhor segredo,
Que foi doce te ter aqui dentro...

Há uma parte de luz nesta escuridão para me tranquilizar,
O tempo todo calma, a tempestade e a calma...

Para sempre ficará a voz suave do mar,
Voltar a respirar, a chuva que cairá sobre este corpo e molhará
A flor que cresce em mim e voltar a rir
E a cada dia, num momento, voltar a pensar em ti...

Versão: Bebe
Composição: Bebe

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Por Raphaël Crone

Ilusión





Versão: Julieta Venegas e Marisa Monte
Composição: Julieta Venegas

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Por Raphaël Crone

Sem Você





"Tudo o que eu quero eu tenho: dinheiro, notoriedade, rivieras.
Eu até acho que encontrei Deus nos flashes das suas belas câmeras...
Belas câmeras... Querido, eu sou glamourosa?

Olá? Olá? Será que você consegue me ouvir?
Eu posso ser a sua boneca de porcelana, se você quiser me ver cair...
Garoto, você é um vício, seu amor é letal,
Diga-me que a vida é bela...
Todos pensam que eu tenho tudo, mas eu não sou nada sem você;
Todos os meus sonhos e todas as luzes
Nada significam sem você...

Versão: Lana Del Rey
Composição: Lana Del Rey e Sacha Skarbek

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Por Raphaël Crone

No Meu Cantinho de Mundo



[ Como as azeitonas suam azeite,/ Meu corpo desliza sobre a tua pele./ Durma, homem, tranquilo no Jardim do Éden,/ Onde a umidade desprende um sabor de mel... ] * [ Bebe ]

[ Que o vento te leve o meu beijo em forma de pensamento... ] * [ Sarah Brightman ]


Você consegue ouvir a minha voz de tão longe?
Consegue ouvir o ressoar violento das minhas memórias aqui dentro da minha cabeça?
Consegue perceber que as lágrimas que derramo ainda carregam o mel dos teus lábios?
Pode vir me resgatar de mim mesmo, aqui, onde tudo é nebuloso?
Olá, olá? Você pode me ouvir?
Adormeça em meus braços ao anoitecer e sonhe comigo,
Deixe-me penetrar em sua pele por osmose, deixe-me saciar esse meu frêmito de incorporar-me às suas entranhas para que ninguém jamais nos separe.
Deite-se aqui na minha cama e deixe-me, sorrindo no escuro, pensar que de todos os lugares do mundo onde você poderia estar,
Você está aqui no meu cantinho de mundo, entre os meus braços,
Dentro dos meus abraços.
Dentro aqui, onde a lâmina fria da saudade não poderá mais penetrar...

___
Por Raphaël Crone

Uma Vez Mais





"Nada eu devo fazer, em lugar nenhum eu deveria estar,
Ninguém em minha vida a responder, a não ser eu.
Não mais luzes de velas, não mais céus de crepúsculo,
Ninguém para estar perto enquanto o meu coração lentamente morre...

Se eu pudesse abraçá-lo uma vez mais,
Como nos dias em que você era meu,
Eu olharia para você até ficar cego,
E então você ficaria aqui...

Eu faria uma oração cada vez que você sorrisse,
Embalaria os seus momentos como a uma criança,
Eu pararia o mundo, se apenas eu pudesse
Abraçá-lo uma vez mais..."

Versão: Laura Pausini
Composição: Richard Marx

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Por Raphaël Crone

Cinzas



Aquela lareira se apagou há dias
E eu continuo sentado naquela poltrona em frente a ela, inerte.
Cinzas das nossas fotografias estão ali idas e mortas;
Copo e garrafas vazias espalhados aos meus pés.
O mesmo som de Leonard Cohen naquela vitrola cretina
E eu sem forças demais para fazê-lo se calar.
"Chelsea Hotel n°. 2" e "Suzanne" me fazem sentir pontadas mais dolorosas.
Essa falta que você me faz é uma dor pungente:
Já não como, já não falo, já não me cuido.
Apenas espero por alguém que não volta e apenas me abandono
Ao sutil movimento de respirar, às lembranças das carícias depostas, às cinzas das horas sem você...

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Por Raphaël Crone

Drama



[ Olá? Olá? Você pode me ouvir?/ Posso ser a sua boneca de porcelana,/ Se você quiser me ver cair.../ Todos acham que eu tenho tudo,/ Mas eu não tenho nada sem você./ Todos os meus sonhos e todas as luzes/ Significam coisa alguma sem você... ] * [ Lana Del Rey ]



Permaneci em silêncio após aquela porta que você cerrou atrás de si,
Uma fina lágrima escorrendo pelo rosto,
Os olhos arregalados e um tremor me percorrendo o corpo.
Um arfar, um arquejo e uma mão levada à boca: o abandono.
Olho para o telefone que não mais irá tocar, mudo;
Olho para o nosso quarto, uma cama vazia e sem sentido agora;
Olho para a casa: bruta, insípida e doravante habitada pelo seu fantasma,
Pela memória de você.
Vou até a cozinha, lentos movimentos automáticos,
Ouço aquele rádio que tantas vezes cantou para nós dois,
Onde Frank Sinatra e Etta James faziam nossos shows particulares:
Lana Del Rey canta agora "Without You". Fina ironia dolorosa.
Um pouco de whisky puro em um copo de vidro,
Um olhar desamparado à janela de cortinas caprichosamente semi-cerradas.
Um segundo:
Eu deitado no chão da cozinha, contorcendo-me  em soluços incoercíveis,
A torrente das lágrimas arrebentando as represas dos meus olhos,
O copo quebrado e um corte não valorizado em minha mão.
Sangue e lágrimas, físicas e emocionais, o desejo de não mais ser doravante.
O drama ao qual você me empurrou, o vórtice descendente ao qual me entrego,
A incerteza do que serei ou não serei,
Arroubos sentimentais dos anos 50 em minha cozinha nesta manhã...

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Por Raphaël Crone

Paraíso Escuro



[ Toda vez que eu fecho os meus olhos,/ É como um paraíso escuro:/ Nada se compara a você/ E eu temo que você não esteja me esperando do outro lado./ Eu não quero acordar esta noite... ] * [ Lana Del Rey ]



Olho ao meu redor e contemplo um paraíso silencioso,
Tímido, borrado e escuro,
Onde formas virtuosas se insinuam e se retraem,
Onde as venturas são contidas e serenas e os regozijos são medidos, nunca para mais.
Quando você chega, meu paraíso se torna dourado,
Como o mel que desliza pelos cantos da sua boca voluptuosa:
Tudo é solar e um luxo radioso de sensações me inunda todo.
Quando você sorri, meu paraíso é verde,
Como o frescor das folhas de primavera e como a refrescância do aroma de eucaliptos.
Quando você me beija, meu paraíso é vermelho,
É quente como o inferno e chamas se levantam por entre nossos cabelos revoltos:
Vigílias cevadas em lascívia e frêmitos paradoxais de santidade.
Quando você se afasta, meu paraíso é azul,
Uma sombra tênue o cobre e ele se torna melancólico,
Como uma canção de veludo que me acaricia os ouvidos e ao mesmo tempo os deixa moucos,
Inertes e cheios de expectativa por sua nova aproximação.
E então você se vai e meu paraíso se torna novamente negro,
Escuro, tímido, borrado e silencioso,
Um paraíso sombrio que ainda existe dentro de mim,
Onde a beleza permanece, mas com os olhos toldados,
Onde eu me abandono, indolente, à sua lembrança,
Resignando-me de que o paraíso, este não é para mim...

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Por Raphaël Crone

segunda-feira, 1 de abril de 2013

You Belong to Me...




Versão: Carla Bruni
Composição: Chilton Price, Pee Wee King e Redd Stewart

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Por Raphaël Crone

O Menino dos Óculos Grandes



Estava sentado naquele sofá marrom, olhando pro teto
E ouvindo "You Belong to Me" na voz da Carla Bruni.
Os acordes nostálgicos daquele violão
E o ronronar daquela voz me entorpeciam.
Meio dia e quinze, segunda-feira, horas de lassidão
E, de repente, você apareceu no meu messenger:

"J: -Hey there
R: -Hi, dear
Como está?
J: -Bem!
 E você?
R: Bem também
J: -Que bom!
R: =D
J: -Bem, entrei só pra saber de você..."

Um pouco depois você se foi e eu fiquei ali deitado,
Ainda ouvindo a mesma música,
Pensando em nós jogando post it ontem para afastar meu tédio,
Pensando nos seus óculos grandes (que eu disse parecerem com os da minha avó!),
No seu cabelo de louco e nos meios alternativos pelos quais a vida nos faz sorrir.
Souvenirs delicados de poética contemplação...

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Por Raphaël Crone

Quando Hoje Abri Meus Olhos



Já se passaram muitos anos, mas hoje acordei e me lembrei de você.
Olhei para a estante e lá vi aquele livro que você me deu enquanto aguardávamos a sua apresentação na universidade,
"Os Cadernos de Malte Laurids Brigge", de Rainer Maria Rilke.
Lembro-me bem de quando você o pôs em minhas mãos e abrindo a primeira página ainda vejo lá a sua dedicatória:
"à mon garçon Raphaël, qui m'a fait sourir..."
E embaixo do título ainda continuou: "mô, eu acho que escrevi errado, mas você me faz sorrir de qualquer jeito!"

...

Lembro-me de quando fui visitá-lo, das horas dentro de um ônibus
E da pavorosa estrada sem asfalto, viagem onde os segundos eram horas venturosas regadas pela expectativa de você.
Você me esperando na rodoviária, nossos almoços risonhos,
O furor que nos abrasava em qualquer lugar: escadas, becos, adrenalinas rompendo a lei.
Lembro-me dos nossos silêncios, lembro-me dos nossos ciúmes,
Lembro-me das discussões com os olhos e dos reatamentos com as bocas.
Lembro-me de nossa juventude sônica.
Sorrisos espontaneamente dissipados pela corrente do tempo atroz...

O fato é que não te fiz sorrir para sempre e os dias foram céleres.
Abro o guarda-roupas e lá encontro aquela bermuda cáqui que era sua
E abro o armário da cozinha e lá encontro aquela caneca verde de porcelana.
Muitas lembranças...
Lembranças que hoje não me causam nenhuma dor, apenas muita nostalgia.
O passar dos anos e das horas, inexoráveis.
Sorrisos e promessas que, conforme Shakespeare já advertira antes, jamais puderam ser mais que tênues promessas de eternidade...

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Por Raphaël Crone

Marie de Paris



J'adore a silhueta do seu corpo que se esparrama por entre os brancos lençóis da alcova,
Sua pele ebúrnea de princesa e seus cabelos loiros que rodeiam sua cabeça de meretriz.
J'adore mais ainda o branco dos seus dentes e o vermelho das maçãs do seu rosto, timidamente afogueadas;
O sorriso malicioso que vaza por entre seus lábios e o verde dos seus olhos ambíguos.
J'adore as canções que eu toco para você naquele violão envelhecido
E os cigarros que fumamos, brincando com a fumaça que dança sobre nós.
J'adore, Marie, os beijos cheios de significado que nossas bocas trocam,
A conversa silenciosa que travamos e as filosofias ordinárias que desfiamos durante a madrugada,
Regadas a champagne e risadas desatadas.
J'adore a liberdade exalada das suas narinas, a poesia que furtivamente foge dos seus dedos e o arranhar das suas garras vermelhas em minhas costas nuas.
J'adore o contorno das suas coxas e a forma como você trança os cabelos quando se levanta,
Trança frouxa e fios desalinhados, eu atrás de você, um beijo na nuca e um espasmo.
J'adore Marie comme j'adore Paris, comme j'adore Dior, comme j'adore Voltaire,
Efervescências físico-emocionais,
Amores boêmios e noites de venturas sem fim...

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Por Raphaël Crone

Abissais, n°. 2



[ Veja as pirâmides ao longo do Nilo,/ Veja o sol nascer numa ilha nos trópicos,/ Apenas se lembre, querida, todo o tempo você pertence a mim,/ Veja o mercado no velho Algiers,/ Me mande fotografias e alguns souvenirs,/ Apenas se lembre quando um sonho surgir: você pertence a mim./ Eu vou estar tão sozinho sem você,/ Talvez você esteja solitária também e triste.../ Voe sobre o oceano em um avião prateado,/ Veja a selva molhada pela chuva,/ Apenas se lembre: até você estar em casa, novamente, você pertence a mim...  ] * [ Carla Bruni ]



Caminhando, caminhando pela noite, sem tochas e nem velas
Você me procura e você me encontra
Contemplando o oceano, violão às costas,
Místico garoto.
Então você diz que me pertence, que temeridade!
Eu fui seu amor, eu fui seu torpor, eu fui sua orgia,
Mas hoje não há pertencimento verdadeiro,
Não há doação perene, há apenas temporária cessão:
Superficialidades.

O oceano nos contempla, plácido e intimidador.
Profundo.
Você o fustiga com uma pedra: impassível ele segue.
O aroma dos seus cabelos sussurra ao vento obscenidades
E elas não são capazes de me dizer palavra que me importe.
Você diz novamente que me pertence
E eu mais uma vez digo que é bobagem,
Não há entrega permanente, há um aluguel sentimental,
Novas superficialidades.

Mergulho, com violão às costas e você ficando para trás.
Acordes aquáticos, noturnos, salgados e misteriosos
E vou mais fundo ao meu encontro:
Mais abaixo, mais adentro, tornando-me abissal,
Como abissais são as nascentes da vida e os fins para onde ela se dirige;
Nascentes que evisceram-se em todas as nuances do ego.
Não te vejo mais na superfície e prossigo: meu mundo ainda submerso
E agora muito mais que isso: abissal...

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Por Raphaël Crone

domingo, 31 de março de 2013

O Que Você Vê...



Quando você me conheceu eram olhares ternos e abraços,
Beijos e carícias, promessas de eternidade.
Os anos se passaram e hoje você não me quer:
Quer uma nova pessoa com o meu formato.
O meu cabelo agora é muito comprido,
Minhas roupas muito diferentes e a minha calça muito rasgada.
Minhas meias são muito listradas e meus óculos, tortos.
Eu sou quem você enxerga e é isso que você tem em mãos.
Acredite em mim, quando você tenta me mudar você está procurando por problemas
Eu posso ser um estouro na forma do alternativo desalinho que hoje te incomoda...

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Por Raphaël Crone

Tia Mariana



Lembro que eu era criança e nos fins de semana minha mãe me levava para visitar a Tia Mariana.
Ela estava sempre com um sorriso no rosto, embora fosse um sorriso triste.
Me abraçava, me paparicava, eu adorava a Tia Mariana,
Mas por causa de um câncer um dia ela morreu.
Eu não era grande o suficiente para entender o que era a morte
E eu segui esperando vê-la novamente. Em vão.
Hoje eu sou grande e entendo, eu não a vejo com os olhos,
Mas posso senti-la quando ouço o Fagner, posso senti-la quando me lembro da sua melancolia,
Posso senti-la quando olho para o meu coração...

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Por Raphaël Crone

Eletrônico



O meu amor é eletrônico, ele necessita ser alimentado
Em alta voltagem, de forma sistemática e ininterrupta,
Ele precisa de cabo e conexão com você.
Ele gera faíscas e se aquece, causa interferências ao redor
E faz com que ruídos metálicos e monótonos preencham os seus ouvidos distraídos.
Meu amor é perigoso como a eletricidade que o alimenta
E quando você se vai ele entra em curto circuito,
Apagando e sendo apagado, minutos de escuridão e silêncio.
Blecautes: coisas de uma alma não tão moderna assim...

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Por Raphaël Crone

Fulgaz



Talvez nós fôssemos muito jovens para entender
Que os minutos são preenchidos com um luxo radioso de sensações
Passageiras como a noite,
Duradouras como a memória.
Procuramos a longevidade dos segundos
Ignorando que em sua natureza eles são efêmeros
E que as cicatrizes indeléveis deixadas cá dentro são as únicas testemunhas de sua existência fulgaz.

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Por Raphaël Crone

Aqui Comigo



[ Your body was tan and your hair was long/ You showed me your smile and my cares were gone./ Falling in love I filled my soul with frights,/ You said "come on, baby, it'll be alright..."/ Cause there's another world we're living in tonight... ] * [ The Killers ]



Eu passeava com você noite adentro e noite afora,
Te levava pela mão enquanto passávamos por entre os becos,
Por entre os parques adormecidos,
Por baixo das pontes observadoras e impronunciáveis.
Você não dizia palavra e assim eu gostava,
Pois nos comunicávamos por simples olhares, pensava eu.
Não havia som, mas havia uma verborragia telepática,
Tanto que muitas vezes eu nem conseguia entender tudo o que me era dito.
Quando você se cansava de caminhar, eu te carregava,
Acendia os seus cigarros e acariciava os seus cabelos longos e luminosos.
Nunca víamos nenhuma outra viv'alma por perto,
Éramos sempre você e eu e assim eu gostava,
Pois ninguém mais era necessário em nosso universo particular.
Seu vestido branco revelava as formas esguias dos seus seios e da sua cintura
E eu sorria, vestido de preto, chapéu e sobretudo, sua mão na minha.
Eu me vestia de você, da etérea juventude que a rodeava
E você se vestia com a minha pálida melancolia,
Onde sorrisos eram breves e olhares inflamavam-se em efêmera combustão.
As árvores nuas passavam por nós e a lua boiava no céu,
Envolta pudicamente por nuvens escuras, como Cristo na cruz
Foi envolto, para que sua vergonha não se mostrasse à multidão.
Nosso amor era silencioso e tranquilo, macio como a bruma,
Nebuloso como o algodão e doce como um beijo que desperta.
Passavámos pelas estradinhas mortas e por ali seguíamos,
Colhia uma florzinha que crescia à beira do caminho e com ela adornava seus longos cabelos claros.
O cenário agreste era convidativo e a estrada desdobrava-se serena,
Minha mão na sua mão, minutos de euforia contida.
Seguimos e conseguimos chegar até o fim da estrada, mas quando olhei para trás
Não te vi mais ali. Onde estava sua mão agora?
E a flor do seu rosto e a flor dos seus cabelos e o aroma do seu perfume?
Desfez-se a fantasmagoria e eu entendi: acendi um outro cigarro,
Abaixei a cabeça e prossegui, sem a sua mão na minha mão,
Mas seu sorriso cá dentro afastando meus temores,
Certo de que a sua lembrança se materializaria uma vez mais quando a noite fosse alta,
Aqui comigo, vestida em minha abrasadora melancolia...


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Por Raphaël Crone

sábado, 30 de março de 2013

Desencontro



Eu te avisto e você se desvanece,
Como a bruma se evapora e some,
Dança diante de mim como a névoa insone
E sobre mim se deita e eu te beijo e... onde?

Possibilidades insinuadas, pretendidas, certas,
Nunca realizadas por futuros ébrios,
Eu aqui, você acolá, "adonde?",
Por onde anda que não mais te encontro?

E quando eu penso que te agarro e prendo,
Você se esquiva, uma sombra informe
E eu salto atrás e te perco, que momento!
E com teu beijo no vento minh'alma dorme...

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Por Raphaël Crone

Matemática



Sento no jardim e contemplo a matemática do mundo:
O dois tem mais valor que o um sozinho
E o um sozinho anseia desesperadamente por ser dois.
Ao mesmo tempo o dois precisa bipartir-se para existir,
Pois o individual impera e ele alimenta a dualidade.
Não há longevidade se o dois não se faz um por alguns momentos
E se o um não se compromete com o outro, feito dois;
Não há possibilidades de duração.
Essa é a sabedoria do mundo, o que sustenta a órbita das existências,
Elipses e giros acrobáticos, uma matemática sentimental.

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Por Raphaël Crone.


O Moço Loiro



Entre os fios dourados, meu Sol escorre como lava:
Quente, intocável, consumindo o que encontra e o que respira.
A juventude se mantém célere em sua parábola:  anos se vão e o auge logo se torna ocaso,
Duas pontas que se completam com um arco, ápice e base.
O que se esconde por baixo dos fios de ouro, meu rapaz?
Que turbilhão de existencialidades se oculta por sobre a quietude exterior?
Que segredo o olhar revela e a mão guarda?
Enigmas que a forma exterior não desvenda, uma canção tocada em surdina:
Breves, mínimas e fusas, profusão de significados ocultos por sob a cabeleira loira do rapaz.
O que não se vê é mais do que aquilo que tão maciçamente se mostra sendo.

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Por Raphaël Crone

Tinta e Papel



Como o papel que se dilui em meio à tinta, manchando-se de negro nanquim
Que não sai dali nunca,
Eu me diluo em você, me mancho e me enegreço, envelheço perante sua memória.
De loiros a grisalhos, de grisalhos à encanecida coma
E de rija à flácida pele, eu vejo os dias passarem enquanto aguardo o seu retorno,
Observando as folhas caírem no outono e renascerem na primavera, 
Sem sinal de primavera em mim.

Mergulho no lago plácido que existe cá dentro de mim,
Mergulho de corpo todo e em meio às águas frias eu tento despertar;
Depois de muito afundar eu volto à tona,
Mas a paisagem ainda é cinzenta e nebulosa,
Não percebo ainda diferença entre o que foi e o que é.
Procuro dilatar-me em meio à minha alma líquida,
Viajando pelo astral qual flecha atirada por arco retesado: ainda assim viajo lentamente.

Não vejo sinais de você, não vejo cidades em pé,
Tudo é ruína e melancólica quietude,
É poema obscuro e sombras de assombrações, tudo é vazio.
Ecos não ressoam aqui e cores não emanam da auréola sobre meus cabelos.
Não há lanternas acesas na floresta e não há sussurros que me guiem,
Tudo é tinta diluída em papel e papel conspurcado por tinta,
Tudo é ilusão. Vago, pois, cego e vão, em meio à vã ilusão da minha madrugada.

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Por Raphaël Crone