quinta-feira, 19 de março de 2009

De Noites

---
[ São tempos difíceis para os sonhadores. ] * [ Jean-Pierre Jeunet ]


Hoje queria morrer, nem que não fosse de verdade.
Queria me esquecer do mundo e me lembrar um pouco de mim,
Do menino que fui e do homem que sou.
Queria me perder em meio a mim mesmo.
Uma confissão indecente.

___
Por Raphaël Crone.

Um Medo.

---
[ Passava os dias ali, quieto, no meio das coisas miúdas./ E me encantei. ] * [ Manoel de Barros ]

[ Quando se ama não é preciso entender o que se passa lá fora,/ pois tudo passa a acontecer dentro de nós. ] * [ Clarice Lispector ]

[ Solução melhor é não enlouquecer mais do que já enlouquecemos,/ não tanto por virtude, mas por cálculo./ Controlar essa loucura razoável:/ se formos razoavelmente loucos não precisaremos desses sanatórios/ porque é sabido que os saudáveis não entendem muito de loucura./ O jeito é se virar em casa mesmo,/ sem testemunhas estranhas./ Sem despesas. ] * [ Lygia Fagundes Telles ]



No meio das coisas miúdas me encantei.
No meio da inexistencialidade do que é belo e do que é terno.
Julgava que o beijo que lhe dei fosse o princípio da eternidade
E embora ainda me beije hoje, tenho medo por vezes.
Embora você segure a minha mão, tenho ciúmes.
Embora me prometa amor e referida eternidade, não me satisfaço.
Preciso de bebida forte e de sobriedade.
Preciso ajuntar minhas coisas miúdas, minhas partes de mim
Que eu mesmo lancei ao vento e que outros despedaçaram.
Preciso me inebriar com a taça de um vinho que não conheço.`
Preciso amar-me e perdoar-me, preciso de misericórdia.
Preciso de indulgência e salvação.
Tenho medo por muito amar, por que ninguém nunca muito me amou.
Tenho medo de beijar-lhe com os lábios da alma, por que ninguém nunca me concedeu mais que um beijo de carne.
Tenho medo de julgar-me afortunado, porque a fortuna não é para todos os que a querem ter.
Naquela noite eu beijei-lhe com lábios e lágrimas.
Eu beijei-lhe olhos, orelhas, face e coração.
Eu beijei-lhe com a comoção que me tomava,
Com o êxtase apático e recatado de minhas sensações.
Tenho medo de ser homem, neste momento, acredite.
Eu, que de tão valente, matei leões imaginários e medusas.
Tenho medo de ser homem agora, queria ser menino.
Deitar-me sobre a cama e não imaginar mais que uma bola e um livro no dia seguinte.
Desejava não saber que o mundo é mais que um livro e uma bola.
Ao mesmo tempo, amo-lhe. Este talvez seja o problema:
Amo-lhe tanto que tenho medo de tanto amar.
Tenho medo de amar sozinho ou amar demais.
Tenho o medo de quem já não é mais menino. Ele dói. Machuca.
Ele me assalta no meio da noite, ele me ameaça.
Seja ele real ou inventado, temido por não existir,
Mas por ser possibilidade, que de tão palpável, toma forma e corpo.
Toma voz própria e ameça, como o silvo da serpente.
Queria dormir como menino e temer somente o vento da noite.
Mas tenho medo de homem. Uma virtude que eu nunca desejei.

___
Por Raphaël Crone.