sexta-feira, 5 de junho de 2009

Passagens da Manhã.

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[ Oh, Mrs. Dalloway, always giving parties, to cover the silence... ] * [ Virginia Woolf ]


Eu me levanto pela manhã seguro por uma mão caduca,
Mão de inexplicável Melancolia.
O austro sopra, o Sol lá de cima, timidamente, vigia o mundo entre nuvens,
O barulho do trânsito na rua lá fora prossegue...
Meridionais.
Embora nenhum motivo aparente exista, "melancolizo-me".
Pouco me importa a comida na dispensa, o pagamento depositado em minha conta no banco,
A minha aparência jovem e bonita...
Tudo se torna indiferente frente à minha indiferença.
Tudo me é insuportavelmente enfadonho quando ele não está aqui por perto.
[ ... ]
Penso por um instante o que a Clarissa de Cunningham outrora pensou antes de mim,
Pela cabeça do outro e que Virginia pensara antes ainda,
Em meio à sua sana loucura, pelos devaneios da Sra. Dalloway*:

Minha vida é trivial. Eu sou TÃO trivial [ ... ]

E acredito:

Quando estou sem ele por perto, todo o resto parece, sim, meio... trivial...

Afogo-me nos sons do piano de Philip Glass e nos lamentos do acordeão de Yann Tiersen:
Pura e pura melancolia. Melancolia de Amélie.
Mas não me culpo. Apenas faço o que sou impelido a fazer.
Levanto-me, ainda amparado pela mão caduca, vou ao banheiro
E frente ao espelho, a dona da mão me mostra meu rosto.
Manda-me seguir o dia, bem ou mal. Segui-lo.
E eu sigo. Ninguém saberia. Ninguém saberia o que vai aqui dentro se eu não contasse hoje aqui.
Ninguém adivinharia, tão bem dissimulo.
Dons inatos. Aprendidos.
Passagens da manhã.


[ * Referências às obras The Hours, de Michael Cunningham - 2000 - e Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf - 1925. ]

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Por Raphaël Crone.