quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Consciência.

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A necessidade de ser agradável me incomoda.
Não sou agradável. Não sou simples. Não sou fácil.
Vovó dizia que sou complicado e trabalhoso.
Sou o espiral e o labirinto,
Ou um simples garoto pretensioso e estúpido.
Às vezes, gostaria de ser de outra forma
(Eis que esta é uma confissão íntima, leitor).

E agora que você, leitor, conhece uma confissão íntima minha,
Encarregue-se você mesmo de me julgar pretensioso ou complicado,
A seu critério, peso e medida.

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Por Raphaël Crone.

O Não Mais.

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Naquele minuto derradeiro, extraí de seus olhos uma última palavra.
Buscava uma última esperança,
Mas esta definitivamente não me assomou às vistas.
Extraí aquela final palavra muda, não pronunciada,
Porém eloquente e imperiosa por si só.
Extraí o finito, o acabado, o morto.
O fim da paixão e as efemérides do que foi sentimento.
Entendi o não mais tocar e o não mais aproximar-me.
Afigurou-se-me real o fim da intimidade e a não mais posse de você.
Noticiou-se ao meu mundo, aos quatro cantos,
A distância recatada que deveríamos doravante alimentar.
Não mais pertencimento. Não mais reciprocidade,
Se é que esta realmente existiu um dia.
Não mais proximidade, nem promessa de esperança
E nem motivo para acreditar no dia após a noite.
O fim de um mundo. A entrega de minha coroa.
O último acorde da canção, dissonante e tosco.
A volta à realidade, o fim do mergulho,
A superfície. De volta ao básico, nú e pobre,
O encontrar em mim a substância para continuar, a tentativa.
E a decepção, por encontrar-me tão realmente nú e pobre.
Por não julgar-me substancialmente rijo.
Por não poder contentar-me. Pelo descontentamento.
Pelo final, pela derradeira núpcia,
Pelo eu-sozinho, depois de pleno,
Pelo amanhã que não nasceria e que, realmente, não nasceu.

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Por Raphaël Crone.

Palavras de Marco.

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Ele se importou comigo.

[ Se a lan house estiver aberta à noite,
Eu entro pra falar com você.
Pra você não passar o Natal sozinho. ]

Tudo bem, amor, eu lhe agradeço,
E mesmo que eu não saiba como lhe mostrar isso,
Você me é imprescindível.
Você é a corda que faz vibrar o meu coração.

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Por Raphaël Crone.

Uma Minha Necessidade.

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A dor que você me causou não morre.
Ela adormece, languidamente, embalada pelas distrações cotidianas.
Quando a noite cai, qual leoa, ela acorda
E me noticia sua ilustre presença indesejada.
Ela não morre, deveras eterna. Maldita.
Por vezes, entre o sono, ela me oprime o peito,
Me faz temer estar acordado.
Modos de noticiar sua presença.

Quando eu me lembro dos beijos doces e olhares afáveis,
Da forma infantil como falavas comigo no nosso infinito silêncio,
Quando recordo nossa cumplicidade e eterna ternura,
Ela ameaça despedaçar-me, impiedosa.
Torna-se tão pungente que penso ser insuportável
E neste momento eu desejo jamais ter deixado de ser criança.
Eu lamento a perda da inocência,
Lamento a inexprimível vontade recôndita de lhe ser novamente
E adormeço em meio a uma triste balada baldada de amor.

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Por Raphaël Crone.

Concerto de Raphaël.

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{ Ou ainda [ Quando Vovó Me Sentava ao Piano ] . }


Dedilho naquele velho piano uma canção triste.
Um tom agudo e um tom grave. Ma jeunesse.
A estranha juventude que é exalada de sons caducos,
Momento impressivo.
Não me importo em nomear compositores,
Importo-me em retirar daquele velho caduco pedaço de madeira oca uma canção triste.
Uma valsa lacrimejante. Uma taça de champagne.
Uma apogiatura singela, um acorde sonoro.
Um som que imite um lamento, um soluço,
Um som que seja úmido como minha lágrima,
Que seja rijo como minha tristeza
E que seja inconsistente como meu coração.

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Por Raphaël Crone.

Por Explicação.

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{ Ou ainda [ Um Francesinho que Sofre ] . }



Esta melancolia que me acompanha.
Esta estranheza, esta profundidade.
Esta inquietude, esta solicitude,
Solidão. Soledad, mamá.
Salut vous.
Este desejo incontido, que me extravasa pelos olhos,
Esta dor cruciante que lhe afasta de mim e faz-lhe detestar-me,
Esta incompreensão. Lânguido perjurio.
Esta insistência em estar triste, mesmo quando não há motivos.
Esta necessidade de me afastar.
Recolher-me em mim mesmo, como em um útero improvisado.
Não encontro proteção em meus braços.
Não há promessa de eternidade em meu regaço,
Não há promessa de conforto e nem de consolo.
Não há feridas em minhas mãos, não sou salvador.
Esta estranha mania de estar sozinho,
Mesmo quando não me acho suficientemente companheiro.
Esta devassidão que lhe emporcalha a lembrança.
Esta necessidade imperiosa de voltar à superfície em busca de ar,
Deixando por um minuto o mundo submerso onde existo.
A necessidade de lhe enganar com o meu sorriso,
De lhe acalmar com meu o toque dos meus dedos,
De lhe impressionar com minha sabedoria insípida e inútil
E de lhe empurrar fora, como um prato onde sobeja o vazio.
Esta inquietude, esta solicitude.
Esta estranha mania, este garoto estranho.
Um francesinho, que sofre mais que os outros,
Nem que seja por submissa vontade estranha.
Estranho desejo irresistível.

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Por Raphaël Crone.

Le fabuleux destin du Raphaël Poulain.

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Eu lhe beijo como a Amélie o faria,
Tão igual eu sou a ela.
Decobri isso hoje, embora suspeitasse-o há 23 anos.
Jeunet pintou-me bem num cinema alternativo.
Beijo-lhe enquanto a porta é cerrada por detrás de nós.
Beijo-lhe com meus olhos castos e medrosos.
Beijo-lhe o canto dos lábios e a nuca sussurrante.
Beijo-lhe em cada um dos olhos, suavemente.
Beijo-lhe a testa, em sinal de respeito e submissão,
Enquanto as lágrimas começam a me rolar face afora.
E por fim, beija-me os lábios,
Num prenúncio de eternidade medida,
Num prenúncio de felicidade espantada,
Num prenúncio de vida que ainda existe aqui, cá dentro.

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Por Raphaël Crone.