segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Citação: Os Velhos Caminhos.

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[ Na noite escura de Ano Novo,/ Na costa oeste de Clare,/Eu ouvi a sua voz cantando./ Seus olhos dançaram a canção,/ Suas mãos tocaram a melodia,/ Era como uma visão perante mim./ Nós sentimos a música interior e a canção nos conduziu./ Roubamos para nós a margens do oceano,/ Respiramos o aroma da água salgada,/ Sentimos o vento em nossos cabelos/ E com tristeza você hesitou:/ De repente, eu soube que você precisava partir,/ O meu mundo não foi o seu,/ Seus olhos me disseram, então./Eu posso sentir esta cena ainda agora,/ Nas encruzilhadas do tempo/ E eu me pergunto porquê... ] * [ Loreena McKennitt ]
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Por Raphaël Crone.

Uma Questão de Ordem Natural

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[ O tu vem antes do eu. ] * [ Friederich Nietzsche ]


Mesmo que eu me refugiasse na mais longínqua colina de Góndor, ou no mais profundo dos abismos de Rohan e mesmo que eu fosse o único restante e você nada fosse mais,
O teu tu ainda viria antes do meu eu.

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Por Raphaël Crone.

Percepção de Minuto.


[ Tem dias que a gente se sente/ Como quem partiu ou morreu,/ A gente estancou de repente/ Ou foi o mundo então que cresceu. ] * [ Chico Buarque de Holanda ]
[ O mundo é bão, Sebastião. ] * [ Nando Reis ]



A cada dia, menores.
O mundo maior, mais gordo, mais ávido.
E nós, a cada dia menores.
Miedo.

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Por Raphaël Crone.

Obscenidades.


[ Uma jovem e um copo de vinho curam todas as necessidades. ] * [ Johann Goethe ]


Eu lhe peço um beijo.
Um beijo em minha fronte.
Seu respeito.
Um respeitável beijo obsceno.

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Por Raphaël Crone.

Anna Sans Coeur.


[ Somos feitos de carne,/ mas temos de viver como se fôssemos de ferro. ] * [ Siegmund Freud ]
[ Eu quero que você venha e leve,/ Leve outro pedacinho do meu coração agora!/ Venha, venha e parta,/ Parta mais um pedaço do meu coração!/ Você sabe que você pode,/ Se isso o faz sentir tão bem! ] * [ Janis Joplin ]



Não há motivo para impacientar-se, Anna.
A tarde ainda não acabou e a noite ainda não veio.
Timidamente, o crepúsculo ainda se insinua no céu cinzento.
Não há motivo para se morrer de decepção.
A carne é forte, o sangue é ferro,
Os ligamentos são fios de aço
E o coração, se não é pedra,
Simplesmente ao se quebrar
Nunca fica tão pequeno
Que não possa continuar batendo além.

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Por Raphaël Crone.

Nos Prados de João.


[ Deus nos dá pessoas e coisas, para aprendermos a alegria./ Depois, retoma coisas e pessoas para ver se já somos capazes da alegria sozinhos./ Essa é a alegria que ele quer. ] * [ Guimarães Rosa ]
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[ Porque tudo que invento já foi dito nos dois livros que eu li:/ as escrituras de Deus, as escrituras de João./ Tudo é Bíblias./ Tudo é Grande Sertão. ] * [ Adélia Prado ]



Seu João, seu João,
Me ensina a ser mais sábio do que eu sou?
Eu, menino sem malícia, menino de palha...
Dona Adélia, reparte a sua bagagem comigo?
Me mostra por onde seguir?
O sertão é grande,
As veredas muitas
E meus pés pequenos.
Mas eu quero prosseguir.
Noite adentro, eu quero prosseguir.

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Por Raphaël Crone.

Café Amargo.


[ Se é questão de confessar/ Não sei preparar café/ E não entendo de futebol./ E para ser mais franca/ Ninguém pensa em você como eu faço,/ Ainda que pra você dê no mesmo./ A verdade é que também/ Choro uma vez por mês,/ Principalmente quando faz frio./ Comigo nada é fácil/ Você já deve saber,/ Me conhece bem./ E sem você tudo é muito chato. ] * [ Shakira ]


Recordações felizes são as mais dolorosas.
Cada pequeno detalhe imprime-se na mente com uma vivacidade cruel.
E ao mesmo tempo, sabemos que nada mais será feliz como foi naqueles dias.

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Por Raphaël Crone.

An Èlise.

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[ Alguien que me diga, que me diga lo que quiero escuchar;/ Alguien que me cuide y que me hable/, que me lleve adonde va;/ Alguien que me quiera y que me lleve a buscar. ] * [Julieta Venegas ]




É você, irmã,
A alegria da minha juventude.
Seu destempero, semelhante ao meu,
Sua profundidade quando sofre e sua leveza quando sorri.
Seu egocentrismo e mau-humor,
Tão eu!
É você, irmã,
A tempestade que acorda fora de hora,
A languidez e a indolência das tardes,
As fotografias e brincadeiras de infância.
A companheira de minha inocência,
É você, irmã.
A única venturosa que compreende os mais recônditos meandros de minha escuridão.
Que me dá sustento descompromissado,
A que jamais falhará.
É você, irmã, canção dos meus dias,
Sangue do meu sangue,
Coração meu.

[ FOTO: ] *Rafah & Ane - Julho/ 2008.

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Por Raphaël Crone.

Uma Tentativa de Compreensão.


[ Tudo em ti era uma ausência que se demorava:/ Uma despedida pronta a cumprir-se. ] * [ Cecília Meirelles ]

[ De repente do riso fez-se o pranto,/ Silencioso e branco como a bruma/ E das bocas unidas fez-se a espuma,/ E das mãos espalmadas fez-se o espanto./ De repente da calma fez-se o vento,/ Que dos olhos desfez a última chama/ E da paixão fez-se o pressentimento/ E do momento imóvel fez-se o drama./ De repente, não mais que de repente,/ Fez-se de triste o que se fez amante/ E de sozinho o que se fez contente./ Fez-se do amigo próximo o distante,/ Fez-se da vida uma aventura errante,/ De repente, não mais que de repente. ] * [ Vinícius de Morais ]

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Era notório: a frialdade do inverno pode ser sentida mesmo quando não se pronuncia palavra para anunciá-la.

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Por Raphaël Crone.

Bhuta.


[ O que a memória ama, fica eterno./ Te amo com a memória,/ imperecível. ] * [ Adélia Prado ]

[ Não quero faca, nem queijo./ Quero a fome. ] * [ Adélia Prado ]



Rasga-me. Com teus dentes jovens, rasga a pele de meu peito.
Vampiriza-me, animália. Bhuta da Índia.
Lambe as grossas gotas de sangue que vertem de minha pele alva e lisa.
Geme, deixa-me ouvir o teu gemido,
Cheio de insaciedade e excitação.
Mata a fome que antes te devorava,
Mata-a em meu peito.
Lambe meu sangue doce e casto.
Impoluto.
O que foi sangue torna-se imortal,
Quando não mais dele necessita para viver.
Corrompe-me, para que eu seja incorruptível.
Sela tua face em minha memória,
Deixa-me vê-lo, a fim de que jamais esqueça.
Sede a minha faca e a minha fome,
Externalizados.
Sede o meu anjo de salvação.
Sede o purgatório e o limbo,
Meu ingresso ao céu.
Sede a minha overdose noradrenérgica
E a minha fascinação.
Sede minha consolação nesta noite.

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Por Raphaël Crone.

Fio das Horas.


[ É preciso encarar a vida de frente,/ Sempre encarar a vida de frente e vê-la como ela é./ Por fim, entendê-la e amá-la como ela é./ E depois deixá-la seguir.../ Sempre haverão os anos entre nós,/ Sempre os anos, sempre o amor,/ Sempre a razão, sempre o tempo,/ Sempre as horas. ] * [ Virginia Woolf ]



Olho para o relógio assim como um idoso o faz.
Minutos para a meia-noite. Para o ocaso.
Sou jovem e belo e não sei se chegarei a ser velho.
Não é importante para mim.
O amargo arrastar das horas
Me faz entender que sozinho aqui
Nada pode ser feliz
E nenhuma consolação pode existir para mim.
Quem sabe, um riacho em Sussex.

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Por Raphaël Crone.

Ventre Afora.


[ A maior felicidade é quando a pessoa sabe porque é que é infeliz. ] * [ Fiodor Dostoiévsky ]

[ Lágrimas não são argumentos. ] * [ Machado de Assis ]



Ninguém nunca nos garantiu contentamento pleno.
Não consta no contrato de vida,
Que aliás, nenhum de nós assinou deliberadamente.
Argumentamos conforme podemos.
Justificamo-nos fisiológicamente.
Sofrivelmente, lutamos debalde uma luta vã.
E nos resta apenas perguntar, afinal:
Alguém nos amará quando formos velhos demais para continuar essa carreira?

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Por Raphaël Crone.

O Menino Verde.

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[ Eu gostaria de ser Maria, mas La Callas exige que eu me comporte com sua dignidade. ] * [ Maria Callas ]


Eu sou meus cabelos castanhos,
De tom claro e brilho intenso.
Sou o agrado que eles causam à mão que os afaga.
Eu sou o sorriso feito de coração,
Com alvos dentes alinhados.
Eu sou o menino sem camisa que corre pela rua,
Despreocupadamente, do alto dos seus 23 anos.
Eu sou a pele alva, às vezes um pouco queimada pelo Sol.
Sou a humildade e o desamparo.
E sou a majestade. Sou a força que o oprime,
O coração que nega-lhe afeto.
O corpo que nega-lhe prazer.
Sou o não que ecoa em seus ouvidos
E o sim que lhe beija ardentemente.
Tenho nome, mas ele não importa.
Tenho fome, mas ela não me devora mais.
Tenho medo, mas ele é pequeno ao meu lado.
Tenho amor, mas ele está esquecido em algum canto de mim.
Resgate-me. Simplifique-me.
Adestre-me.
Mostre-me que ainda há algo em que acreditar,
Enquanto a manhã do quinto dia não nasce.
Faça a minha escuridão valer a pena.
Seja bom para mim.

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Por Raphaël Crone.

Dignidade Espezinhada.

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[ Como é frágil o coração humano -/ espelhado poço de pensamentos!/ Tão profundo e trêmulo instrumento de vidro,/ que canta ou chora! ] * [Sylvia Plath ]



Por você eu me despi de meu temor. Por você eu chorei no chão do banheiro. Por você eu fui apenas um menino grande.

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Por Raphaël Crone

Ponto de Fuga.

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[ Nem todos os que vagam estão perdidos. ] * [ J.R.R. Tolkien ]


Quero ir para onde não haja rostos que me conheçam.
Onde não haja vozes que me exaltem ou diminuam.
Onde não haja resquício de aprovação ou conveniência.
Quero ganhar a estrada de Santiago,
Minha eterna necessidade de auto-conhecimento.
Quero sonhar um sonho místico, além de Creta,
Além de Ítaca, além das asas de Hypnos.
Quero ser amigo do rei e das belas donzelas,
Quero dividir meu leito com os valentes e as amazonas de Hipólita.
Quero corromper os impuros e sarar os doentes.
Quero estar em êxtase religioso nos templos da Índia,
Banhar-me devotamente no Ganges
E orar, ajoelhado, diante da primeira estrela da noite
Pela cura de Afrodite.
Quero deixar tudo para trás,
Levantar as mãos e rir de um riso doloroso,
Que limpa as entranhas e expulsa o mal.
Quero exorcizar a necessidade de complemento,
Inerente aos homens. Quero o self.
O enough. O bastante.
Quero viajar na calada noite, capa e capuz,
Indistinto peregrino,
Quero chegar ao fundo do mar
E não temer a absoluta escuridão que lá impera.
Quero ser o imperador e o súdito.
Aragorn e Arwen. Quero ser a rainha dos Elfos.
Quero velejar pelas Terras Imortais.
Quero esquecer a dor de ser um homem,
Quero esquecer a solitude e a solicitude.
Quero voltar ao ventre de minha mãe,
Aninhar-me em seu regaço
E derramar minha última lágrima
Quando a última aurora raiar no céu.

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Por Raphaël Crone.

Belo e Triste.

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[ Oh, Sra. Dalloway, Sempre dando festas para encobrir o silêncio. ] * [ Virginia Woolf ]



Quero ver em seu rosto a aprovação
Que me faça esquecer as conveniências.
Que me faça não dizer palavra.
Apenas não me importar, por fim, então.

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Por Raphaël Crone.

Para Que Serve o Amor.

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[ Olhos que fazem baixar os meus,/ Um riso que se perde em sua boca,/ Aí está o retrato sem retoque
do Homem a quem eu pertenço./ Quando ele me toma em seus braços,/ Ele me fala baixinho./ Eu vejo a vida cor-de-rosa. ] * [ Edith Piaf ]


A quoi ça sert l'amour?
A Edith costumava perguntar isso, em dueto,
Incessantemente.
Para que serve o amor?
Me perguntaram um dia, também.
Sinceramente, até hoje não sei bem responder.
Só sei que ele me faz sorrir, ainda que não haja motivo.
Ele me faz cantar melodias tolas,
Como se elas fossem a mais magistral ópera de Wagner.
Ele me faz acordar e dormir pensando, alegremente,
Nas alegrias e delícias de uma vida incompreendida até então.
Ele retira o ranço do meu semblante e me adoça o rosto.
Me faz ser indulgente e paciente com os erros,
Me torna suportável e, quem diria, até engraçado.
Para isso serve o amor, eu penso.
E também serve para mostrar a frágil humanidade que me habita,
Para me fazer afogar em lágrimas quando o vejo partir,
Para me sentar em um banco de praça em tarde nublada,
Lendo Virginia e Silvia, desejando a felicidade delas,
Ainda que elas tenham sido mais infelizes que eu.
Para ser banhado pela chuva que cai, como uma estátua lúgubre.
Para me mostrar os bares e tavernas,
O fundo dos copos de brandy.
A minha cama vazia,
Minha lembrança alvoroçada.
Uma dor pungente e aguda. Dilacerante.
E ainda assim, com o arrastar dos dias,
Este mesmo amor ingrato
Mostra a mim mais uma vez e sempre,
Que por mais que eu me recuse a acreditar,
A vida pode ser, sim, ainda cor-de-rosa.
Ma vie en rose.
E eu baixo meus olhos aos seus, então.
E recomeço tudo de novo.
Até que não haja fôlego de esperança em mim.
Até que tudo termine e eu descanse no regaço de um amor maior.
Para isso, eu penso, deve servir o amor.
E não posso negar,
É uma boa justificativa.

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Por Raphaël Crone.