domingo, 15 de março de 2009

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[ Quem medirá o chapéu e a violência do coração dos poetas quando capturados e aprisionados no corpo de uma mulher? ] * [ Virginia Woolf ]

[ A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio do que do cheio. Falava que os vazios são maiores e até infinitos. ] * [ Manoel de Barros ]

[ Me desculpe, mas eu tenho que explodir. Explodir este meu corpo. Me levantarei amanhã, completamente novo. Um pouco cansado, mas completamente novo ] * [ Björk ]

[ Sou mais a palavra ao ponto de entulho. Amo arrastar algumas no caco de vidro, envergá-las pro chão, corrompê-las, - até que padeçam de mim e me sujem de branco. ] * [ Manoel de Barros ]


Escrevo pela mesma necessidade que outros tiveram antes de mim.
Pela necessidade de exteriorizar as minhas entranhas.
Visceral movimento auto-construtivo. Ou vice-versa.
Demolindo paredes e construindo paredes.
Escrevo pela necessidade inerente de falar de tudo ou nada.
De qualquer coisa ou algo em especial.
Escrevo por que isto me faz mais gente. Ainda que não o faça aos outros.
Escrevo em busca de redenção, que encontro.
Parole, mot.
As letras me trazem mais felicidade. Vai entender a vida...

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Por Raphaël Crone.

O Meu Pai

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Papai era muito rigoroso quando era jovem.
Jovem de 52, por que quando eu nasci ele já tinha 52 anos.
Ele é meu avô, pai do meu pai.
Este sempre morou longe e não me criou,
Apesar de termos contato frequente.
Papai agora tem 75, quase 76. Ele se tornou um velhinho bem afável.
Conversador e contador de "causos", coisas da idade, creio.
Me ama de um modo assombrosamente aberto
E eu amo ele em troca. Amo ele, sem pensar na gramática ruim.
Ele trabalhava na fazenda da família com a minha avó.
Ele está cansado e cheio de dores.
Outro dia, ele caiu de bicicleta na rua, quase foi atropelado.
Eu senti como se quem tivesse caído fosse eu.
Mas ele é forte também. Às vezes penso que até mais forte que eu.
Ele me ensina a ser homem. A ser digno e direito.
Ele me fez o que sou e me faz melhor a cada dia.
Ele me é a forma humana do que significa ser um bom exemplo.
Um orgulho maior que eu, pequeno que ainda sou ao lado dele.

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Por Raphaël Crone.

Ela Me Chama de Raphaëlzinho.

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[ Por que Deus permite que as mães vão-se embora?/ Mãe não tem limite, é tempo sem hora,/ luz que não apaga quando sopra o vento e chuva desaba,/veludo escondido na pele enrugada, água pura, ar puro, puro pensamento./ Morrer acontece com o que é breve e passa sem deixar vestígio./ Mãe, na sua graça, é eternidade./ Por que Deus se lembra- mistério profundo -/ de tirá-la um dia?/ Fosse eu Rei do Mundo, baixava uma lei:/ Mãe não morre nunca,/ mãe ficará sempre junto de seu filho e ele,/ velho embora, será pequenino feito grão de milho. ] * [ Carlos Drummond de Andrade ]


Mamãe prepara a comida que eu gosto de comer.
A carne bem magrinha, purê de batata e doce para depois.
Mamãe na verdade é minha avó.
Quando ela era jovem, ela trabalhava na fazenda com o meu avô
E meu pai e minha tia ficavam na cidade, com parentes.
Ela cruzava rios tocando a boiada, plantava e colhia
E ainda costurava para fora.
Hoje, ela tem muitos problemas de saúde, mas ainda é bem forte.
Ela me trata como nunca pode tratar os filhos que saíram da barriga dela.
Ela me ama como eu nunca imaginei que alguém pudesse amar.
Ela tira da boca dela para me dar, se for preciso.
De vez em quando, sinto um nó na garganta
E daí eu abraço ela. Ela me abraça. Um silêncio.
Vejo a marca no seio que ela retirou por causa de um câncer
E a coragem com a qual ainda hoje ela enfrenta a vida.
Ela é linda. Ela é honesta e íntegra. Ela é fascinantemente simples.
E ainda assim, o lugar que ela tem em mim ninguém jamais poderá ocupar.
Nem mesmo eu. Uma ocupação vitalícia em mim.

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Por Raphaël Crone.

O Fio da Memória: Infância, Vol. I

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[ Oh! que saudades que tenho/ Da aurora da minha vida,/ Da minha infância querida/ Que os anos não trazem mais!/ Que amor, que sonhos, que flores,/ Naquelas tardes fagueiras/ À sombra das bananeiras,/ Debaixo dos laranjais! ] * [ Casimiro de Abreu ]

[ Vamos, não chores./ A infância está perdida./ A mocidade está perdida./ Mas a vida não se perdeu./ O primeiro amor passou./ O segundo amor passou./ O terceiro amor passou./ Mas o coração continua./ Perdeste o melhor amigo./ Não tentaste qualquer viagem./ Não possuis carro, navio, terra./ Mas tens um cão./ Algumas palavras duras, em voz mansa, te golpearam./ Nunca, nunca cicatrizam./ Mas, e o humour?/ A injustiça não se resolve./ À sombra do mundo errado murmuraste um protesto tímido./ Mas virão outros./ Tudo somado, devias precipitar-te, de vez, nas águas./ Estás nu na areia, no vento.../ Dorme, meu filho. ] * [ Carlos Drummond de Andrade ]


Eu observava a cidade do alto do prédio.
9 anos e 19 andares.
Elevadores e escadarias. Acessos restritos.
Via algumas raras árvores e não raros telhados sujos.
Tons pastéis suspensos no ar.
Desejava saber o que existia lá embaixo.
O submundo sobre o asfalto. Sadia curiosidade de menino.
Desejei por três dias.
No quarto esperei a faxineira ir embora e procurei a chave da porta.
Desci. Dobrei a esquina
E continuei dobrando outras mais. Empolgação!
Ua avenida grande abriu-se à minha frente.
Um viaduto, alguns mendigos. Carros, carros e carros.
Eita, São Paulo! Paulo Santo, eis que olho para você novamente.
Observei tudo e me sentei em frente a um quiosque do McDonald's quando me cansei de observar.
A tarde ia caindo. Hora de voltar.
Mas por onde eu voltava?
Como eu tinha boca fui à Roma. Cheguei a tempo,
Dez minutos depois meu pai chegava do trabalho.
Ele nunca soube da minha aventura, quinze anos já fazem.
Travessuras de menino. Mas uma lembrança valente.

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Por Raphaël Crone.

Antes de Sonhar.

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[ Havia um muro alto entre nossas casas./ Difícil de mandar recado para ela./ Não havia e-mail./ O pai era uma onça./ A gente amarrava o bilhete numa pedra presa por um cordão/ E pinchava a pedra no quintal da casa dela./ Se a namorada respondesse pela mesma pedra/ Era uma glória!/ Mas por vezes o bilhete enganchava nos galhos da goiabeira/ E então era agonia./ No tempo do onça era assim. ] * [ Manoel de Barros ]


Quando a noite cai, não é só o escuro que aflora.
Aflora o medo do que é inominável e o palor da sombra.
Pálida, ainda que negra. Pálida em essência.
A face da donzela que bóia no céu, brilhante,
Espanta o menino que cá embaixo tenta adormecer.
Medos infundados. Fundações estremecidas.
Bichos-papões.
O armário sempre meticulosamente cerrado.
As janelas de vidraças grossas. O barulho da coruja na árvore lá fora.
Cretina!
Mas acima e abaixo de tudo, me vem o medo do eu-sozinho.
O entendimento de que você dorme sozinho e eu também.
O medo da saudade que no meio da noite me faz despertar.
Sim, medo da saudade, porque ela é o bicho-papão de quem já cresceu e ainda é menino.
Penso em como lhe comunicar minha lembrança eterna de você.
Penso em passar pela sua casa no meio da madrugada,
Penso em telepatia e encantamentos.
Uma mensagem do celular pode resolver. Escrevo e envio.
Imagino você lendo e sorrindo, em meio à noite do seu quarto.
Sorrio cá também e deixo de ter medo. Sou homem, ora.
Durmo e esqueço corujas, saudades e bichos-papões.
Resolvo e pronto: fecho os olhos e vou sonhar com você.

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Por Raphaël Crone.