quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Blues Natural



Algo me despertou naquele sonho luminoso.
Deitado naquele barquinho, sob o Sol da Tailândia, chapéu sobre meu rosto,
Batidas e ecos de uma canção quente e centrífuga, que me puxava para dentro de si.
Me ergui e sentei, todo aquele vasto oceano azul ao meu redor,
Sem remos, sem preocupações, sem nada que me atraísse à terra;
Montanhas ao redor daquela praia secreta, daquele jardim secreto,
Daquelas palmeiras, que pareciam dedos esticados para tocar não sei que tipo de delícia celeste.

O céu era tão azul que até fazia meu peito doer.
Nada era escuro ou cinzento ali: tudo era radiante,
Tudo vibrava, nada era estático, nada era inerte. Sobre minha cabeça, voavam as gaivotas,
Sob o casco do barco, nadavam peixes grandes e pequenos:
Tinha um aquário particular debaixo de mim, sobre o qual eu boiava despreocupadamente.
Eu era mero homem natural ali: roupas simples, bermuda desfiada, regata branca amarrotada,
Pés descalços: um blues natural, porém sem melancolia. Espirituoso e frenético.

Debrucei-me sobre a borda do barquinho e mirei o oceano abaixo.
Ele se estendia até onde meus olhos podiam ir e, certamente, muito mais além,
Como massa escura e misteriosa. Ora, passava um peixinho gracioso por baixo de mim,
Ora um tubarão, maior do que a própria estrutura da embarcação, mas eu não tinha medo.
Não existia medo naquele blues onírico e natural, naquela batida constante.
Eu poderia me levantar e dançar, mover meu corpo - poético e lânguido -
Eu poderia atirar-me à água e ser um só movimento com as ondas, tão despretensiosas...

Em minha cabeça, tambores ressoavam uma melodia flamejante.
Fogo saía de cada nota, de cada emissão daquela percussão vivaz e quebrante.
E, ao mesmo tempo, em que estava sentado naquela barcarola, tal qual conto de Hoffmann,
Eu flutuava sobre aquela cena paradisíaca, para fora do tecido espaço-tempo,
Sobre as ondas gravitacionais, eu era matéria fluída, eu era onda, eu era raio, eu era luz.
Eu era estática de televisão, eu era chiado de rádio, eu era insensatez e imprudência.
A chama de uma vela que dançava ao sabor do vento, arriscando ser apagada.

Sentia que podia recomeçar indefinidamente, que podia dilatar-me e contrair-me.
Força da natureza, pronta para explodir para além dos limites das pontas dos meus dedos.
Naquela praia secreta, eu era o dia e eu era a noite. A costa não me atraía,
Eu era um com o mar e ele me chamava. O Sol já não ia alto, logo seria noite.
Minha pele já conhecia o toque cálido do dia, meus pulmões já conheciam a suavidade do ar,
Levantei-me e estiquei os braços, como se eles fossem capazes de dar a volta ao redor das montanhas
E voltar para mim. Olhei para baixo, para o mar que escurecia ainda mais e mergulhei.

Eu ainda seria o dia e a noite. O céu e o mar. Eu, elemento metafísico. Eu, elemento natural.
Eu, blues físico: músculos e matéria palpável. Eu, etéreo e final. Profusão de tons e semitons. Sempre um blues natural e todo o mais além...