quinta-feira, 19 de março de 2009

De Noites

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[ São tempos difíceis para os sonhadores. ] * [ Jean-Pierre Jeunet ]


Hoje queria morrer, nem que não fosse de verdade.
Queria me esquecer do mundo e me lembrar um pouco de mim,
Do menino que fui e do homem que sou.
Queria me perder em meio a mim mesmo.
Uma confissão indecente.

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Por Raphaël Crone.

Um Medo.

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[ Passava os dias ali, quieto, no meio das coisas miúdas./ E me encantei. ] * [ Manoel de Barros ]

[ Quando se ama não é preciso entender o que se passa lá fora,/ pois tudo passa a acontecer dentro de nós. ] * [ Clarice Lispector ]

[ Solução melhor é não enlouquecer mais do que já enlouquecemos,/ não tanto por virtude, mas por cálculo./ Controlar essa loucura razoável:/ se formos razoavelmente loucos não precisaremos desses sanatórios/ porque é sabido que os saudáveis não entendem muito de loucura./ O jeito é se virar em casa mesmo,/ sem testemunhas estranhas./ Sem despesas. ] * [ Lygia Fagundes Telles ]



No meio das coisas miúdas me encantei.
No meio da inexistencialidade do que é belo e do que é terno.
Julgava que o beijo que lhe dei fosse o princípio da eternidade
E embora ainda me beije hoje, tenho medo por vezes.
Embora você segure a minha mão, tenho ciúmes.
Embora me prometa amor e referida eternidade, não me satisfaço.
Preciso de bebida forte e de sobriedade.
Preciso ajuntar minhas coisas miúdas, minhas partes de mim
Que eu mesmo lancei ao vento e que outros despedaçaram.
Preciso me inebriar com a taça de um vinho que não conheço.`
Preciso amar-me e perdoar-me, preciso de misericórdia.
Preciso de indulgência e salvação.
Tenho medo por muito amar, por que ninguém nunca muito me amou.
Tenho medo de beijar-lhe com os lábios da alma, por que ninguém nunca me concedeu mais que um beijo de carne.
Tenho medo de julgar-me afortunado, porque a fortuna não é para todos os que a querem ter.
Naquela noite eu beijei-lhe com lábios e lágrimas.
Eu beijei-lhe olhos, orelhas, face e coração.
Eu beijei-lhe com a comoção que me tomava,
Com o êxtase apático e recatado de minhas sensações.
Tenho medo de ser homem, neste momento, acredite.
Eu, que de tão valente, matei leões imaginários e medusas.
Tenho medo de ser homem agora, queria ser menino.
Deitar-me sobre a cama e não imaginar mais que uma bola e um livro no dia seguinte.
Desejava não saber que o mundo é mais que um livro e uma bola.
Ao mesmo tempo, amo-lhe. Este talvez seja o problema:
Amo-lhe tanto que tenho medo de tanto amar.
Tenho medo de amar sozinho ou amar demais.
Tenho o medo de quem já não é mais menino. Ele dói. Machuca.
Ele me assalta no meio da noite, ele me ameaça.
Seja ele real ou inventado, temido por não existir,
Mas por ser possibilidade, que de tão palpável, toma forma e corpo.
Toma voz própria e ameça, como o silvo da serpente.
Queria dormir como menino e temer somente o vento da noite.
Mas tenho medo de homem. Uma virtude que eu nunca desejei.

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Por Raphaël Crone.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Alguém Me Disse.

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[ On me dit que nos vies ne valent pas grand chose,/ Elles passent en un instant comme fanent les roses./ On me dit que le temps qui glisse est un salaud/ Que de nos chagrins il s'en fait des manteaux./ Pourtant quelqu'un m'a dit/ Que tu m'aimais encore,/ C'est quelqu'un qui m'a dit que tu m'aimais encore./ Serais ce possible alors ?/ On dit que le destin se moque bien de nous/ Qu'il ne nous donne rien et qu'il nous promet tout./ Parait qu'le bonheur est à portée de main,/ Alors on tend la main et on se retrouve fou./ Pourtant quelqu'un m'a dit/ Que tu m'aimais encore,/ C'est quelqu'un qui m'a dit que tu m'aimais encore./ Serais ce possible alors ?/ Mais qui est ce qui m'a dit que toujours tu m'aimais?/ Je ne me souviens plus c'était tard dans la nuit,/ J'entend encore la voix, mais je ne vois plus les traits/ "Il vous aime, c'est secret, lui dites pas que j'vous l'ai dit."/ Tu vois quelqu'un m'a dit/ Que tu m'aimais encore,/ Me l'a t'on vraiment dit/ Que tu m'aimais encore,/ Serais ce possible alors ?/ On me dit que nos vies ne valent pas grand chose,/ Elles passent en un instant comme fanent les roses./ On me dit que le temps qui glisse est un salaud,/ Que de nos tristesses il s'en fait des manteaux./ Pourtant quelqu'un m'a dit/ Que tu m'aimais encore,/ C'est quelqu'un qui m'a dit que tu m'aimais encore./ Serais ce possible alors ? ] * [ Carla Bruni ]


A possibilidade de você me amar. Seria possível, então?

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Por Raphaël Crone.

L' Envoûtement.

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[ Que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros etc./ Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós. ] * [ Manoel de Barros ]


Eu:

-Por que dentre tantos, por ele me encanto?

O espelho:

-Por que ele o ama com o fundo de seus olhos.
Porque ele se debruça na janela para contemplá-lo.
Porque a sua alma se debruça em seus olhos para vê-lo passar.

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Por Raphaël Crone.

Pensando Cá Comigo...

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[ Passava os dias ali, quieto, no meio das coisas miúdas./ E me encantei. ] * [ Manoel de Barros ]

[ Minha mãe achava estudo a coisa mais fina do mundo./ Não é./ A coisa mais fina do mundo é o sentimento./ Aquele dia de noite, o pai fazendo serão, ela falou comigo:/ "Coitado, até essa hora no serviço pesado"./ Arrumou pão e café , deixou tacho no fogo com água quente./ Não me falou em amor./ Essa palavra de luxo. ] * [ Adélia Prado ]

[ No fim da tarde, nossa mãe aparecia nos fundos do quintal :/ "Meus filhos, o dia já envelheceu,/ entrem pra dentro". ] * [ Manoel de Barros ]



Eu envelheço como envelhece o dia,
Rejuvenescendo 24 horas a cada manhã.
Eu amo pelo luxo de amar.
Eu amo pelo cuidado de amar.
Por todos os ensinamentos que o amor me ensina.
Redundantemente.
As tais coisas miúdas que o Manoel e a Adélia conhecem bem.

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Por Raphaël Crone.

Paranoia.

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[ É preciso estar sempre embriagado./ Aí está: eis a única questão./ Para não sentirem o fardo horrível do Tempo que verga e inclina para a terra,/ é preciso que se embriaguem sem descanso./ Com quê?/ Com vinho, poesia ou virtude, a escolher./ Mas embriaguem-se./ E se, porventura, nos degraus de um palácio,/ sobre a relva verde de um fosso, na solidão morna do quarto,/ a embriaguez diminuir ou desaparecer quando você acordar,/ pergunte ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio,/ a tudo que flui, a tudo que geme, a tudo que gira, a tudo que canta, a tudo que fala,/ pergunte que horas são;/ e o vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio responderão:/ "É hora de embriagar-se!/ Para não serem os escravos martirizados do Tempo, embriaguem-se;/ embriaguem-se sem descanso"./ Com vinho, poesia ou virtude, a escolher. ] * [ Charles Baudelaire ]

[ Viver é super difícil. O mais fundo está sempre na superfície. ] * [ Paulo Leminski ]

[ Quem não souber povoar a sua solidão, também não conseguirá isolar-se entre a gente. ] * [ Charles Baudelaire ]


Eu rolo na cama durante a noite.
Uma sucessão de minutos enlouquecedoramente longos.
Eu espero o alvorecer e ele tarda.
Não falha, deveras, mas tarda sobremaneira.
Eu sinto saudades ou mais que isso:
Eu sinto uma fome animal de lhe ver.
Eu sinto as minhas entranhas revirarem-se,
Eu sinto náusea psicosomática,
Eu sinto o ar faltar, dispneia misturada à costumeira apneia do sono,
Apneia do sono desperto. Eu penso em ligar.
Você trabalha agora. Não lhe importunarei.
Eu só gostaria de que o seu tom de voz fosse sempre doce
E não frio, como ele pode ser às vezes.
Eu tenho medo do frio do telefone.

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Por Raphaël Crone.

domingo, 15 de março de 2009

[ ... ]

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[ Quem medirá o chapéu e a violência do coração dos poetas quando capturados e aprisionados no corpo de uma mulher? ] * [ Virginia Woolf ]

[ A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio do que do cheio. Falava que os vazios são maiores e até infinitos. ] * [ Manoel de Barros ]

[ Me desculpe, mas eu tenho que explodir. Explodir este meu corpo. Me levantarei amanhã, completamente novo. Um pouco cansado, mas completamente novo ] * [ Björk ]

[ Sou mais a palavra ao ponto de entulho. Amo arrastar algumas no caco de vidro, envergá-las pro chão, corrompê-las, - até que padeçam de mim e me sujem de branco. ] * [ Manoel de Barros ]


Escrevo pela mesma necessidade que outros tiveram antes de mim.
Pela necessidade de exteriorizar as minhas entranhas.
Visceral movimento auto-construtivo. Ou vice-versa.
Demolindo paredes e construindo paredes.
Escrevo pela necessidade inerente de falar de tudo ou nada.
De qualquer coisa ou algo em especial.
Escrevo por que isto me faz mais gente. Ainda que não o faça aos outros.
Escrevo em busca de redenção, que encontro.
Parole, mot.
As letras me trazem mais felicidade. Vai entender a vida...

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Por Raphaël Crone.

O Meu Pai

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Papai era muito rigoroso quando era jovem.
Jovem de 52, por que quando eu nasci ele já tinha 52 anos.
Ele é meu avô, pai do meu pai.
Este sempre morou longe e não me criou,
Apesar de termos contato frequente.
Papai agora tem 75, quase 76. Ele se tornou um velhinho bem afável.
Conversador e contador de "causos", coisas da idade, creio.
Me ama de um modo assombrosamente aberto
E eu amo ele em troca. Amo ele, sem pensar na gramática ruim.
Ele trabalhava na fazenda da família com a minha avó.
Ele está cansado e cheio de dores.
Outro dia, ele caiu de bicicleta na rua, quase foi atropelado.
Eu senti como se quem tivesse caído fosse eu.
Mas ele é forte também. Às vezes penso que até mais forte que eu.
Ele me ensina a ser homem. A ser digno e direito.
Ele me fez o que sou e me faz melhor a cada dia.
Ele me é a forma humana do que significa ser um bom exemplo.
Um orgulho maior que eu, pequeno que ainda sou ao lado dele.

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Por Raphaël Crone.

Ela Me Chama de Raphaëlzinho.

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[ Por que Deus permite que as mães vão-se embora?/ Mãe não tem limite, é tempo sem hora,/ luz que não apaga quando sopra o vento e chuva desaba,/veludo escondido na pele enrugada, água pura, ar puro, puro pensamento./ Morrer acontece com o que é breve e passa sem deixar vestígio./ Mãe, na sua graça, é eternidade./ Por que Deus se lembra- mistério profundo -/ de tirá-la um dia?/ Fosse eu Rei do Mundo, baixava uma lei:/ Mãe não morre nunca,/ mãe ficará sempre junto de seu filho e ele,/ velho embora, será pequenino feito grão de milho. ] * [ Carlos Drummond de Andrade ]


Mamãe prepara a comida que eu gosto de comer.
A carne bem magrinha, purê de batata e doce para depois.
Mamãe na verdade é minha avó.
Quando ela era jovem, ela trabalhava na fazenda com o meu avô
E meu pai e minha tia ficavam na cidade, com parentes.
Ela cruzava rios tocando a boiada, plantava e colhia
E ainda costurava para fora.
Hoje, ela tem muitos problemas de saúde, mas ainda é bem forte.
Ela me trata como nunca pode tratar os filhos que saíram da barriga dela.
Ela me ama como eu nunca imaginei que alguém pudesse amar.
Ela tira da boca dela para me dar, se for preciso.
De vez em quando, sinto um nó na garganta
E daí eu abraço ela. Ela me abraça. Um silêncio.
Vejo a marca no seio que ela retirou por causa de um câncer
E a coragem com a qual ainda hoje ela enfrenta a vida.
Ela é linda. Ela é honesta e íntegra. Ela é fascinantemente simples.
E ainda assim, o lugar que ela tem em mim ninguém jamais poderá ocupar.
Nem mesmo eu. Uma ocupação vitalícia em mim.

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Por Raphaël Crone.

O Fio da Memória: Infância, Vol. I

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[ Oh! que saudades que tenho/ Da aurora da minha vida,/ Da minha infância querida/ Que os anos não trazem mais!/ Que amor, que sonhos, que flores,/ Naquelas tardes fagueiras/ À sombra das bananeiras,/ Debaixo dos laranjais! ] * [ Casimiro de Abreu ]

[ Vamos, não chores./ A infância está perdida./ A mocidade está perdida./ Mas a vida não se perdeu./ O primeiro amor passou./ O segundo amor passou./ O terceiro amor passou./ Mas o coração continua./ Perdeste o melhor amigo./ Não tentaste qualquer viagem./ Não possuis carro, navio, terra./ Mas tens um cão./ Algumas palavras duras, em voz mansa, te golpearam./ Nunca, nunca cicatrizam./ Mas, e o humour?/ A injustiça não se resolve./ À sombra do mundo errado murmuraste um protesto tímido./ Mas virão outros./ Tudo somado, devias precipitar-te, de vez, nas águas./ Estás nu na areia, no vento.../ Dorme, meu filho. ] * [ Carlos Drummond de Andrade ]


Eu observava a cidade do alto do prédio.
9 anos e 19 andares.
Elevadores e escadarias. Acessos restritos.
Via algumas raras árvores e não raros telhados sujos.
Tons pastéis suspensos no ar.
Desejava saber o que existia lá embaixo.
O submundo sobre o asfalto. Sadia curiosidade de menino.
Desejei por três dias.
No quarto esperei a faxineira ir embora e procurei a chave da porta.
Desci. Dobrei a esquina
E continuei dobrando outras mais. Empolgação!
Ua avenida grande abriu-se à minha frente.
Um viaduto, alguns mendigos. Carros, carros e carros.
Eita, São Paulo! Paulo Santo, eis que olho para você novamente.
Observei tudo e me sentei em frente a um quiosque do McDonald's quando me cansei de observar.
A tarde ia caindo. Hora de voltar.
Mas por onde eu voltava?
Como eu tinha boca fui à Roma. Cheguei a tempo,
Dez minutos depois meu pai chegava do trabalho.
Ele nunca soube da minha aventura, quinze anos já fazem.
Travessuras de menino. Mas uma lembrança valente.

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Por Raphaël Crone.

Antes de Sonhar.

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[ Havia um muro alto entre nossas casas./ Difícil de mandar recado para ela./ Não havia e-mail./ O pai era uma onça./ A gente amarrava o bilhete numa pedra presa por um cordão/ E pinchava a pedra no quintal da casa dela./ Se a namorada respondesse pela mesma pedra/ Era uma glória!/ Mas por vezes o bilhete enganchava nos galhos da goiabeira/ E então era agonia./ No tempo do onça era assim. ] * [ Manoel de Barros ]


Quando a noite cai, não é só o escuro que aflora.
Aflora o medo do que é inominável e o palor da sombra.
Pálida, ainda que negra. Pálida em essência.
A face da donzela que bóia no céu, brilhante,
Espanta o menino que cá embaixo tenta adormecer.
Medos infundados. Fundações estremecidas.
Bichos-papões.
O armário sempre meticulosamente cerrado.
As janelas de vidraças grossas. O barulho da coruja na árvore lá fora.
Cretina!
Mas acima e abaixo de tudo, me vem o medo do eu-sozinho.
O entendimento de que você dorme sozinho e eu também.
O medo da saudade que no meio da noite me faz despertar.
Sim, medo da saudade, porque ela é o bicho-papão de quem já cresceu e ainda é menino.
Penso em como lhe comunicar minha lembrança eterna de você.
Penso em passar pela sua casa no meio da madrugada,
Penso em telepatia e encantamentos.
Uma mensagem do celular pode resolver. Escrevo e envio.
Imagino você lendo e sorrindo, em meio à noite do seu quarto.
Sorrio cá também e deixo de ter medo. Sou homem, ora.
Durmo e esqueço corujas, saudades e bichos-papões.
Resolvo e pronto: fecho os olhos e vou sonhar com você.

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Por Raphaël Crone.

sábado, 14 de março de 2009

O Que é Muito Amar.

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[ As coisas assim a gente não perde e nem abarca. Cabem é no brilho da noite. Aragem do sagrado. Absolutas estrelas. ] * [ Guimarães Rosa ]

[ Eu escuto as cores dos passarinhos ] * [ Manoel de Barros ]


Gostaria de escrever sobre outras coisas,
Mas neste minuto que não passa me sinto tomado demais para pensar em algo mais que não você.
Eu vasculho os seus traços pelos cantos da casa.
Tomo uma vassoura entre as mãos e procuro ajuntar as suas pegadas, guardá-las em um pote e com elas sempre saber por onde você anda.
Eu o vejo brilhar nas gotas que molharam a grama verde. Vejo a sua graça nos arbustos do quintal e até mesmo nas abóboras que colho fora do tempo.
Eu acompanho com os olhos as moscas que rondam a casa e elas traduzem o que é um dia sem você por perto: uma insuportável melancolia.
Eu, que aprendi a amar o som da canção, a voz de minha mãe e o rigor de meu pai,
Aprendi a amar também o seu silêncio inóspito.
O seu modo sombrio de contar novidades, ainda que boas.
O mistério que você imprime aos fatos e os sobressaltos que meu coração dá quando você me abraça forte.
Amo o sofá em que me deito, enquanto escuto o dvd cantar sei lá o que para mim.
Amo a televisão que nos conta piadas e nos faz rir juntos outra vez.
Eu amo a camiseta branca de dormir e o travesseiro que me deita ao seu lado.
O seu cuidado com o meu sono e com o meu nariz entupido pela rinite.
Eu amo o seu perfume, incomumente parecido com o meu
E você ama o cheiro da minha pele, sem perfume e nem loção. Fur.
Amo a comida que você faz para mim e como me dá de comer.
Observo a sua análise interior, a sua racionalização do que é sentimento e seu veredito favorável.
Você pensa que não, mas vejo o seu medo de amar ir desaparecendo dia-a-dia.
Vejo os bordados do forro da mesa da cozinha e me divirto com o leite gordo da fazenda.
Me apaixono pelo seu retrato de criança e lhe guardo em minha carteira,
Sisudo e imponente, numa foto de trabalho.
Eu me enciumo de tudo o que você é, mas dou-lhe a liberdade de escolher ser meu.
Regozijo-me por possuí-lo (temeridades!) e regozijo-me em dar a posse de mim a você.
Não encaro estranhos na rua e abaixo a cabeça quando algum me encara.
Sou comprometidamente doado por própria vontade.
Lembro-me da noite que passei em meio ao escuro, quando em meio a um banho quente, a energia da casa caiu.
Meia-fase, quinze cigarros em seis horas.
O salvador abraço que me tomou no meio da noite, a sua chegada.
Eu amo-lhe, amo a sua integridade e o seu bom-senso.
O seu bigode volta e meia mal escanhoado e os seus braços finos.
Amo a forma como usa o seu boné e as calças apertadas que gosta de usar.
Quietinho em um canto observo-lhe.
Como se arruma para ir trabalhar, o esmero e o cuidado.
Cada fibra de meu coração se orgulha de você. Como a gata devora seus filhotes,
Eu lhe devoro, entranho-lhe em meu self.
Faço de você pedaço de mim, a parte mais bonita e digna de aprovação.
Eu me torno em verdade absoluta por você. Eu me torno em honestidade desmesurada.
Eu me apaixono por suas unhas e pelos cravos de seu rosto.
Você se apaixona pelos meus e, deitado em seu colo, você os retira um a um.
Quando a dor vem, seguro em seus braços e a suporto.
Você limpa os meus ouvidos e eu enfio o dedo no seu nariz para lhe provocar.
Assim como minha mãe, você não sente nenhum nojo e nem eu de você.
Não há nada desconhecido em mim para você e nem em você para mim [...].
Vestido ou despido, você me é carne e coração.
Muito mais que sexos e eras mitológicas.
Você e eu somos como os patinhos estampados no pano de prato.
A felicidade inocentemente infantilizada
E ainda assim somos o ser adulto, responsabilidades e enxaquecas.
Amo o seu silêncio e a sua gramática falha.
Me apaixono pela sua quase incapacidade de escrever textos poéticos.
Por ser tão diferente de mim e emotivamente calculado.
Amo o telefone que me traz você e a forma como arranha as minhas costas na cama durante a noite quente.
A sua capacidade de ser humano e de me levar além do divino sentimental.
Minha estrada está indissociavelmente ligada à sua. Alegrias.
Caminharemos como caminhamos. Veremos os dias passar como já vimos tantas vzes.
Você comigo e eu com você.
Observaremos a nossa juventude se esvaindo e nossa fresca beleza ficando para trás.
Você olhará para mim e ainda me amará, eu sei disso.
Isso me faz não temer a vida, medroso que poderia eu ser.
Coisa doida o tal do amor.
Quem nunca esteve com ele, pensa que não existe
E quando existe torna-se a razão maior de tudo o que é traço de vida e respiração.
Torna-se o paraíso e o inferno. O purgatório.
A redenção e a esperança de redenção.
As auréolas dos anjos e os animais incógnitos em torno do trono do Cordeiro.
Coisa estranha. Um agradecimento e um abraço.
É o que lhe dou a cada dia. Um amor incondicional. Frêmitos de gozo, emoções contidas.
Incontidas. O eu-sentimental e o eu-racional, juntos.
A imperiosa necessidade e o amoroso amor. Redundâncias, eufemismos.
Vinícius de Moraes nos cantaria, romanticamente.
Você e eu. Violões e canções francesas. Excentricidades. Este amor sem descrição.

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Por Raphaël Crone.

Um Romance de Eternidade.

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[ Viver é etecetera. ] * [ Guimarães Rosa ]

[ Tu tens um medo:/Acabar./ Não vês que acabas todo o dia./ Que morres no amor./ Na tristeza./ Na dúvida./ No desejo./ Que te renovas todo o dia./ No amor./ Na tristeza./ Na dúvida./ No desejo./ Que és sempre outro./ Que és sempre o mesmo./ Que morrerás por idades imensas./ Até não teres medo de morrer./ E então serás eterno. ] * [ Cecília Meirelles ]


Eu vejo a vida passar devagar quando me deito em seus braços.
Quando eu toco a sua pele nua e quando sinto o seu hálito junto à minha face.
Quando encosto meus lábios nos seus.
Quando sinto o envolver dos seus braços e o calor do seu corpo.
Eu sinto a vida me tornar mais moço quando conversamos sobre tudo - ou nada.
Quando planejamos o ano que vem e o que vamos comer no jantar.
Eu me pego supreendentemente emocionado.
Eu o observo enquanto dorme, sua calma e seu sorriso bobo.
E sei que você também me observa, quando durmo eu.
Percebo quando no meio da noite você me manda ir mais para o canto da cama
Porque eu estou lhe empurrando demais
E percebo quando, minutos depois, você me cobre e me beija, dizendo que me ama.
Finjo que durmo, mas escuto,
E dou pulos de alegria, ainda que sonolento, em meu coração apaixonado.
Nosso dias de novidade e nossas noites. Arroubos e melancolias.
Eu amo ser você e amo o modo como você me é.
Você é o meu coraçãozinho, ja disse outrora.
Amando como o amo, porém, nunca é demais repetir.

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Por Raphaël Crone.

Halo.

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[ Para todos os lugares que olho agora/ Sou surpreendida por seu abraço./ Querido, eu posso ver sua auréola./ Você sabe que é minha graça salvadora,/ Você é tudo o que preciso e mais,/ Isso está escrito por toda sua face./ Querido, eu posso sentir sua auréola,/ Rezarei para que ela não desapareça. ] * [ Beyoncé Knowles ]

[ Eu te amo, homem,/ hoje como toda vida quis e não sabia,/ eu que já amava de extremoso amor o peixe,/ a mala velha, o papel de seda e os riscos de bordado,/ onde tem o desenho cômico de um peixe/ — os lábios carnudos como os de uma negra./ [...] / Eu te amo, homem,/ amo o teu coração,/ o que é, a carne de que é feito,/ amo sua matéria, fauna e flora, seu poder de perecer,/ as aparas de tuas unhas perdidas nas casas que habitamos,/ os fios de tua barba. ] * [ Adélia Prado ]


Por mais que eu me esforce por achar, por mais que eu vasculhe,
Por mais que eu o procure sobre a sua cabeça,
Por mais que eu esquadrinhe por entre os seus cabelos,
Eu não consigo encontrar. Eu não acho.
Eu não consigo encontrar o seu halo, nenhuma auréola existe.
Nenhum traço de santidade ou de divina sobrehumanidade há em você.
Nenhuma promessa e nenhuma eternidade.
Você é apenas homem, perecível e sujeito a erros,
Exatamente como eu o sou.
Engraçado como isso basta para mim!
Como eu amo a sua humanidade e a sua capacidade de perecer.
Como eu não desejo nada mais que isso, nem anjo e nem deus,
Mas apenas você, sem auréola e sem mistério.
Eu o amo porque você me ama, você me escolhe a cada dia,
Mesmo sabendo que não encontrará nenhum halo por entre meus cabelos.
Apenas confiando no meu amor e na minha constância me ama.
Como poderia não amá-lo então, por minha vez?

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Por Raphaël Crone.

Fisiologias.

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[ Cómo decir que me parte en mil/ Las esquinitas de mis huesos,/ Que han caído los esquemas de mi vida/ Ahora que todo era perfecto./ Y algo más que eso,/ Me sorbiste el seso y me decían del peso/ De este cuerpecito mío/ Que se ha convertío en río./ De este cuerpecito mío/ Que se ha convertío en río./ Me cuesta abrir los ojos/ Y lo hago poco a poco,/ No sea que aún te encuentre cerca./ Me guardo tu recuerdo/ Como el mejor secreto,/ Que dulce fue tenerte dentro./ Siempre me quedará/ La voz suave del mar,/ Volver a respirar la lluvia que caerá/ Sobre este cuerpo y mojará/ La flor que crece en mi,/ Y volver a reír/ Y cada día un instante volver a pensar en ti./ En la voz suave del mar,/ En volver a respirar la lluvia que caerá/ Sobre este cuerpo y mojará/ La flor que crece en mi,/ Y volver a reír/ Y cada día un instante volver a pensar en ti. ] * [ Bebe ]


Sem uma palavra que denuncie o ato, eu me atiro em você.
Eu me arrojo, turbilhão noturno, pensamentos longínquos,
O Lórien sentimental, pensamentos élficos.
Eu me torno fisiologia e anatomia por você. Eu me despedaço e me reconstruo.
Eu me torno em sangue e brasas,
Um caminho ardente por onde apenas você caminha.
Eu me reporto a mundos ulteriores e a verdades impenitentes,
Eu me dispo das sensações e pudores,
Eu me torno em carne nua e em verdade explícita.
Um vórtice imperioso, eu me arremesso em sua direção:
O aumento do débito cardíaco: sou sangue em muita quantidade para um minuto.
A frequência que se exarceba: taquicardia, taquicardia.
Monitorize-me urgentemente, por favor.
Às vezes penso que você me fará infartar. Que bobagem!
Eu venço a resistência periférica, eu me desvencilho dos obstáculos,
Eu chego até você. Eu venço a vida e venço a morte.
Fisiologias sentimentais, veja só.
Vasoespasmos, vasodilatação, vasoconstrição.
Sob pressão contundente, quase pontiaguda eu me atiro,
Sigo avante em sua direção. Um beijo de amor, escarlate e ácido.
Um pH menor que 7,35. Um gosto de ferrugem.
Ferro. Hemoglobina. Eritrócitos.
Eu me desvencilho da viscosidade que me envolve.
Eu me desfaço de meus elementos figurados e me torno plasma.
Eu me torno fluido, para chegar logo até você.
Sonhos fisiológicos, veja só. Não é bobagem.
Eu deixo para trás minhas hemácias, oxigenação e nutrição,
Eu deixo o que for necessário. Estou caindo.
Eu deixo meus leucócitos, minhas defesas abertamente indefesas.
Eu abandono plaquetas e princípios de coagulação.
Eu me torno em hemorragia, choque hipovolêmico,
Isquemias e necroses, eu me desfaço e me refaço por você.
Violentamente arremessado em sua direção,
Atraído por um chamado instintivamente maior que a vida e a morte.
Eu me faço volemia aumentada, ainda que sob estresse e perda.
Eu me faço mina de sangue, ainda que frente à ferida que verte e não cessa de verter.
Eu ignoro os obstáculos, ainda. Placas de ateromas, êmbolos, trombos.
Eu deixo os capilares, arteríolas, vênulas,
Eu tomo lugar nas veias cavas, aorta abdominal, torácica,
Eu chego ao seu coração e o paralizo:
Um frêmito misto de agonia e regozijo,
O palor da morte e o beijo da vida. Um minuto, dois.
Uma sístole impensada. Você vive. E eu com você. Eu me refaço, fisiologias.
Eu ignoro as dificuldades e me entrego, dia a dia.
Momento a momento, eu sigo até você e me atiro em seus braços.
Eu me faço e desfaço, eu nasço, pereço e renasço novamente.
Eu sinto o amor e me nutro dele. De você.
Eu enfrento a aventura da existência, desventuradamente perigosa.
Eu faço tudo e refaço por você. E vejo você se fazer e refazer por mim.
Fisiologias. E nada mais.

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Por Raphaël Crone.

terça-feira, 3 de março de 2009

Voto.

-
[ Deixe chover,/ Deixe chover./ Por que não podemos encontrar o amor de novo?/ Deixe chover,/ Deixe chover./ Ainda me afogo em lágrimas de dor,/ Deixe chover. ] * [ Sarah Brightman ]


Ontem eu aprendi o que significa amar na alegria e na tristeza.
A tristeza profunda, a decepção cruciante, o pavor.
O espancamento da nossa fresca juventude.
Eu o amei naquele momento e hoje o amo mais.
Eu penso que o amarei por toda a vida.
Eu cuidarei dele e ele cuidará de mim, até que o mundo passe.
Nos banharemos na luz e na chuva, deixe chover.
Eu entendi que não sou ninguém sem ele aqui
E me fiz valente por meu amor.
Felicidades estranhas: eu o amo mais,
Eu me orgulho dele e eu caminharei com ele a segunda e a terceira milhas.
Até que a chuva passe.
Até que o mundo passe.
Eternidades.

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Por Raphaël Crone.