sábado, 14 de março de 2009

O Que é Muito Amar.

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[ As coisas assim a gente não perde e nem abarca. Cabem é no brilho da noite. Aragem do sagrado. Absolutas estrelas. ] * [ Guimarães Rosa ]

[ Eu escuto as cores dos passarinhos ] * [ Manoel de Barros ]


Gostaria de escrever sobre outras coisas,
Mas neste minuto que não passa me sinto tomado demais para pensar em algo mais que não você.
Eu vasculho os seus traços pelos cantos da casa.
Tomo uma vassoura entre as mãos e procuro ajuntar as suas pegadas, guardá-las em um pote e com elas sempre saber por onde você anda.
Eu o vejo brilhar nas gotas que molharam a grama verde. Vejo a sua graça nos arbustos do quintal e até mesmo nas abóboras que colho fora do tempo.
Eu acompanho com os olhos as moscas que rondam a casa e elas traduzem o que é um dia sem você por perto: uma insuportável melancolia.
Eu, que aprendi a amar o som da canção, a voz de minha mãe e o rigor de meu pai,
Aprendi a amar também o seu silêncio inóspito.
O seu modo sombrio de contar novidades, ainda que boas.
O mistério que você imprime aos fatos e os sobressaltos que meu coração dá quando você me abraça forte.
Amo o sofá em que me deito, enquanto escuto o dvd cantar sei lá o que para mim.
Amo a televisão que nos conta piadas e nos faz rir juntos outra vez.
Eu amo a camiseta branca de dormir e o travesseiro que me deita ao seu lado.
O seu cuidado com o meu sono e com o meu nariz entupido pela rinite.
Eu amo o seu perfume, incomumente parecido com o meu
E você ama o cheiro da minha pele, sem perfume e nem loção. Fur.
Amo a comida que você faz para mim e como me dá de comer.
Observo a sua análise interior, a sua racionalização do que é sentimento e seu veredito favorável.
Você pensa que não, mas vejo o seu medo de amar ir desaparecendo dia-a-dia.
Vejo os bordados do forro da mesa da cozinha e me divirto com o leite gordo da fazenda.
Me apaixono pelo seu retrato de criança e lhe guardo em minha carteira,
Sisudo e imponente, numa foto de trabalho.
Eu me enciumo de tudo o que você é, mas dou-lhe a liberdade de escolher ser meu.
Regozijo-me por possuí-lo (temeridades!) e regozijo-me em dar a posse de mim a você.
Não encaro estranhos na rua e abaixo a cabeça quando algum me encara.
Sou comprometidamente doado por própria vontade.
Lembro-me da noite que passei em meio ao escuro, quando em meio a um banho quente, a energia da casa caiu.
Meia-fase, quinze cigarros em seis horas.
O salvador abraço que me tomou no meio da noite, a sua chegada.
Eu amo-lhe, amo a sua integridade e o seu bom-senso.
O seu bigode volta e meia mal escanhoado e os seus braços finos.
Amo a forma como usa o seu boné e as calças apertadas que gosta de usar.
Quietinho em um canto observo-lhe.
Como se arruma para ir trabalhar, o esmero e o cuidado.
Cada fibra de meu coração se orgulha de você. Como a gata devora seus filhotes,
Eu lhe devoro, entranho-lhe em meu self.
Faço de você pedaço de mim, a parte mais bonita e digna de aprovação.
Eu me torno em verdade absoluta por você. Eu me torno em honestidade desmesurada.
Eu me apaixono por suas unhas e pelos cravos de seu rosto.
Você se apaixona pelos meus e, deitado em seu colo, você os retira um a um.
Quando a dor vem, seguro em seus braços e a suporto.
Você limpa os meus ouvidos e eu enfio o dedo no seu nariz para lhe provocar.
Assim como minha mãe, você não sente nenhum nojo e nem eu de você.
Não há nada desconhecido em mim para você e nem em você para mim [...].
Vestido ou despido, você me é carne e coração.
Muito mais que sexos e eras mitológicas.
Você e eu somos como os patinhos estampados no pano de prato.
A felicidade inocentemente infantilizada
E ainda assim somos o ser adulto, responsabilidades e enxaquecas.
Amo o seu silêncio e a sua gramática falha.
Me apaixono pela sua quase incapacidade de escrever textos poéticos.
Por ser tão diferente de mim e emotivamente calculado.
Amo o telefone que me traz você e a forma como arranha as minhas costas na cama durante a noite quente.
A sua capacidade de ser humano e de me levar além do divino sentimental.
Minha estrada está indissociavelmente ligada à sua. Alegrias.
Caminharemos como caminhamos. Veremos os dias passar como já vimos tantas vzes.
Você comigo e eu com você.
Observaremos a nossa juventude se esvaindo e nossa fresca beleza ficando para trás.
Você olhará para mim e ainda me amará, eu sei disso.
Isso me faz não temer a vida, medroso que poderia eu ser.
Coisa doida o tal do amor.
Quem nunca esteve com ele, pensa que não existe
E quando existe torna-se a razão maior de tudo o que é traço de vida e respiração.
Torna-se o paraíso e o inferno. O purgatório.
A redenção e a esperança de redenção.
As auréolas dos anjos e os animais incógnitos em torno do trono do Cordeiro.
Coisa estranha. Um agradecimento e um abraço.
É o que lhe dou a cada dia. Um amor incondicional. Frêmitos de gozo, emoções contidas.
Incontidas. O eu-sentimental e o eu-racional, juntos.
A imperiosa necessidade e o amoroso amor. Redundâncias, eufemismos.
Vinícius de Moraes nos cantaria, romanticamente.
Você e eu. Violões e canções francesas. Excentricidades. Este amor sem descrição.

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Por Raphaël Crone.

Um Romance de Eternidade.

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[ Viver é etecetera. ] * [ Guimarães Rosa ]

[ Tu tens um medo:/Acabar./ Não vês que acabas todo o dia./ Que morres no amor./ Na tristeza./ Na dúvida./ No desejo./ Que te renovas todo o dia./ No amor./ Na tristeza./ Na dúvida./ No desejo./ Que és sempre outro./ Que és sempre o mesmo./ Que morrerás por idades imensas./ Até não teres medo de morrer./ E então serás eterno. ] * [ Cecília Meirelles ]


Eu vejo a vida passar devagar quando me deito em seus braços.
Quando eu toco a sua pele nua e quando sinto o seu hálito junto à minha face.
Quando encosto meus lábios nos seus.
Quando sinto o envolver dos seus braços e o calor do seu corpo.
Eu sinto a vida me tornar mais moço quando conversamos sobre tudo - ou nada.
Quando planejamos o ano que vem e o que vamos comer no jantar.
Eu me pego supreendentemente emocionado.
Eu o observo enquanto dorme, sua calma e seu sorriso bobo.
E sei que você também me observa, quando durmo eu.
Percebo quando no meio da noite você me manda ir mais para o canto da cama
Porque eu estou lhe empurrando demais
E percebo quando, minutos depois, você me cobre e me beija, dizendo que me ama.
Finjo que durmo, mas escuto,
E dou pulos de alegria, ainda que sonolento, em meu coração apaixonado.
Nosso dias de novidade e nossas noites. Arroubos e melancolias.
Eu amo ser você e amo o modo como você me é.
Você é o meu coraçãozinho, ja disse outrora.
Amando como o amo, porém, nunca é demais repetir.

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Por Raphaël Crone.

Halo.

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[ Para todos os lugares que olho agora/ Sou surpreendida por seu abraço./ Querido, eu posso ver sua auréola./ Você sabe que é minha graça salvadora,/ Você é tudo o que preciso e mais,/ Isso está escrito por toda sua face./ Querido, eu posso sentir sua auréola,/ Rezarei para que ela não desapareça. ] * [ Beyoncé Knowles ]

[ Eu te amo, homem,/ hoje como toda vida quis e não sabia,/ eu que já amava de extremoso amor o peixe,/ a mala velha, o papel de seda e os riscos de bordado,/ onde tem o desenho cômico de um peixe/ — os lábios carnudos como os de uma negra./ [...] / Eu te amo, homem,/ amo o teu coração,/ o que é, a carne de que é feito,/ amo sua matéria, fauna e flora, seu poder de perecer,/ as aparas de tuas unhas perdidas nas casas que habitamos,/ os fios de tua barba. ] * [ Adélia Prado ]


Por mais que eu me esforce por achar, por mais que eu vasculhe,
Por mais que eu o procure sobre a sua cabeça,
Por mais que eu esquadrinhe por entre os seus cabelos,
Eu não consigo encontrar. Eu não acho.
Eu não consigo encontrar o seu halo, nenhuma auréola existe.
Nenhum traço de santidade ou de divina sobrehumanidade há em você.
Nenhuma promessa e nenhuma eternidade.
Você é apenas homem, perecível e sujeito a erros,
Exatamente como eu o sou.
Engraçado como isso basta para mim!
Como eu amo a sua humanidade e a sua capacidade de perecer.
Como eu não desejo nada mais que isso, nem anjo e nem deus,
Mas apenas você, sem auréola e sem mistério.
Eu o amo porque você me ama, você me escolhe a cada dia,
Mesmo sabendo que não encontrará nenhum halo por entre meus cabelos.
Apenas confiando no meu amor e na minha constância me ama.
Como poderia não amá-lo então, por minha vez?

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Por Raphaël Crone.

Fisiologias.

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[ Cómo decir que me parte en mil/ Las esquinitas de mis huesos,/ Que han caído los esquemas de mi vida/ Ahora que todo era perfecto./ Y algo más que eso,/ Me sorbiste el seso y me decían del peso/ De este cuerpecito mío/ Que se ha convertío en río./ De este cuerpecito mío/ Que se ha convertío en río./ Me cuesta abrir los ojos/ Y lo hago poco a poco,/ No sea que aún te encuentre cerca./ Me guardo tu recuerdo/ Como el mejor secreto,/ Que dulce fue tenerte dentro./ Siempre me quedará/ La voz suave del mar,/ Volver a respirar la lluvia que caerá/ Sobre este cuerpo y mojará/ La flor que crece en mi,/ Y volver a reír/ Y cada día un instante volver a pensar en ti./ En la voz suave del mar,/ En volver a respirar la lluvia que caerá/ Sobre este cuerpo y mojará/ La flor que crece en mi,/ Y volver a reír/ Y cada día un instante volver a pensar en ti. ] * [ Bebe ]


Sem uma palavra que denuncie o ato, eu me atiro em você.
Eu me arrojo, turbilhão noturno, pensamentos longínquos,
O Lórien sentimental, pensamentos élficos.
Eu me torno fisiologia e anatomia por você. Eu me despedaço e me reconstruo.
Eu me torno em sangue e brasas,
Um caminho ardente por onde apenas você caminha.
Eu me reporto a mundos ulteriores e a verdades impenitentes,
Eu me dispo das sensações e pudores,
Eu me torno em carne nua e em verdade explícita.
Um vórtice imperioso, eu me arremesso em sua direção:
O aumento do débito cardíaco: sou sangue em muita quantidade para um minuto.
A frequência que se exarceba: taquicardia, taquicardia.
Monitorize-me urgentemente, por favor.
Às vezes penso que você me fará infartar. Que bobagem!
Eu venço a resistência periférica, eu me desvencilho dos obstáculos,
Eu chego até você. Eu venço a vida e venço a morte.
Fisiologias sentimentais, veja só.
Vasoespasmos, vasodilatação, vasoconstrição.
Sob pressão contundente, quase pontiaguda eu me atiro,
Sigo avante em sua direção. Um beijo de amor, escarlate e ácido.
Um pH menor que 7,35. Um gosto de ferrugem.
Ferro. Hemoglobina. Eritrócitos.
Eu me desvencilho da viscosidade que me envolve.
Eu me desfaço de meus elementos figurados e me torno plasma.
Eu me torno fluido, para chegar logo até você.
Sonhos fisiológicos, veja só. Não é bobagem.
Eu deixo para trás minhas hemácias, oxigenação e nutrição,
Eu deixo o que for necessário. Estou caindo.
Eu deixo meus leucócitos, minhas defesas abertamente indefesas.
Eu abandono plaquetas e princípios de coagulação.
Eu me torno em hemorragia, choque hipovolêmico,
Isquemias e necroses, eu me desfaço e me refaço por você.
Violentamente arremessado em sua direção,
Atraído por um chamado instintivamente maior que a vida e a morte.
Eu me faço volemia aumentada, ainda que sob estresse e perda.
Eu me faço mina de sangue, ainda que frente à ferida que verte e não cessa de verter.
Eu ignoro os obstáculos, ainda. Placas de ateromas, êmbolos, trombos.
Eu deixo os capilares, arteríolas, vênulas,
Eu tomo lugar nas veias cavas, aorta abdominal, torácica,
Eu chego ao seu coração e o paralizo:
Um frêmito misto de agonia e regozijo,
O palor da morte e o beijo da vida. Um minuto, dois.
Uma sístole impensada. Você vive. E eu com você. Eu me refaço, fisiologias.
Eu ignoro as dificuldades e me entrego, dia a dia.
Momento a momento, eu sigo até você e me atiro em seus braços.
Eu me faço e desfaço, eu nasço, pereço e renasço novamente.
Eu sinto o amor e me nutro dele. De você.
Eu enfrento a aventura da existência, desventuradamente perigosa.
Eu faço tudo e refaço por você. E vejo você se fazer e refazer por mim.
Fisiologias. E nada mais.

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Por Raphaël Crone.