sábado, 28 de maio de 2016

Serial Killer / Opus 2



Ela abre os olhos: a sala é larga e melancólica, banhada em uma estranha luz vermelha;
Tão vermelha que o contato dela com a sua pele tem o saibro de sangue nos lábios.
Ao canto, ela vê uma cadeira vazia. Uma mesa do outro lado,
Alguns instrumentos impossíveis de se reconhecer em meio à penumbra, que repousam em uma prateleira alta, que se esgueira contra a parede.
Ela, com as mãos para cima, atadas por uma corda presa em um gancho no teto.
Um gancho de açougueiro.

Em algum canto há um rádio. E, curioso: o som que emana dali não combina com a atmosfera lúgubre do recinto.
É uma batida viciosa de música eletrônica, com violinos e sussurros mixados,
Uma letra ininteligível, mas em uma estrutura pulsátil e metálica. Um canto de loucura, deveras.
O chão parece sujo de manchas largas e escuras. No canto oposto à cadeira, há um amontoado de material estranho, úmido e impossível de se reconhecer, tampouco.
Eventualmente, a lâmpada vermelha pisca. Apaga. Reacende em seguida, para novamente apagar-se.

A última lembrança que tinha era a da avenida sonolenta e erma e a de um carro aproximando-se.
Cada passo que ela dava, tentando andar mais depressa, soava como uma batida de um martelo em uma bigorna: os seus saltos altos contra o asfalto enregelado.
O motorista parou ao seu lado, perguntando onde ficava a Avenida Wellington. Ora, aquela era a Avenida Wellington, dissera ela.
Risadas, pedidos de desculpa pela confusão, ela se afastando aliviada e apressada e o carro lançando-se contra ela no momento seguinte.

Os seus saltos altos não estavam mais lá, assim como a sua bolsa. O seu vestido havia sido cortado e jazia aos seus pés. Apenas a sua lingerie cobria o seu corpo esbelto.
A sala era fria, o toque dos seus pés descalços contra o chão a fazia tremer insistentemente, por mais que tentasse dominar-se.
Por um momento, moveu um dos pés e ele tocou uma das manchas escuras. Estava quase sólida, mas ainda era o resíduo de algo líquido. Viscoso. Espesso.
Estava a ponto de recomeçar a chorar quando uma porta abriu-se no alto de uma escadaria. A sombra de um homem apareceu contra a luz. Ali começava a fantasmagoria.


Um Alerta



Ele é como um carro em chamas, correndo freneticamente por uma estrada vazia e escura. Uma pira incandescente e rubra, como uma vida que foge da extinção.
Belos olhos, cabelos e barba negros, pele pálida. Corpo esguio, pronto para ser despedaçado e atirado aos cães, para depois recompor-se, qual estúpida chama de um desejo bruxuleante.
Sua risada é como o prenúncio de um trovão distante, que estremece a noite, dela se alimenta e, logo, desaparece. Ele é gracioso e excêntrico,com um quê de misterioso, convicto e encarcerado nas entranhas de uma pilha de carbono melancólica.
Tudo o que existe em seu interior é negror e névoa; tudo o que ele é deve ser evitado. De suas veias, escorre veneno rubro e viscoso, que mancha o chão sob os seus sapatos empoeirados.
A ilusão de sua presença é um convite para conhecer o verdadeiro deus, para tocar a sua face efêmera e, então, chorar de alegria nas profundezas do seu amor.
Ele alimenta-se de juventude, haja vista que os anos para ele passam, ainda que mais lentos que o usual. Ele é feroz e impaciente, agressivo e impiedoso. Não se compadece com lágrimas e nem com súplicas. Ele é a última curva antes do amanhecer, envolta entre a fumaça dos seus cigarros, afugentada pelos seus dentes à mostra.
Ele é formoso, mas obscuro e instável como uma sonata de Bach. Bem farias em fugir dele, humano incauto. Apesar de humano ele também ser, ele é sombra e pó. Ferrugem e osso. Um último gemido e o silêncio. Não mais que um estranho sonho e a derradeira quimera, afinal.