domingo, 31 de outubro de 2010

Samhain

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[ Eu posso ver as luzes na distância, tremeluzindo sob o manto escuro da noite... Velas e lanternas estão dançando, dançando uma valsa na Noite de Todas as Almas... ] * [ Loreena McKennitt ]

[ Quando a Lua, numa nuvem, lançou a Noite, pendurada sobre o topo das árvores,/ Você me cantou sobre um passado distante, que fez meu coração bater forte e rápido:/ Agora eu sei que estou em casa, finalmente./ Você me ofereceu asas de águia, com as quais eu poderia planar até o Sol, e cantar/ E se eu escutasse o lamento da coruja, eu poderia voar para dentro da floresta/ E dentro dessa escuridão te encontrar.../ Então, o nosso amor não é coisa simples, nem nossas sólidas verdades/Mas como a Lua puxa as marés, nossos corações se tocam em colisão:/ Eu serei um sopro da Lua ao seu lado... ] * [ Loreena McKennitt ]

Amanhece chovendo em Samhain, o orvalho dos que partiram para a terra além do rio,
As preces que caem em gotas do céu sobre as cidades que dormem.
Noite das bruxas, onde o véu entre os mundos torna-se tênue,
O Samhain dos antigos celtas retorna à vida,
A Roda girando, o prenúncio do Inverno,
A Mãe que está descendo ao submundo em busca de seu consorte.
Tempo das lanternas e das preces às almas,
"Permaneça em paz, meu bom amigo!
Aí, onde eu não vejo, mas de onde sou visto! [...]".
A chama entre as brumas, o lago de Avalon,
O retorno da barca de Aqueronte.
Hoje é Halloween, conforme os versos da canção antiga,
Dia das criancinhas se esconderem por sob as capas,
Dia da Lâmia passar sua visita noturna,
Dia dos demônios meridionais retornarem à sua noite original...
"Mantenham as lanternas acesas, para que o mal passe reto!
Mantenham as abóboras sorrindo..."
Hoje é Halloween, o triunfo de Mike Mayers,
Carnificinas cinematográficas,
Danças de roda sob a capa da noite, nos bosques adormecidos.
Into the woods, more and more...
Covens em audiência, invocações e encantos,
A época de resgatar o deus e trazer dele seu filho a ser partejado em Yule...
Hoje é Halloween, o urbano e inventado,
E o lendário e espiritual.
Samhain, que do outro lado do véu emane benção e sabedoria!
Poder, Mãe!
Que emane justiça e claridade,
Discernimento e força
Para seguirmos girando a Roda, que sempre foi e nunca vai deixar de ser,
Para que mantenhamos a luz em convergência,
Crescimento e aprendizado, ascenção perene e evolução.

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Por Raphaël Crone

Ebulições

e vc-
Eu gosto do que sujo, do que é áspero, mordaz,
Do que morde e envenena.
Gosto do que pulsa, do que bate, atroz,
Do que martela em ondas de insuportável anunciação.
Gosto do que queima, do que fere,
Do que arde e do que faísca.
Eu gosto dos que ardem.
Eu gosto do inverno, dos flocos setentrionais,
Pálidos e gélidos
E gosto do verão, trópicos em chamas,
Cidades vermelhas, terras vermelhas,
Sóis fumegantes e incandescentes.
Eu gosto do que é inóspito, do que desafia a existência
E ainda assim existe,
Do que é selvagem, selvático, primitivo e carnal,
Mas não gosto do insípido, do incolor, do que não se vê, não se cheira, não se sente...
Eu gosto do sentimento, feelings entorpecidos e inebriados,
Aguçados com o calor do perigo e da espreita.
Eu gosto de adrenalina, sistema simpático, luta e fuga,
Eu gosto dos cheiros fortes, dos sabores inusitados,
Benzeno, metano, clorofórmio...
Eu gosto do que desafia a existência, mas que ainda assim é ultrapassado por ela,
Eu gosto da arte em gestos,
Da corrida, do embate.
Gosto das noites nas alcovas e nos becos,
Das palavras sob custódia e das deliberações silenciosamente reveladoras.
Roupas que caem, peles que se abrem...
Eu gosto do rush do tempo, a corrida da luz e do som,
Eu gosto dos gozos, vigílias cevadas em perdição...
Dos que queimam, dos que se debatem,
Dos que se derretem, dos que se refazem, dos que ardem...
Fogos de artifício, ebulições, o big bang existencial.

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Por Raphaël Crone

Noites Brancas

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[ ...Em alguns dias eu sou uma super vadia, cheia dos meus truques, mas isso não dura para sempre. Em outros, eu sou uma supergirl, saindo pra salvar o mundo, e isso continua melhorando... ] * [ Christina Aguilera ]

[ ...Qual é o seu nome, cara? ...Pode pegar as minhas coisas? ...Acho que preciso de uma aspirina... O que aconteceu noite passada? Por que não me lembro? ...O que acontece? ... ] * [ Britney Spears ]

[ ...Eu não sou eu esta noite, não sou a mesma garota, não sou a mesma garota... ] * [ Christina Aguilera ]


Cultura pop a serviço da arte
Interagindo e tornando-se arte,
Lasciva, metamórficamente obscena,
Transformações de personalidades com o cair da noite,
Madrugadas sedentas, noites em branco.
Mon dieu, nuit blanche...
Como me reconheço quando a manhã chega?
Como posso me lembrar do que passado foi noite adentro?
Noite adentro, afora, adentro, afora [...]
Promiscuidade e efervescência, poesia,
Frêmitos, vigílias em perdição.
Noites de Solfieri, imaginações de Álvares de Azevedo.
Noites de luzes em século infante,
Neons multicoloridos.
Noites de fúria e som, gemidos, sibilos, penetrações.
Perversões, a dois, a três, a quatro.
De quatro.
Como me lembraria do que foi noite adentro?
Rijos braços, contraídos músculos,
Movimentos rítmicos, arrítmicos, em síncopes violentas,
De uma a outra mão.
Mãos no quadril, de quatro no chão.
Palavras ininteligíveis.
Não sou eu esta noite, tudo, apenas um borrão:
O que acontece?
Quando anoitece, quando amanhece... [?]
Cultura pop, vida pop,
Vida de gozo e poesia.
Erótica. Poética. Sentimentalmente egocêntrica,
Preocupada em transbordar-se em rios ebúrneos,
Viscosos... Indecentemente deleitosos...
O que se passa... [?]
Tudo é um borrão... Eu novamente pela manhã...
Preparando-me em planejamentos,
Novamente não mais eu na noite que vai chegar...

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Por Raphaël Crone

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Recomeço: Volta

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E volto eu,
Arrastando-me em direção ao êxtase,
Ao frêmito das madonas, Santas Teresas, Magdalenas,
A carne trêmula, como a de Almodóvar;
Tal é a sensação, diante de mim, uma vez mais.
Suspenso no ar por fios que não se veem:
Uns movimentam punho, outros, pena,
Um mais tênue imita o pulso de um coração,
Outros, etéreos, são ventilação artificial, pulmões em expansão e remissão:
Eu de volta à essência, trêmulo, pueril, pródigo,
Após a abstinência, de volta ao básico,
Ao meu básico, ao meu êxtase,
À minha escrita anônima.
Um novo acolhimento,
Neologismos e sentimentalidades [in] coerentes;
Mais uma vez ouvirei eu mesmo falar do que há cá dentro,
Exteriorizando-me.
Eviscerando-me em sangue e letras,
Dogmas implícitos, opiniões, explicitando-me,
Tripas de conotação filosófica.
O eu da minha juventude
Pródiga, em êxtase, em volta de,
De volta a, por necessidade, por prazer, por obrigação cármica, quiçá.
Reinicio por vontade própria meu processo,
Roda do Samsara, das aparências, das vaidades abandonadas.
Violenta evisceração.

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Por Raphaël Crone.