domingo, 23 de novembro de 2008

De Olhos Fechados.


[ É necessário ter o caos cá dentro para gerar uma estrela. ] * [ Friederich Nietzsche ]



Eu sou um universo em formação e deformação.
Sou uma praia distante,
Uma melodia confusa,
Mais ou menos uma Rapsódia de Liszt.
Eu sou paradoxal e confuso.
Costumo assustar.
Eu sou o caos e o Éden.
E sou apenas um menino.

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Por Raphaël Crone.

Um Voto Desfeito.


[ Tell me her name,/ I want to know/ The way she looks/ And where you go./ I need to see her face,/ I need to understand/ Why you and I came to an end./ Tell me again,/ I want to hear/ Who broke my faith in all these years./ Who lays with you at night/ When I'm here all alone,/ Remembering when I was your own. ] * [ Lara Fabian ]



Eu soprei em seus lábios o vento de meus pulmões.
Brincadeiras tolas.
Eu soprei em seus lábios o fôlego de minha vida.
Eu soprei minha juventude e vigor.
Eu soprei meu amor por você.

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Por Raphaël Crone.

Prière.

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[ A verdade tem muitas faces e assemelha-se à velha estrada que conduz a Avalon:/ o lugar para onde o caminho nos levará depende da nossa própria vontade e de nossos pensamentos,/ e, talvez, no fim, chegaremos ou à sagrada ilha da eternidade,/ ou aos padres, com seus sinos, sua morte, seu Satã e Inferno e danação.../ Mas talvez eu seja injusta com eles./ Até mesmo a Senhora do Lago, que odiava a batina do padre tanto quanto teria odiado a serpente venenosa,/ e com boas razões, censurou-me certa vez por falar mal do deus deles./ “Todos os deuses são um deus”, disse ela,/ então como já dissera muitas vezes antes,/ e como eu repeti para as minhas noviças inúmeras vezes,/ e como toda sacerdotisa, depois de mim, há de dizer novamente,/ “e todas as deusas são uma deusa, e há apenas um iniciador./ E cada homem a sua verdade, e Deus com ela”./ Mas esta é a minha verdade;/ eu, que sou Morgana, conto-vos estas coisas,/ Morgana que em tempos mais recentes foi chamada Morgana, a Fada. ] * [ Marion Zimmer Bradley ]
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Ensinai-me, Mãe, a olhar para o tempo além de meus olhos.
A olhar para as florestas de Lórien e para a imensidão que se perde além do meu dia.
Ajudai-me a contemplar os mundos paralelos
E a ouvir as canções dos elfos e duendes.
A encontrar consolo na beira de um regato e a respeitar a santidade da grama que piso,
A imponência e sabedoria das árvores anciãs
E a efervescência de magia na chuva que cai.
Ajudai-me a encontrar esperança em vosso regaço, Mãe,
Que planta, que cuida e que sega.
Tripla Bridget, sacerdotisa e cuidadora,
Ensinai-me a ter retidão de pensamento e mansidão.
A enxergar a luz em cada criatura
E a ser um convosco em minha longa caminhada além desta terra
Na qual peregrino por agora.
Mas não para sempre.

Que assim seja.

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Por Raphaël Crone.

Entre os Atos.


[ Eu perdi amigos, alguns para a morte, Outros pela incapacidade de atravessar a rua. ] * [ Virginia Woolf ]



Não me deixes perder de ti, meu amigo,
Por não ter força nas pernas para ir ver-te.
Se preciso for, carrega-me até eu ser forte.
Se preciso for, venha tu me visitar em minha clausura.
Se preciso for, resgata-me da frialdade, assim como o bardo Kevin fez com a velha Morgana em Tintagel,
Se preciso for, apenas telefona-me e me mostra que ainda sou importante e sirvo para ti nesta vida.

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Por Raphaël Crone.

Ela é Meu Homem.


[ Você é desinibido na cama?/ Mais de três vezes por semana?/ Aberto a experimentar coisas novas?/ Você é atlético?/ Você está num trabalho que ajuda seu irmão?/ Não é viciado? ] * [ Alanis Morissette ]



Incrivelmente, ela me joga na fossa.
I thought we'd be simple together,
but I was sadly mistaken.
E ela me puxa para fora dela:
Is she perverted like me?
Would she go down on you in a theater?
Sim, ela me faz sentir como um príncipe, o seu príncipe familiar
E me faz querer morrer com as verdades que me fala:
Soon I'll grow up and I won't even flinch at your name.
Ela cura dor-de-cotovelo e ensina ter vergonha na cara.
Ela poderia ser pop e chique.
Mas a verdade é que ela é bem alternativa.
Alternativa o suficiente para mim.

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Por Raphaël Crone.

Uma Mulher Suja.


[ Quem luta com monstros deve velar para que, ao fazê-lo,/ não se transforme também em monstro./ E se tu olhares durante muito tempo para um abismo,/ o abismo também olha para dentro de ti. ] * [ Friederich Nietzsche ]



Vendi meus dentes, como a Fantine de Victor Hugo, por uma causa nobre.
Perdi os meus cabelos para a fome e para a necessidade.
Perdi a dignidade mendigando minha ração e perdi a vergonha quando senti a fome apertar.
Sou renegada, sou excluída.
Minha teto é o firmamento e minha canção pede uma moeda para soar,
Um pedaço de fazenda pobre para a vestimenta
Ou um pão duro para o estômago.
Ninguém me traz flores ou elogios,
Eu sou invisível. Eu lhe trago incômodo e pesar,
Às vezes, alguma pena;
Em minha vertigem, em minha insônia, eu apenas aguardo.
Quando você me conhecer, eu estarei aguardando.
E quando você me esquecer, aguardando ainda eu estarei.
Depois de você e depois dos outros.
Aguardarei.
Esta é a sina dos desafortunados.
Até que a vida me libere e eu possa apenas descansar.
Antes que isso aconteça,
Aguardando estarei.

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Por Raphaël Crone.

Fièvre.


[ You give me fever when you kiss me,/ Fever when you hold me tight./ Fever in the morning,/ Fever all through the night. ] * [ Elvis Presley ]



Eu quero sentir a sua mão em minha pele,
Pornograficamente.
Quero sentir o som de sua voz morrendo,
Até tornar-se um sussurro obsceno,
Me fazendo pensar no existencialismo mais medíocre.
Quero ser sufocado pela onda libidinosa na qual só você sabe me envolver.
Como Elvis ardia,
Eu quero arder.
Ma fièvre.

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Por Raphaël Crone.

Pedido Recôndito.


[ Lembro-me das noites que o assisti dormir,/ Seu corpo agarrado por algum sonho distante./ Bem, eu estava tão assustada e tão apaixonada aquela época/ E tão perdida em tudo de você que eu havia visto.../ E eu não vou te esquecer,/ Também não vou nunca deixá-lo partir./ Oh, eu não vou te esquecer... ] * [ Sarah McLachlan ]



Não me esqueça. Pense em mim de vez em quando.
Lembre-se que um dia eu fui a razão do seu sorriso mais bonito.

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Por Raphaël Crone.

Limão e Sal.


[ Aprendi com a primavera a me deixar cortar. E a voltar sempre inteira. ] * [ Cecília Meirelles ]

[ É pensando nos homens que eu perdôo aos tigres e às garras que dilaceram. ] * [ Florbela Espanca ]

[ Eu só quero que você saiba que eu estou pensando em você, que eu te adoro cada vez mais e que eu te quero sempre em paz. ] * [ Marisa Monte ]



Às vezes ainda choro ouvindo as nossas canções.
A vida, com o passar dos anos, passa a ser tão feita de memórias
quanto de realidade.
Princípio de senilidade.
"Não me dizes nada romântico quando chega o entardecer",
a Julieta costumava cantar para nós.
E eu julgava que lhe querer com limão e sal seria suficiente.

Hoje, eu já não me importo mais,
Ainda que sinta um pontinha de tristeza quando paro para lembrar do que fomos juntos.
Ainda lhe quero com limão e sal,
Mas quero seu sorriso amigo e seu abraço sincero
Mais que nossos corpos juntos.
Aprendi a amar-lhe de forma imortal,
A amar-lhe amigavelmente.
A dar-lhe o limão e o sal.

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Por Raphaël Crone.

Um Encontro Interior.

[ Escrevo sobre isolamento e ternura, a perturbadora ambivalência nossa, frivolidade e covardia, às vezes a graça e o riso. ] * [ Lya Luft ]



E nesta ambivalência eu perdi a mim mesmo.
Eu perdi. Eu sei.

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Por Raphaël Crone.

São Paulo Pianoforte.


[ Quando eu morrer quero ficar,/ Não contem aos meus inimigos,/ Sepultado em minha cidade,/ Saudade./ Meus pés enterrem na Rua Aurora,/ No Paissandu deixem meu sexo,/ Na Lopes Chaves a cabeça/ Esqueçam./ As mãos atirem por aí,/ Que desvivam como viveram./ As tripas atirem pro diabo,/ Que o espírito será de Deus,/ Adeus. ] * [ Mário de Andrade ]

[ E se eu apenas pudesse,/ Eu teria feito um trato com Deus;/ Eu o pegaria para trocar os nossos lugares./ Continue correndo estrada afora./ Continue correndo colina acima./ Continue correndo pelo prédio. ] * [ Placebo ]



Minha melancolia personalizada em seus edifícios,
Em suas ruas abarrotadas e vazias.
Gosto de ruas. Gosto de falar delas e tocar suas fachadas.
Gosto de abraçar seus postes imponentes e decrépitos.
Gosto das suas ruas, especialmente à noite.
Gosto de sua vulgaridade e de sua eminente pompa.
Gosto de sua efervescência.
Efervescendo-me.

Meu sorriso tímido sentado no Ibirapuera.
Observações.
Minhas mãos finas tocando a grama verde,
Contemplando o lago. Hologramas.
Meus pés mal-cuidados subindo a colina.
Gosto da melodia da cidade. Da necessidade de vida.
Demonstrar vida, ainda que ela esteja degolada em alguns de seus becos boêmios.
Boêmia Augusta. Financeira Paulista.
Os seus Jardins imponentes, Europa, América.
África, apresente-se a mim.

Gosto dos seus bares e das suas orgias.
Gosto de sentir minha alma virgem sendo maculada pela sua corrupção.
Gosto de suas estradas desertas e dos seus rios inexistentes.
Gosto da profusão de vozes que me gritam
E de como elas são invisíveis aos meus olhos.
Gosto de observar os contrastes que se espalham por cada esquina.
Sua opulência e sua miséria,
Gosto por que você é como eu, Paulo Santo.
A bênção?

Gosto de seu luxo e luxúria. Daslu, Iguatemi, Morumbi.
Nomes indígenas para brancos.
Gosto de sua vida noturna. Impagável.
Gosto do deslumbramento que você causa aos forasteiros,
De sua vulnerabilidade. Bem como eu.
Eu continuo subindo a colina.

Gosto de suas favelas, onde convivem o crime e o castigo de Dostoiévsky,
Onde convive a honestidade velada.
De suas letras e liras. Liras paulistanas, Mário.
Tarsila, pinte um retrato meu? Anita?
Oh, não. Não dê ouvidos ao Lobato, Anita.
Vamos, pinte um retrato meu:
Eu, meu cigarro e a modernidade inaugurada.
Serei seu modelo. Nudez premeditada.

Gosto de subir as suas colinas, Paulo Santo.
Suas ladeiras. Dirigir rápido por suas vênulas e arteríolas.
Me sentir vivo com o pulso de sua aorta excepcional.
Gosto de você. De sua-minha excentricidade.
De seu-meu desencanto encantador.
De sua esperança e de seu poder de desiludir.
De sua mobilidade imóvel.
Gosto de você porque me vejo em você.
E do alto de sua mudez altiva, Paulo Santo,
Eu me ajoelho e beijo seus pés,
Por que sei que você também abre os seus braços por mim.

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Por Raphaël Crone.

Uma Questão de Medicina.


[ Eu estava confuso pelas forças existentes,/ Esquecendo nomes e rostos./ As pessoas passavam por mim pelas ruas como se pudessem me apagar./ Querido, você se esqueceu de tomar os seus remédios? ] * [ Placebo ]



Eu passo pelas ruas prestando atenção,
Mas nada me é reconhecível.
Pessoas estranhas, a mesma estranha padaria onde eu tomo meu café todas as manhãs,
A mesma estranha garçonete com cara de gato.
A noite foi longa.
O sexo e as consequências. Não reconheço a fachada do meu edifício
E nem me lembro bem quais das chaves abre meu apartamento.
Tudo gira e confunde-se na face daquela mendiga velha e gorda,
Sentada no banco da praça próxima.
Paris? Montparnasse?
Aqui mesmo. Oh, droga, eu me esqueci de tomar...
As consequências.
Tudo é frio e estranho. Distante.
A luz do sol que chega difusa até mim, lutando para vencer as grossas nuvens no céu.
As folhas que caíram depois da última chuva.
Meu celular que vibra no bolso de minha calça.
Onde ele está?
Droga, eu me esqueci novamente...

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Por Raphaël Crone.