sábado, 30 de março de 2013

Desencontro



Eu te avisto e você se desvanece,
Como a bruma se evapora e some,
Dança diante de mim como a névoa insone
E sobre mim se deita e eu te beijo e... onde?

Possibilidades insinuadas, pretendidas, certas,
Nunca realizadas por futuros ébrios,
Eu aqui, você acolá, "adonde?",
Por onde anda que não mais te encontro?

E quando eu penso que te agarro e prendo,
Você se esquiva, uma sombra informe
E eu salto atrás e te perco, que momento!
E com teu beijo no vento minh'alma dorme...

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Por Raphaël Crone

Matemática



Sento no jardim e contemplo a matemática do mundo:
O dois tem mais valor que o um sozinho
E o um sozinho anseia desesperadamente por ser dois.
Ao mesmo tempo o dois precisa bipartir-se para existir,
Pois o individual impera e ele alimenta a dualidade.
Não há longevidade se o dois não se faz um por alguns momentos
E se o um não se compromete com o outro, feito dois;
Não há possibilidades de duração.
Essa é a sabedoria do mundo, o que sustenta a órbita das existências,
Elipses e giros acrobáticos, uma matemática sentimental.

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Por Raphaël Crone.


O Moço Loiro



Entre os fios dourados, meu Sol escorre como lava:
Quente, intocável, consumindo o que encontra e o que respira.
A juventude se mantém célere em sua parábola:  anos se vão e o auge logo se torna ocaso,
Duas pontas que se completam com um arco, ápice e base.
O que se esconde por baixo dos fios de ouro, meu rapaz?
Que turbilhão de existencialidades se oculta por sobre a quietude exterior?
Que segredo o olhar revela e a mão guarda?
Enigmas que a forma exterior não desvenda, uma canção tocada em surdina:
Breves, mínimas e fusas, profusão de significados ocultos por sob a cabeleira loira do rapaz.
O que não se vê é mais do que aquilo que tão maciçamente se mostra sendo.

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Por Raphaël Crone

Tinta e Papel



Como o papel que se dilui em meio à tinta, manchando-se de negro nanquim
Que não sai dali nunca,
Eu me diluo em você, me mancho e me enegreço, envelheço perante sua memória.
De loiros a grisalhos, de grisalhos à encanecida coma
E de rija à flácida pele, eu vejo os dias passarem enquanto aguardo o seu retorno,
Observando as folhas caírem no outono e renascerem na primavera, 
Sem sinal de primavera em mim.

Mergulho no lago plácido que existe cá dentro de mim,
Mergulho de corpo todo e em meio às águas frias eu tento despertar;
Depois de muito afundar eu volto à tona,
Mas a paisagem ainda é cinzenta e nebulosa,
Não percebo ainda diferença entre o que foi e o que é.
Procuro dilatar-me em meio à minha alma líquida,
Viajando pelo astral qual flecha atirada por arco retesado: ainda assim viajo lentamente.

Não vejo sinais de você, não vejo cidades em pé,
Tudo é ruína e melancólica quietude,
É poema obscuro e sombras de assombrações, tudo é vazio.
Ecos não ressoam aqui e cores não emanam da auréola sobre meus cabelos.
Não há lanternas acesas na floresta e não há sussurros que me guiem,
Tudo é tinta diluída em papel e papel conspurcado por tinta,
Tudo é ilusão. Vago, pois, cego e vão, em meio à vã ilusão da minha madrugada.

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Por Raphaël Crone