sábado, 30 de março de 2013

Tinta e Papel



Como o papel que se dilui em meio à tinta, manchando-se de negro nanquim
Que não sai dali nunca,
Eu me diluo em você, me mancho e me enegreço, envelheço perante sua memória.
De loiros a grisalhos, de grisalhos à encanecida coma
E de rija à flácida pele, eu vejo os dias passarem enquanto aguardo o seu retorno,
Observando as folhas caírem no outono e renascerem na primavera, 
Sem sinal de primavera em mim.

Mergulho no lago plácido que existe cá dentro de mim,
Mergulho de corpo todo e em meio às águas frias eu tento despertar;
Depois de muito afundar eu volto à tona,
Mas a paisagem ainda é cinzenta e nebulosa,
Não percebo ainda diferença entre o que foi e o que é.
Procuro dilatar-me em meio à minha alma líquida,
Viajando pelo astral qual flecha atirada por arco retesado: ainda assim viajo lentamente.

Não vejo sinais de você, não vejo cidades em pé,
Tudo é ruína e melancólica quietude,
É poema obscuro e sombras de assombrações, tudo é vazio.
Ecos não ressoam aqui e cores não emanam da auréola sobre meus cabelos.
Não há lanternas acesas na floresta e não há sussurros que me guiem,
Tudo é tinta diluída em papel e papel conspurcado por tinta,
Tudo é ilusão. Vago, pois, cego e vão, em meio à vã ilusão da minha madrugada.

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Por Raphaël Crone

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