terça-feira, 4 de outubro de 2016

Miragem Noturna



Eu vejo você rodopiar diante do meu rosto, misturado à fumaça do meu cigarro;
Você irrita os meus olhos e impregna as minhas roupas e meu cabelo com um odor desagradável, mas eu continuo implorando por mais.
Por um minuto, eu penso em deixá-lo, mas é inútil: eu volto de joelhos para mergulhar outra vez nas sombras do lago, que é o seu coração, negro como a noite.
Minhas mãos envolvem o seu pescoço, emaranham-se em meios aos cachos dos seus cabelos:
Eu o enrolo, eu o aspiro e eu desmaio enlevado por essa beatitude.
Você é meu vício, a minha solução e o meu doce problema.
Meu amor de perdição, o blues que me espanca à meia-noite, minha religião profana e minha cética peregrinação.
Formas rijas que se desvanecem em meu abraço, como a bruma. Sacrossanto pesadelo e penitência: a esperança de respirar aliviado novamente, porém sem nenhuma sombra de expiação.


A Canção do Incendiário




O meu maior desejo é abrasá-lo: transformá-lo em cinzas ao envolvê-lo com meus braços;
Tudo em mim está em constante combustão, uma ignição espontânea, ativada pelo simples vento que sopra meus cabelos para lá e para cá.
Mais queria eu incendiar as ruas, em um breve segundo fazer evaporar aquela lágrima em minha mão, derramada naquele momento mudo.
A ponta dos meus dedos em contato com o seu rosto é qual blues para os meus ouvidos: um efêmero toque abre rasgos em sua pele e torrentes vermelhas escorrem ensopando suas roupas.
Eu sigo em seu encalço, perigoso e me movendo; desejo queimar nossa alcova em tons de azul, vermelho e laranja, de forma que nenhuma chuva possa apagar.
Desejo consumi-lo - comê-lo, bebê-lo, eviscerá-lo, fazê-lo uma carne comigo. Carne rota. Queimada. Ignóbil.
Restos daquilo que é o muito desejar.