segunda-feira, 1 de abril de 2013

You Belong to Me...




Versão: Carla Bruni
Composição: Chilton Price, Pee Wee King e Redd Stewart

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Por Raphaël Crone

O Menino dos Óculos Grandes



Estava sentado naquele sofá marrom, olhando pro teto
E ouvindo "You Belong to Me" na voz da Carla Bruni.
Os acordes nostálgicos daquele violão
E o ronronar daquela voz me entorpeciam.
Meio dia e quinze, segunda-feira, horas de lassidão
E, de repente, você apareceu no meu messenger:

"J: -Hey there
R: -Hi, dear
Como está?
J: -Bem!
 E você?
R: Bem também
J: -Que bom!
R: =D
J: -Bem, entrei só pra saber de você..."

Um pouco depois você se foi e eu fiquei ali deitado,
Ainda ouvindo a mesma música,
Pensando em nós jogando post it ontem para afastar meu tédio,
Pensando nos seus óculos grandes (que eu disse parecerem com os da minha avó!),
No seu cabelo de louco e nos meios alternativos pelos quais a vida nos faz sorrir.
Souvenirs delicados de poética contemplação...

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Por Raphaël Crone

Quando Hoje Abri Meus Olhos



Já se passaram muitos anos, mas hoje acordei e me lembrei de você.
Olhei para a estante e lá vi aquele livro que você me deu enquanto aguardávamos a sua apresentação na universidade,
"Os Cadernos de Malte Laurids Brigge", de Rainer Maria Rilke.
Lembro-me bem de quando você o pôs em minhas mãos e abrindo a primeira página ainda vejo lá a sua dedicatória:
"à mon garçon Raphaël, qui m'a fait sourir..."
E embaixo do título ainda continuou: "mô, eu acho que escrevi errado, mas você me faz sorrir de qualquer jeito!"

...

Lembro-me de quando fui visitá-lo, das horas dentro de um ônibus
E da pavorosa estrada sem asfalto, viagem onde os segundos eram horas venturosas regadas pela expectativa de você.
Você me esperando na rodoviária, nossos almoços risonhos,
O furor que nos abrasava em qualquer lugar: escadas, becos, adrenalinas rompendo a lei.
Lembro-me dos nossos silêncios, lembro-me dos nossos ciúmes,
Lembro-me das discussões com os olhos e dos reatamentos com as bocas.
Lembro-me de nossa juventude sônica.
Sorrisos espontaneamente dissipados pela corrente do tempo atroz...

O fato é que não te fiz sorrir para sempre e os dias foram céleres.
Abro o guarda-roupas e lá encontro aquela bermuda cáqui que era sua
E abro o armário da cozinha e lá encontro aquela caneca verde de porcelana.
Muitas lembranças...
Lembranças que hoje não me causam nenhuma dor, apenas muita nostalgia.
O passar dos anos e das horas, inexoráveis.
Sorrisos e promessas que, conforme Shakespeare já advertira antes, jamais puderam ser mais que tênues promessas de eternidade...

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Por Raphaël Crone

Marie de Paris



J'adore a silhueta do seu corpo que se esparrama por entre os brancos lençóis da alcova,
Sua pele ebúrnea de princesa e seus cabelos loiros que rodeiam sua cabeça de meretriz.
J'adore mais ainda o branco dos seus dentes e o vermelho das maçãs do seu rosto, timidamente afogueadas;
O sorriso malicioso que vaza por entre seus lábios e o verde dos seus olhos ambíguos.
J'adore as canções que eu toco para você naquele violão envelhecido
E os cigarros que fumamos, brincando com a fumaça que dança sobre nós.
J'adore, Marie, os beijos cheios de significado que nossas bocas trocam,
A conversa silenciosa que travamos e as filosofias ordinárias que desfiamos durante a madrugada,
Regadas a champagne e risadas desatadas.
J'adore a liberdade exalada das suas narinas, a poesia que furtivamente foge dos seus dedos e o arranhar das suas garras vermelhas em minhas costas nuas.
J'adore o contorno das suas coxas e a forma como você trança os cabelos quando se levanta,
Trança frouxa e fios desalinhados, eu atrás de você, um beijo na nuca e um espasmo.
J'adore Marie comme j'adore Paris, comme j'adore Dior, comme j'adore Voltaire,
Efervescências físico-emocionais,
Amores boêmios e noites de venturas sem fim...

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Por Raphaël Crone

Abissais, n°. 2



[ Veja as pirâmides ao longo do Nilo,/ Veja o sol nascer numa ilha nos trópicos,/ Apenas se lembre, querida, todo o tempo você pertence a mim,/ Veja o mercado no velho Algiers,/ Me mande fotografias e alguns souvenirs,/ Apenas se lembre quando um sonho surgir: você pertence a mim./ Eu vou estar tão sozinho sem você,/ Talvez você esteja solitária também e triste.../ Voe sobre o oceano em um avião prateado,/ Veja a selva molhada pela chuva,/ Apenas se lembre: até você estar em casa, novamente, você pertence a mim...  ] * [ Carla Bruni ]



Caminhando, caminhando pela noite, sem tochas e nem velas
Você me procura e você me encontra
Contemplando o oceano, violão às costas,
Místico garoto.
Então você diz que me pertence, que temeridade!
Eu fui seu amor, eu fui seu torpor, eu fui sua orgia,
Mas hoje não há pertencimento verdadeiro,
Não há doação perene, há apenas temporária cessão:
Superficialidades.

O oceano nos contempla, plácido e intimidador.
Profundo.
Você o fustiga com uma pedra: impassível ele segue.
O aroma dos seus cabelos sussurra ao vento obscenidades
E elas não são capazes de me dizer palavra que me importe.
Você diz novamente que me pertence
E eu mais uma vez digo que é bobagem,
Não há entrega permanente, há um aluguel sentimental,
Novas superficialidades.

Mergulho, com violão às costas e você ficando para trás.
Acordes aquáticos, noturnos, salgados e misteriosos
E vou mais fundo ao meu encontro:
Mais abaixo, mais adentro, tornando-me abissal,
Como abissais são as nascentes da vida e os fins para onde ela se dirige;
Nascentes que evisceram-se em todas as nuances do ego.
Não te vejo mais na superfície e prossigo: meu mundo ainda submerso
E agora muito mais que isso: abissal...

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Por Raphaël Crone