domingo, 31 de março de 2013

O Que Você Vê...



Quando você me conheceu eram olhares ternos e abraços,
Beijos e carícias, promessas de eternidade.
Os anos se passaram e hoje você não me quer:
Quer uma nova pessoa com o meu formato.
O meu cabelo agora é muito comprido,
Minhas roupas muito diferentes e a minha calça muito rasgada.
Minhas meias são muito listradas e meus óculos, tortos.
Eu sou quem você enxerga e é isso que você tem em mãos.
Acredite em mim, quando você tenta me mudar você está procurando por problemas
Eu posso ser um estouro na forma do alternativo desalinho que hoje te incomoda...

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Por Raphaël Crone

Tia Mariana



Lembro que eu era criança e nos fins de semana minha mãe me levava para visitar a Tia Mariana.
Ela estava sempre com um sorriso no rosto, embora fosse um sorriso triste.
Me abraçava, me paparicava, eu adorava a Tia Mariana,
Mas por causa de um câncer um dia ela morreu.
Eu não era grande o suficiente para entender o que era a morte
E eu segui esperando vê-la novamente. Em vão.
Hoje eu sou grande e entendo, eu não a vejo com os olhos,
Mas posso senti-la quando ouço o Fagner, posso senti-la quando me lembro da sua melancolia,
Posso senti-la quando olho para o meu coração...

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Por Raphaël Crone

Eletrônico



O meu amor é eletrônico, ele necessita ser alimentado
Em alta voltagem, de forma sistemática e ininterrupta,
Ele precisa de cabo e conexão com você.
Ele gera faíscas e se aquece, causa interferências ao redor
E faz com que ruídos metálicos e monótonos preencham os seus ouvidos distraídos.
Meu amor é perigoso como a eletricidade que o alimenta
E quando você se vai ele entra em curto circuito,
Apagando e sendo apagado, minutos de escuridão e silêncio.
Blecautes: coisas de uma alma não tão moderna assim...

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Por Raphaël Crone

Fulgaz



Talvez nós fôssemos muito jovens para entender
Que os minutos são preenchidos com um luxo radioso de sensações
Passageiras como a noite,
Duradouras como a memória.
Procuramos a longevidade dos segundos
Ignorando que em sua natureza eles são efêmeros
E que as cicatrizes indeléveis deixadas cá dentro são as únicas testemunhas de sua existência fulgaz.

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Por Raphaël Crone

Aqui Comigo



[ Your body was tan and your hair was long/ You showed me your smile and my cares were gone./ Falling in love I filled my soul with frights,/ You said "come on, baby, it'll be alright..."/ Cause there's another world we're living in tonight... ] * [ The Killers ]



Eu passeava com você noite adentro e noite afora,
Te levava pela mão enquanto passávamos por entre os becos,
Por entre os parques adormecidos,
Por baixo das pontes observadoras e impronunciáveis.
Você não dizia palavra e assim eu gostava,
Pois nos comunicávamos por simples olhares, pensava eu.
Não havia som, mas havia uma verborragia telepática,
Tanto que muitas vezes eu nem conseguia entender tudo o que me era dito.
Quando você se cansava de caminhar, eu te carregava,
Acendia os seus cigarros e acariciava os seus cabelos longos e luminosos.
Nunca víamos nenhuma outra viv'alma por perto,
Éramos sempre você e eu e assim eu gostava,
Pois ninguém mais era necessário em nosso universo particular.
Seu vestido branco revelava as formas esguias dos seus seios e da sua cintura
E eu sorria, vestido de preto, chapéu e sobretudo, sua mão na minha.
Eu me vestia de você, da etérea juventude que a rodeava
E você se vestia com a minha pálida melancolia,
Onde sorrisos eram breves e olhares inflamavam-se em efêmera combustão.
As árvores nuas passavam por nós e a lua boiava no céu,
Envolta pudicamente por nuvens escuras, como Cristo na cruz
Foi envolto, para que sua vergonha não se mostrasse à multidão.
Nosso amor era silencioso e tranquilo, macio como a bruma,
Nebuloso como o algodão e doce como um beijo que desperta.
Passavámos pelas estradinhas mortas e por ali seguíamos,
Colhia uma florzinha que crescia à beira do caminho e com ela adornava seus longos cabelos claros.
O cenário agreste era convidativo e a estrada desdobrava-se serena,
Minha mão na sua mão, minutos de euforia contida.
Seguimos e conseguimos chegar até o fim da estrada, mas quando olhei para trás
Não te vi mais ali. Onde estava sua mão agora?
E a flor do seu rosto e a flor dos seus cabelos e o aroma do seu perfume?
Desfez-se a fantasmagoria e eu entendi: acendi um outro cigarro,
Abaixei a cabeça e prossegui, sem a sua mão na minha mão,
Mas seu sorriso cá dentro afastando meus temores,
Certo de que a sua lembrança se materializaria uma vez mais quando a noite fosse alta,
Aqui comigo, vestida em minha abrasadora melancolia...


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Por Raphaël Crone