sábado, 30 de maio de 2009

Velha Consideração de Jovem.

---[ Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa. ] * [ Guimarães Rosa ]

[ Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento. ] * [ Clarice Lispector ]

[ A maior riqueza do homem é a sua incompletude. Nesse ponto sou abastado. Palavras que me aceitam como sou - eu não aceito. Não agüento ser apenas um sujeito que abre portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que compra pão às 6 horas da tarde, que vai lá fora, que aponta lápis, que vê a uva etc. etc. Perdoai. Mas eu preciso ser Outros. Eu penso renovar o homem usando borboletas. ] * [ Manoel de Barros ]


Julgo um erro tentar cruzar a vida num barco de entendimentos.
As filosofias não são feitas de matéria e a vida é simples filosofia.
Perdemos muito de nós tentando compreender.
Perdemo-nos em meio às brumas do mar que navegamos
E o tempo passa a passar nessa hora, inexoravelmente, como Senhor de nós.
Julgo um erro tentar entender toda a vida.
Há momentos que não foram feitos para serem entendidos
E a maioria dos entendimentos não abarcam um pingo de tudo o que gostaríamos de saber.

___
Por Raphaël Crone.

Brevidade Sobre a Morte e a Vida.

---
[ Não ficar melancólico, mas guardar na lembrança as melhores coisas da vida. E não abrir mão de ser feliz. A busca pela felicidade já justifica a existência. ] * [ Dorival Caymmi ]


Nunca pensei muito em morrer.
Não sou do tipo que vive pensando na Morte ou que a deseja como Redentora de uma vida fraca.
Gosto da Vida: gosto da sua ironia que soa como um tapa na cara:
Agudos e sensações dolorosas.
Gosto da Vida: gosto dela talvez porque não imagino que vá viver muitos anos.
Apenas uma impressão.
Não penso que chegue a ser velho um dia e isso na maior parte do tempo não me aborrece.
Mas não me detenho pensando na Morte.
Minha única vontade quanto a isso é a de morrer vendo o Mar.
Como Dori quis um dia, por uma vida toda, eu também quero.
Queria morrer vendo o Mar: em seus braços, com o sal de seu abraço me embalando.
Um desejo romântico, leitor.
Desejo de poeta jovem que sou.

___
Por Raphaël Crone.

Introduzindo-Me: Segredos.

---
[ Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro. ] * [ Clarice Lispector ]

[ Minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem de grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite. ] * [ Clarice Lispector ]

[ Quanto mais me despedaço, mais fico inteira e serena. ] * [ Cecília Meirelles ]


Contradigo-me: profundamente e repetidamente contradigo-me.
Ambulantemente e espalhafatosamente.
Em certos momentos, isso me traz certo orgulho bobo:
Faz-me sentir vivo, rebelde. Quase que revolucionário dentro do meu mundo.
Mas na maior parte do tempo isso me frustra,
Me faz duvidar e perder tempo que não tenho a perder.
Gostaria de escrever, mas pouco escrevo
E gostaria de desenhar, mas nunca pego papel e grafite.
Gostaria de cantar e encenar e pintar,
Mas nunca tomo grande atitude para expandir a minha Arte,
Que é essencialmente bela e potencialmente devastadora.
[ ... ]
Gostaria de revolucionar o mundo, nem que fosse o meu próprio,
Com coisas que eu bem sei fazer,
Mas não o faço; guardo a minha Arte quase toda pra mim
Como se o mundo exterior não precisasse dela
(E de fato, muitas vezes me questiono se ele realmente precisa).
Contradigo-me: faço o que não gosto e o que gosto, pouco faço.
Gostaria de fazer mais, mas os monstros que moram dentro de mim exteriorizam-se quando resolvo abrir-me,
Tenho medo do que mora em meu armário. Dos gigantes que assolam as planícies do meu self.
A minha Arte transporta-os para os olhos alheios.
Poderia-se especular que talvez um dos motivos pelos quais pouco uso minha Arte-Musa seja justamente este:
O medo de que ela exponha mais do que eu gostaria de expôr,
Mas garanto-lhe, leitor, metalinguísticamente: Não é.
Na realidade, sinto um mórbido prazer em despir-me de meus acertos e falhas perante as palavras e imagens de minhas obras,
Sinto prazer em mostrar que sou feito de deliciosa e inescrupulosa humanidade,
Sem intenções de perfeição ou santidade, sem buscar o Paraíso.
Talvez o real motivo nem eu conheça: indolência ou egoísmo, sabe-se lá.
Quem sabe o que se esconde aqui dentro, o que me motiva?
Nem mesmo eu bem sei, leitor.
E no fim, quem sabe não seja melhor que assim mesmo o meu eu-incomum continue?
Justamente assim: despudoradamente oculto e entre sombras se revelando.

___
Por Raphaël Crone.

Última Noite.

---
[ Turn the lights out,/ This shit is way too fucking bright./ Wanna poke my eyes out/ If you wanna mess with my eyesight./ Just let me get my head right,/ Where the hell am I?/ Who are you?/ What'd we do last night?/ Hey, who are you?/ What'd we do last night?/ Can't remember what I did last night,/ Maybe I shouldn't have given in but I just couldn't ./ I didn't but I think I might've,/ Everything, everything is still a blur.../ Can't remember what I did last night,/ Everything, everything is still a blur.../ Can't remember what I did last night,/ Everything, everything is still a blur... ] * [ Britney Spears ]


Acordei rolando entre lençóis cheirando a rosas e sexo,
Tomado por um torpor libidinoso, uma noite de aromas ilícitos.
Libertinagens.
Não consigo me concentrar, tudo parece diferente,
Como se a minha mente pedisse uma xícara de café forte para poder despertar enfim.
O que se passa comigo?
O que acontece?
De um canto do quarto mal iluminado pelas janelas de cortinas semicerradas
Emana o som de uma canção que eu não entendo bem,
Um som metálico de guitarras japonesas, gemidos ininteligíveis.
Ininteligível recordação que me vem e que me deixa.
Observo meu corpo nu entre os lençóis da cama
E igualmente noticio um vulto nu parado à porta do quarto, observando-me com um esgar de sorriso rasgando os lábios.
Pas de malice, pas de malice...
Uma sensação de cansaço me toma e mesmo percebendo que muito de mim está exposto aos olhos do estranho, não me dou ao trabalho de me cobrir.
Uma quebra de decoro.
A luz mal filtrada que ultrapassa os cortinados toca a minha pele salientando a sua brancura e a sua firmeza,
Por um minuto observo os traços em meu abdome, com a língua sinto meus lábios intumescidos,
Passando a mão por meu pescoço, sinto um frêmito que enrijece meus mamilos...
E o vulto a me observar. Interrogações interiores.
Não me recordo de muita coisa, tudo ainda é um borrão,
Tudo é confuso: o leito onde me deito e a sombra com quem me deitei outrora.
Sento-me na cama e meu corpo se insinua, tomo a sombra que se aproxima sorrindo e devagar por uma das mãos,
Faço-a sentar à minha frente e esta me toca: eu me arrepio.
Deitamos: as horas prosseguem.
Eu ainda não entendo, tudo ainda é um borrão em minha cabeça...
O que acontece?
Mas já não me importa tanto mais.

___
Por Raphaël Crone.