domingo, 23 de novembro de 2008

São Paulo Pianoforte.


[ Quando eu morrer quero ficar,/ Não contem aos meus inimigos,/ Sepultado em minha cidade,/ Saudade./ Meus pés enterrem na Rua Aurora,/ No Paissandu deixem meu sexo,/ Na Lopes Chaves a cabeça/ Esqueçam./ As mãos atirem por aí,/ Que desvivam como viveram./ As tripas atirem pro diabo,/ Que o espírito será de Deus,/ Adeus. ] * [ Mário de Andrade ]

[ E se eu apenas pudesse,/ Eu teria feito um trato com Deus;/ Eu o pegaria para trocar os nossos lugares./ Continue correndo estrada afora./ Continue correndo colina acima./ Continue correndo pelo prédio. ] * [ Placebo ]



Minha melancolia personalizada em seus edifícios,
Em suas ruas abarrotadas e vazias.
Gosto de ruas. Gosto de falar delas e tocar suas fachadas.
Gosto de abraçar seus postes imponentes e decrépitos.
Gosto das suas ruas, especialmente à noite.
Gosto de sua vulgaridade e de sua eminente pompa.
Gosto de sua efervescência.
Efervescendo-me.

Meu sorriso tímido sentado no Ibirapuera.
Observações.
Minhas mãos finas tocando a grama verde,
Contemplando o lago. Hologramas.
Meus pés mal-cuidados subindo a colina.
Gosto da melodia da cidade. Da necessidade de vida.
Demonstrar vida, ainda que ela esteja degolada em alguns de seus becos boêmios.
Boêmia Augusta. Financeira Paulista.
Os seus Jardins imponentes, Europa, América.
África, apresente-se a mim.

Gosto dos seus bares e das suas orgias.
Gosto de sentir minha alma virgem sendo maculada pela sua corrupção.
Gosto de suas estradas desertas e dos seus rios inexistentes.
Gosto da profusão de vozes que me gritam
E de como elas são invisíveis aos meus olhos.
Gosto de observar os contrastes que se espalham por cada esquina.
Sua opulência e sua miséria,
Gosto por que você é como eu, Paulo Santo.
A bênção?

Gosto de seu luxo e luxúria. Daslu, Iguatemi, Morumbi.
Nomes indígenas para brancos.
Gosto de sua vida noturna. Impagável.
Gosto do deslumbramento que você causa aos forasteiros,
De sua vulnerabilidade. Bem como eu.
Eu continuo subindo a colina.

Gosto de suas favelas, onde convivem o crime e o castigo de Dostoiévsky,
Onde convive a honestidade velada.
De suas letras e liras. Liras paulistanas, Mário.
Tarsila, pinte um retrato meu? Anita?
Oh, não. Não dê ouvidos ao Lobato, Anita.
Vamos, pinte um retrato meu:
Eu, meu cigarro e a modernidade inaugurada.
Serei seu modelo. Nudez premeditada.

Gosto de subir as suas colinas, Paulo Santo.
Suas ladeiras. Dirigir rápido por suas vênulas e arteríolas.
Me sentir vivo com o pulso de sua aorta excepcional.
Gosto de você. De sua-minha excentricidade.
De seu-meu desencanto encantador.
De sua esperança e de seu poder de desiludir.
De sua mobilidade imóvel.
Gosto de você porque me vejo em você.
E do alto de sua mudez altiva, Paulo Santo,
Eu me ajoelho e beijo seus pés,
Por que sei que você também abre os seus braços por mim.

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Por Raphaël Crone.

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