sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Um Dilúvio Interior.

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[ Um conselho?/ Crianças, amem. Jovens, amem./ Homens e mulheres, amem. ] * [Edith Piaf ]


Sentei-me na clareira mais profunda da floresta,
Na mais escura e perdida, a mais distante.
O vento meridião, frio e mordaz, não poupava esforços para anunciar a noite invernal, onde ele reinava como senhor absoluto.
A floresta aparentemente dormia. A vida ia mais devagar, cursando sua rota incessante,
Devagar... Devagar... Assim.
Levantei os olhos e vi: vi do que é feito o vento,
Vi cada sopro, cada movimentação do ar,
Todo o sentimento inerente à sua ação tão natural.
Tocando a terra com uma das mãos absortas,
Ouvi, sim, eu ouvi: ouvi do que é feito o solo,
O abundante tapete vivo que suporta o peso da humanidade.
Os grãos esparsos me contaram de que matéria eles são compostos,
De que fibra são constituídos e em quanto amor eles são banhados.
Presenciei os movimentos das sombras,
Divisei entre os arbustos formas inomináveis,
Criaturas que Hypnos não possui, auscultei o batida de um ritmo silencioso,
Que cadencia toda forma de existência,
Como se todas as formas de existência fossem feitas de uma só.
O céu escuro e nebuloso ocultou de mim as estrelas,
Não tive permissão de vê-las, ciumento que seu guardião deve ser,
Mas vi a Mãe Lua e sua grande face redonda e cheia,
Como a de quem toma corticóides ou como a de quem morreu por afogamento.
Atentando-me aos sons mais profundos, ouvi também,
A melodia dos povos pequenos, do povo das fadas.
Algo melancólico, mais triste que o mais triste Noturno de Friederich Chopin,
Senti a canção de Elise, vinda dos mortos ouvidos de Beethoven
E por um minuto, senti os rápidos movimentos de um Minueto de Bach golpearem-me o rosto.
Um estrela apareceu, lânguida e silenciosa, fria. Ocultou-se novamente.
Ou ocultada foi. A vida noturna continuava a se agitar.
O chão frio, o vento frio, a chama que arde e a chuva que cai.
Meus cabelos lisos lavados, minha imobilidade passional.
A paralisia frente a tudo o que é maior e mais antigo do que eu, pequeno e jovem que sou.
Après moi, le deluge - Eis o sussurro, o único, que meus lábios permitiram escapar.
Depois de mim, o dilúvio.
Nada mais existiria ou se perpetuaria sem o espírito do amor ancestral,
Que mora em mim. O amor que ele me deu, razão do meu afeto,
Coraçãozinho meu. A natureza expressa o que é amor.
Sua movimentação é embalada e regrada pelo amor à vida.
A vida que ele restaurou em mim, o dilúvio que varreu minha terra obscena.
Deitei-me no chão, sempre frio, em meio às gramíneas e ouvi uma vez mais:
A história que as velhas árvores, de longos braços folhosos,
Contaram-me, pacientemente. Adormeci.
Em meio ao meu sono, senti os seus braços humanos.
Ele chegou, deitou-se ao meu lado e fez-se um único mistério comigo.
Um coração, um amor. Um com a Mãe, que é Eterna e Abençoada.
Adormecemos. E a vida seguiu seu incansável rumo, levando-nos desta vez,
Em seu suave regaço de amor maternal.

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Por Raphaël Crone.

5 comentários:

Anônimo disse...

A Natureza é linda, e ainda mais quando nos afastamos dela, e sentimos a sua falta.

=]

Raphaël disse...

Bem dito, André . Aqui quis retratar o amor à Mãe, à Terra e ao mesmo tempo o amor interpessoal, de Eros, amor humano romântico e sentimental . Penso que interliguei estes elementos, e penso que consegui descobrir uma vez mais, que o amor é sempre amor, independente de que direção o focamos .

Raphaël disse...

Não esquecendo que a redescoberta do sentimento, que segundo a queridíddima Adélia Prado "é a coisa mais linda do mundo", o dilúvio de sensações, interior, tem lugar, neste poema, no seio da Terra, nos braços da Mãe, que é onde nasce todo amor e onde toda a vida começa . No seio da floresta, no ventre da mulher, eis onde a Natureza habita, eis onde a Mãe floresce. Tudo é um . Tudo é deus . Tudo é impressionantemente coexistente .

Raphaël disse...

Nota: queridíddima = queridíssima . Pardon moi . ^^

Anônimo disse...

Essa relação com a natureza, que provém muito provavelmente de culturas celtas abriga o homem como parte da natureza. Estamos vivendo tempos cruciais e definidores de nosso futuro, e nem parece que homens e natureza são um só. É prioritário que os homens relembrarem disto e tenham mais Amor à natureza e ao próximo!