sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Infanticídio.


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Os meus braços lhe enlaçam, Cinderella, Eles sugam a sua respiração por ciumenta tortura.
Os braços do Brahma, o lord das Índias,
Os um milhão de olhos com os quais eu lhe observo,
As previsões do meu novo guru, que me aprisionam em um êxtase imaginário.
O fogo sagrado.
O trem de ferro que corta as ruas tomadas por elefantes brancos,
O que conduz a donzela mais bela, rameira notória.
A profunda sensação de possibilidade, efêmera, contraditória,
Não o começo da felicidade, mas a felicidade em si,
Morta e pisoteada em alguma ruela insalubre.
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-O amor não é feito de sonhos, Cinderella.
O amor não é feito de desconfianças.
A chaga que lhe matou é a mesma que ulcera quase o mundo todo.
É a gota fria que apaga a luz da candeia,
O cesto que impede que o quarto seja aquecido pela chama da vela oculta sob ele.
O amor aniquilado, infanticídio.
Toda uma vida de possibilidades sob as patas do seu elefante branco, que não anda no trem de ferro.
-Seja cautelosa, Cinderella. Não seja Alice.
A Rainha Vermelha - figura do seu ciúme - está em nosso encalço, devorar-nos-ia se nos encontrasse.
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Não mate a criança, oh, não!
Misericórdia aos oprimidos. O amor é uma criança.
Não esfregue as mãos sujas, não macule a coma dourada com o escarlate véu que lhe tinge.
Um segundo para acreditar, um segundo para plantar,
Uma vida para segar as messes dos campos que estão sendo semeados.
-Não olhe para a frente, Cinderella! Feche os olhos por um instante.
Aqui o tempo passa, inexoravelmente e não se preocupa em corrigir os enganos.
Cabe a nós corrigí-los. O que é sina.
Não mate o infante, não beba do cálice amargo do seu ciúme.
Esta mágoa, este medo da felicidade não durará mais do que o tempo de sua queda penhasco abaixo.
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Reconstrua o templo de Afrodite, retire os escombros de seus portais.
Deite-se sobre o altar florido e deixe que o tempo leve seu suspiro embora.
A criança tomará um cutelo afiado,
Com um movimento dará cabo de tudo. Morte de Cinderella.
A vertigem que precede a imperiosa necessidade de crescer lhe porá em pé novamente.
A surda confiança, de olhos de lince.
A taça da qual o amor-criança bebe. O veneno que não o mata.
O antídoto. Feast on scraps.
O amor não é feito de sonhos, mas ele voa em suas asas etéreas.
O amor é feito de matéria sólida. Uma união tão necessária que chega a ser carne,
Uma cumplicidade tão intensa que chega a ser sangue.
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Até onde eu deverei ir, Baba? Um estado de graça,
Um estado de emergência. Quanto mais até que eu seja puro?
Ciúmes, morte de Cinderella. Ordinária morte evitável.
Eu luto contra as patas do elefante da rua.
Eu galopo o trem de ferro e ornamento os cabelos da pródiga filha.
Eu estudo seu sorriso e mergulho em cada lágrima vertida,
Eu a faço renascer. Branca necromancia sentimental.
Não admito, não há fim para a jornada que percorremos.
Um banquete de migalhas, varridas para debaixo do tapete:
Morte de Cinderella, queda de Avalon.
Um amor embalado com carinho, onde não há final.
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Um momento se passa. A tempestade se acalma.
O mundo está em seu lugar.
Mas - espanto - onde está Cinderella?

[ FOTO: ]* Raphaël Crone - Dezembro/ 2008 .

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Por Raphaël Crone.

4 comentários:

Anônimo disse...

Personagens de histórias!
Metáforas.

Incompreensão!

=]

Raphaël disse...

Cinderella aqui retrata a falta de confiança, o ciúme, o anti-herói do relacionamento . Figuras metafóricas, afinal quem é mais metafórico do que eu ?

Raphaël disse...

Atenção às figuras orientais inseridas no contexto, como o guru (Baba, Pai), que representa a falta de inciativa, a dependência de outrem . Alanis Morissette me inspirou muito nesta peça . Ela, que aliás está no Brasil! Viva!

Anônimo disse...

Relendo agora, com suas explicações compreendi melhor.

Obrigado, Raphaël.