sábado, 6 de abril de 2013

Pérfida



És pérfida, mulher, como Goneril o fora para com seu pai,
O tolo Rei Lear dos contos do Shakespeare sombrio.
Teus olhos são cheios de malícia; sugas, qual vampira, dos meus lábios a decência,
Dos meus olhos a coragem e do meu peito a virtude.
Bebo do teu vinho e fico preso, cativo dos teus apertos,
Sem forças para reagir e sem desejos para de ti me apartar.

És traiçoeira, mulher, como Jezebel o fora para com Elias,
Teus olhos esfumaçados e negros, ardilosos como o gato à espera da hora de pular.
A coroa que puseste sobre minha cabeça é muito pesada agora,
Mas dela, bem como de ti, não consigo me libertar.
Gostaria de fugir de ti, como fugira o profeta errante,
Mas nem fogo dos céus poderiam consumir o que em mim plantaste ali.

És perigosa, mulher, como Maria Monforte o fora a Pedro da Maia,
Teu colo arfante,  que carrega a beleza ebúrnea das louras
Delicia-me e mantem-me atado à corrente em tuas mãos.
Põe-me e dispõe-me como queres, e eu não resisto,
Pelo contrário, solicito de ti um momento de consternação:
Meu ramalhete de delícias por um cacho dos teus cabelos e um toque de tua mão.

És ardilosa, mulher, como para com Ló foram suas filhas no deserto.
De mim, queres prole abundante, como a areia da praia,
Onde cada grão é uma volúpia, brilho de chama e reflexo de gema rara e original.
Eu, como o velho na caverna, não resisto a ti, hebreia,
Aos teus dentes de pérolas e ao teu toque de lótus,
Tens-me, de boa vontade, entregue aonde me queres, liberto de mim, cativo do teu mal.

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Por Raphaël Crone

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