sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Le Fey.

Em vida, chamaram-me de muitas coisas:
irmã, amante, sacerdotisa, maga, rainha...
Na verdade, cheguei agora a ser maga,
e poderá vir um tempo em que tais coisas devam ser conhecidas.
Verdadeiramente, porém, creio que os cristãos dirão a última palavra.
O mundo das fadas afasta-se cada vez mais daquele em que Cristo predomina.
Nada tenho contra o Cristo, apenas contra seus sacerdotes,
que chamam a Grande Deusa de demônio e negam seu poder no mundo.
Alegam, que no máximo, esse seu poder foi o de Satã.
Ou vestem-na com o manto azul da Senhora de Nazaré -
que realmente foi poderosa, ao seu modo -,
que dizem, foi sempre virgem.

Mas o que pode uma virgem saber das mágoas e labutas da humanidade?
E agora que o mundo está mudado, e Artur - meu irmão, meu amante,
rei que foi rei e que será - está morto
(o povo diz que ele dorme) na Ilha Sagrada de Avalon,
e preciso contar as coisas antes que os sacerdotes do
Cristo Branco espalhem por toda parte seus santos e suas lendas.
Pois, como disse, o próprio mundo mudou.
Houve um tempo em que um viajante,
se tivesse disposição e conhecesse apenas uns poucos segredos,
poderia levar sua barca para fora, penetrar no mar do Verão
e chegar não a Glastonbury dos monges, mas a ilha sagrada de Avalon;
isso porque, em tal época, os portões entre os mundos vagavam com as brumas,
e estavam abertos, um após o outro, ao capricho e ao desejo do viajante.
Esse é o grande segredo, conhecido de todos os homens cultos de nossa época:
pelo pensamento criamos o mundo que nos cerca, novo a cada dia.
E agora os padres, acreditando que isso interfere no poder do seu deus,
que criou o mundo de uma vez por todas, para ser imutável,
fecharam os portões (que nunca foram portões, exceto na mente dos homens),
e os caminhos só levam á ilha dos padres,
que eles protegeram com o som dos sinos de suas igrejas,
afastando todos os pensamentos de um outro mundo que vivia nas trevas.
Na verdade, dizem eles se aquele mundo algum dia existiu,
era propriedade de Satã, e a porta do inferno, senão o próprio inferno.
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(Marion Zimmer Bradley)



Mas o que pode uma virgem saber das mágoas e labutas da humanidade?
Poderia ela conhecer a dor do parto e o frêmito do gozo?
A fome de um filho e o desespero de amantes se distanciando?
Poderia ela saber do amor que enternece o coração dos homens, assim como o vinho no inverno?
Poderia ela conhecer o medo e a tristeza da morte e a dor da separação?

Não como nós.
O que poderia uma virgem saber das mágoas e labutas da humanidade?

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Por Raphaël Crone.

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