sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Um Ato Profano.

E Deus há de julgar os vivos e os mortos.
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(Apocalipse de João)


Lubrifico-lhe com lidocaína,
Fria, viscosa, formal.
Peço-lhe que relaxe e respire profundamente.
Com um dedo, verifico se o orifício é permeável e inicio então, de uma vez, o ato de penetração. É profano, indecente.
Entre náuseas e movimentos convulsos,
entre frêmitos de agonia, você pede para que eu pare.
A cânula fria e impessoal atravessa a sua garganta,
Orofaringe, como eu prefiro dizer.
Em seus momentos de lucidez, lampejos,
Você pede que eu pare.
Não posso parar, eu penso.
Salvo-lhe a vida, suja e insentida.
Chego até o seu âmago, estômago,
Depósito ácido.
Inicio o processo de lavagem.
Carvão ativado, sucção.
Secreções esverdeadas e lágrimas.
Náuseas, sangramento nasal devido ao calibre da cânula.
Eu trago-lhe aos braços da vida uma vez mais,
ainda que você quisesse escapar dela.
É preciso encarar a vida de frente, Leonard.
Pelo menos, entender o que ela espera de você,
para depois então descartá-la.
Diazepans são para os tolos.
Um pneumotórax poderia ser mais eficiente.
Simplicidade é a alma do negócio.

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Por Raphaël Crone.

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